Mais jovens, mais caros e em menor quantidade: desafios da formação no futebol brasileiro

Clubes negociam jogadores cada vez mais jovens, apostando em uma maior vida útil dos atletas

Nos últimos dias vimos a confirmação da transferência do jogador Vitor Reis, zagueiro do Palmeiras, para o Manchester United, em mais uma negociação de atleta. O clube paulista receberá algo como € 37 milhões por um atleta de 19 anos, que em 2024 fez 18 partidas, com média de 81 minutos por jogo, e marcou um gol.

Qual é a importância dessa informação, se todos os anos saem vários jogadores brasileiros para clubes europeus? Pois bem, na coluna dessa semana vamos tratar de alguns temas espinhosos relacionados às negociações de atletas com a Europa, mas essencialmente em relação à formação de base no Brasil.

Características da negociação de atletas

Fiz um levantamento dos últimos 3 anos (2022/2023/2024) e adicionei movimentações de 2025 referentes a alguns clubes brasileiros (Grêmio, Internacional, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, Fluminense, Flamengo, Botafogo, Vasco e Atlético-MG), que negociam atletas com alguma frequência. Utilizei um corte, que foram as negociações acima de € 10 milhões. A ideia não é ver quem vendeu mais ou menos, mas verificar características dessas negociações.

Foram 26 atletas e para essas negociações tivemos a seguinte distribuição de idades:

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    Se formos analisar o destino desses jogadores, os negociados acima de 24 anos foram para um clube brasileiro e dois russos. Para os demais, tivemos dois rumo à Arábia Saudita, um para a Ucrânia, e os demais foram todos para clubes europeus das 5 principais ligas.

    Na negociação de atletas, o valor médio foi de € 20 milhões, com mediana de € 18 milhões. O valor de corte foi de € 10 milhões e o maior de € 47,5 milhões.

    Na negociação de atletas, clubes estão de olho nos mais jovens

    As informações nos ajudam a entender que aquilo que era uma tendência há 3 ou 4 anos, confirmou-se: os atletas saem mais jovens, e hoje é possível obter valores relevantes com eles. E isso acontece, pois, os clubes de maior poder aquisitivo buscam atletas para o longo prazo, e porque precisam de tempo no desenvolvimento.

    Já conversei com vários diretores esportivos e profissionais de clubes europeus, de pequenos a gigantes.

    Já participei de diversas conferências e eventos, e a realidade é que seguem vendo muito valor e qualidade nos atletas brasileiros. Mas precisam que cheguem cedo para corrigir problemas de formação, de aspectos básicos como passe, cruzamento e posicionamento, a aspectos mais complexos relacionados a entendimento tático.

    A qualidade da formação dos atletas

    É aí que precisamos aprofundar um debate que parece caminhar para o lado errado: a qualidade da nossa formação. “Agora copiamos os europeus e isso está piorando nossa formação”. Visão completamente limitada de um problema mais profundo.

    Primeiro, vamos lembrar Telê Santana. Há inúmeras matérias na imprensa e vídeos do treinador dizendo que era obrigado a treinar fundamentos em equipes profissionais, e até na Seleção, porque os profissionais mais qualificados tinham dificuldades, apesar de talentos enormes. Motivo? Falhas na base. O futebol era intuitivo, mas a base não formava de maneira inquestionável.

    Numa matéria do site Museu da Pelada há declarações de Carlos Alberto Torres, citando que precisava treinar os profissionais a fazer coisas básicas, como cabecear e dominar a bola com os dois pés. Profissionais, não garotos de 15 e 16 anos.

    Menos intuição

    É possível dizer que perdemos a intuição e passamos a ser mais “quadrados”? Pode ser, mas a todo tempo formados jovens atacantes de muito boa qualidade instintiva, como Vini Jr, Endrick, Estevão, Martinelli, Antony, David Neres, Richarlyson, Rodrygo, Vitor Roque, Luiz Henrique.

    A todo o momento aparece alguma “jóia” nas bases pelo Brasil. E, voz corrente quando chegam à Europa, geralmente precisam ser lapidados antes de serem protagonistas.

    As causas da má formação dos atletas

    Reclamamos também que nossa geração não é boa, que perdemos o jeito de formar atletas e copiamos os europeus. Análise míope que não considera aspectos do desenvolvimento humano no Brasil e no mundo. Sem entendê-los, seguiremos criticando o efeito sem entender as causas, que são elas:

    1. Falta de espaços e redução de interesse

    As cidades atualmente possuem menos espaços para a prática lúdica do futebol. Não há campos, não se joga nas ruas. É preciso sempre uma escolinha, um espaço “adequado”, e isso dificulta o jogo livre, o interesse dos jovens. Sem contar que encarece a prática do esporte. Deixamos de ter acesso ao atleta intuitivo em maior quantidade.

    Além disso, falamos muito que o esporte é entretenimento, que os fãs acompanham tudo em duas ou três telas, nas redes sociais, nos videogames. O dia só tem 24 horas e a atenção é disputada o tempo todo. É verdade, e jogar futebol passou a ser apenas uma possibilidade entre tantas outras, que dão menos trabalho, exigem menos esforço. Quantos jovens não deixamos de desenvolver porque eles nem se interessam por jogar futebol?

    Conversando com um ex-jogador da Seleção Brasileira, que fez carreira de treinador de futebol na África, ele comentou que em vários países não há alternativa para os jovens: escola de manhã e futebol à tarde, na terra. Simples, fácil de praticar, barato. No Brasil atual não é mais assim.

    Logo, diminuímos a oferta e passamos a olhar apenas para os que são naturalmente qualificados dentre os que se interessam pelo esporte. Diminuiu muito a disponibilidade.

    2. Movimentos migratórios europeus

    O Brasil historicamente se destaca por ser um país miscigenado. O futebol sempre foi praticado entre pessoas de diversas origens étnicas, misturando mais fortes, com mais rápidos, com grandes, pequenos, habilidosos, ricos e pobres.

    A Europa, há até uns 15 anos, era uma região de pouco miscigenação, exceto em países específicos, como a Holanda e de certa forma a França, ainda assim com limitações. A equipe francesa que iniciou a final da Copa de 98 tinha 3 atletas de origem africana, assim como a Holanda que disputou a semifinal contra o Brasil.

    Nos últimos anos aumentou consideravelmente a miscigenação, com a chegada de africanos, árabes, asiáticos. O futebol praticado hoje na base europeia passou a ter a mesma diversidade de características físicas e técnicas que havia no Brasil.

    Não estou ignorando os casos de cidadania forçada para os atletas, mas isso também ajuda a desenvolver a base de forma importante. Não há seleção europeia que não tenha alguém de origem no exterior. Acabou aquela conversa de bar dos anos 70 de “europeus de cintura dura”. Exceto para quem vive preso àquela época.

    Negociação de atletas será de jogadores cada vez mais jovens

    E isso tudo significa o que?

    Significa que seguiremos negociando jogadores cada vez mais jovens, que custarão cada vez mais caro, porque há uma disputa no topo da pirâmide pelo futuro do futebol, e teremos cada vez menos jogadores indo para as ligas de mais relevância, onde podem se desenvolver.

    Se não entendermos que a realidade da formação mudou, e preferirmos transferir a piora na qualidade para a falta de amor e carinho com os jovens – que já são tratados a pão de ló pelos clubes e agentes – no lugar de reformular nosso processo, aumentaremos a importação dos Memphis, Arrascaetas, Braithwaites para cobrir nossa falta de qualidade. Europeus, sulamericanos, e não brasileiros.

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