- Home
- Mercado financeiro
- Negócios
- Efeito borboleta: mudanças na Europa que podem movimentar o futebol brasileiro
Efeito borboleta: mudanças na Europa que podem movimentar o futebol brasileiro
A indústria do futebol vive uma fase de mudanças em diversas frentes e que não se tem a menor ideia de qual o destino. A maior parte – se não todas – vêm da Europa. E por qual motivo estão acontecendo essas mudanças no futebol europeu? A resposta aqui é um pouco óbvia: mercado maduro, clubes e ligas consolidados, população estável.
Aliás, como sempre digo, o fato de o Brasil, por exemplo, não ser pioneiro tem um lado ruim, que é o atraso, mas um bom, que é pagar mais barato pelas inovações, com as falhas já corrigidas. E é exatamente onde o futebol brasileiro está, mas insiste em não estar atento ao mundo e pronto a perder todas as oportunidades que aparecem com esas mudanças no futebol europeu.
Na semana passada, tivemos dois movimentos interessantes envolvendo o o esporte na Europa. E que certamente passaram batidos por muita gente da indústria no Brasil. E que somados a outros sinais, montam um cenário que demanda atenção.
Mudanças no futebol europeu: caso Diarra
Um exemplo dessas mudanças no futebol europeu foi o que aconteceu com o ex-jogador francês Lassana Diarra, que moveu uma ação contra a FIFA questionando algumas regras do sistema de transferência de atletas. Resumidamente, ele entrou com pedido de rescisão contratual contra seu então clube, o Lokomotiv Moscou. Isso porque o mesmo reduziu seus salários de forma unilateral.
O clube russo, então, exigia uma multa de € 20 milhões, que posteriormente foi reduzida para € 10,5 milhões pela câmara de disputas da FIFA. Enquanto não pagasse a multa, Diarra não poderia se transferir para outro clube. Afinal de contas, o regulamento da FIFA indica que o atleta e o clube para o qual se transferi, são solidários no pagamento de qualquer multa rescisória, e tanto o clube quanto a federação nacional podem se negar a fazer a transferência enquanto não for paga.
O caso foi para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que se posicionou indicando que, caso haja uma rescisão contratual sem justa causa por parte do atleta, o clube para o qual ele se transferir não pode ser solidário com qualquer multa.
E mais: o clube e a federação de origem não podem bloquear a transferência. Mesmo que a multa não tenha sido paga e seja discutida na justiça. O argumento, portanto, é que bloquear a transferência é contra as regras de livre circulação dentro da União Europeia (EU).
Ou seja, a decisão do TJUE, que vale para transferências internacionais entre países membros da UE, criou incertezas sobre um tema que é um dos pilares do futebol: a negociação dos direitos esportivos dos atletas.
Conclusões sobre esse caso de mundaças no futebol europeu
Desse modo, a decisão deixa no ar algumas dúvidas:
- Vale para todos os contratos ou apenas para aqueles em que a multa rescisória é “a definir”?
- Se vale para o atleta, vale também para o clube que quiser rescindir sem justa causa?
Ainda há incertezas sobre a decisão, que precisa ser validada pelo tribunal belga que solicitou o parecer ao TJUE. Se virar regra, então, fragiliza clubes menores e beneficia clubes ricos, que têm maior poder de barganha.
Portanto, essa possível mudança no futebol europeu acaba com uma espécie de “transferência de renda” entre os clubes maiores e menores, e tende a reduzir o estímulo à formação de atletas. Para os jogadores, há chance de clubes menores reduzirem as ofertas salariais e os prazos contratuais, aumentando a incerteza sobre a carreira. Sem contar a possibilidade de ser dispensado a qualquer momento.
O FIFPRO, que é uma espécie de sindicato de atletas profissionais, já indicou que quer fazer parte das conversas com a FIFA para tratar do tema de forma a criar mecanismos que protejam todas as partes, o que é positivo.
Mas independentemente disso, assim como a chamada Lei Bosman impactou o futebol no mundo todo, a decisão do caso Diarra pode trazer consequências para o futebol brasileiro, uma vez que impacta diretamente a FIFA e um regulamento global.
Mudanças no futebol europeu: caso Manchester City x Premier League
Outra situação que merece destaque, e que pode causar mudanças no futebol europeu, envolve o Manchester City e a Premir League.
O que houve, então, é que a Premier League tem em seu regulamento de sustentabilidade financeira um artigo que trata de transações com partes relacionadas (TPR). Neste artigo, que foi incluído no regulamento em 2021, tem como objetivo controlar o dinheiro que os acionistas injetam nos clubes a título de patrocínio.
A regra então indica que todo contrato de patrocínio entre clubes e empresas relacionadas – do mesmo grupo acionário – precisam ser avaliados por uma comissão da liga. Além disso, os valores devem estar de acordo com o praticado pelo mercado.
A inclusão do item veio quando o fundo árabe PIF comprou o Newcastle. E foi uma forma de evitar que derramassem muito dinheiro no clube, distorcendo a competitividade.
O Manchester City questionou o motivo da Premier League ter vetado dois contratos publicitários do clube com empresas de Abu Dhabi e do mesmo grupo econômico, avaliados sob as condições da regra do TPR.
A liga, então, não permitiu os contratos por considerar que os valores estavam além da prática de mercado. Mas a decisão veio carente de informações e justificativas técnicas. O que suscitou o processo na câmara de arbitragem.
A decisão foi favorável aos dois lados, por incrível que pareça. Pelo lado da Premier League, a câmara apontou que a regra é válida. O que lhe dá força para manter vetos. Ao mesmo tempo, considerou que houve falhas no processo, de acordo com a indicação do clube, que ainda obteve outra vitória: incluir os empréstimos que os acionistas fazem aos clubes sem cobrança de juros e encargos.
Clubes duplamente beneficiados
Aliás, são nove os clubes na liga inglesa que receberam empréstimos de seus acionistas a custo zero para financiar a atividade. E como o sistema de controle da sustentabilidade financeira da Premier League não inclui o monitoramento das dívidas, mas considera a despesa financeira, o fato de as dívidas entrarem a custo zero não gerava despesas financeiras.
O que, portanto, beneficia duplamente os clubes. Por exemplo, os times recebiam valores para liquidar contratações e não impactavam o controle financeiro. Na Premier League, os clubes podem ter até £ 105 milhões de prejuízos acumulados em 3 anos. Desde que os acionistas aportem capital de £ 90 milhões. Ou seja, o prejuízo foi menor porque não havia despesas financeiras sobre os empréstimos dos acionistas.
A validação de que é possível controlar os contratos e o dinheiro que os acionistas injetam nos clubes pode se alastrar pela Europa, cada vez mais preocupada em limitar excessos e problemas financeiros no futebol.
Para o Brasil, ainda um paraíso para quem faz e desfaz com as contas dos clubes, trata-se de mais um instrumento que pode vir a ser usado caso seja implantado um sistema de sustentabilidade financeira. Não vejo necessidade de proibir injeções de recursos, mas limitá-las é necessário.
A importância de estar atento
Esses dois movimentos de possíveis mudanças no futebol europeu, portanto, podem indicar reviravoltas e ações que impactarão o futebol brasileiro de alguma forma. E isso num futuro mais ou menos distante.
Foram pouco comentados pela imprensa e pelos meios que tratam o futebol além das 4 linhas. E deveriam também serem abordados por quem fala apenas sobre o jogo. Tudo que acontece fora do campo respinga dentro, e vice-versa.
Já ignoramos outros temas que impactam o negócio hoje: a estagnação do valor dos direitos de transmissão, a falácia da venda de direitos internacionais exorbitantes, a redução drástica na idade dos jogadores negociados.
De tempos em tempos, ao escrever as colunas, me vejo num eterno Dia da Marmota. O futebol segue sendo um negócio com potencial inexplorado. Se por ignorância ou interesse, só o tempo dirá.
Leia a seguir