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Futebol brasileiro: problemas complexos demandam mais que soluções simplistas
Três situações marcaram o futebol brasileiro nos últimos dias: a eliminação da Copa América pelo Uruguai nas quartas-de-final; uma entrevista do Marcelo Bielsa, treinador argentino do Uruguai; e a lembrança dos 10 anos do nada memorável 7×1 contra a Alemanha na Copa de 2014. Tudo se conecta.
Vamos lembrar que há 10 anos o pós-jogo daquele 8 de julho foi de indignação, e promessa de melhorias. Afinal, a desilusão com daquela partida precisaria servir de marco para mudanças profundas no futebol nacional, cujo impacto na Seleção Brasileira é óbvio.
10 anos do 7×1
Tão óbvio como ver que após esse período nada aconteceu. Passaram-se duas Copas do Mundo com eliminações nas quartas-de-final, uma derrota de Copa América em casa para a Argentina, mais uma eliminação na Copa América de 2024, um desempenho abaixo da crítica nas eliminatórios para a Copa de 2026.
Nesse ínterim, o futebol brasileiro de clubes apresentou evoluções aqui e acolá. O Flamengo e o Palmeiras se resolveram, alguns clubes regionais ganharam maior competitividade, clubes grandes e quebrados viraram SAF, outros grandes penam com dívidas.
Deixamos de vender atletas com 23 anos e passamos a negociá-los com 17 anos. Reforçamos nossa força na Libertadores da América, e confirmamos nosso papel de coadjuvantes no Mundial de Clubes, nos contentando com mentirosos jogos de igual para igual ou massacres de 3 minutos com o jogo já perdido.
O que falta ao futebol brasileiro
Sabe por qu nada mudou? Porque o problema no futebol brasileiro é complexo. Requer reestruturação, mudança completa de paradigmas, esforço, trabalho, profissionalismo e capacidade de execução.
Mas ao longo desses 10 anos, o que surgiram foram soluções simplistas para esses problemas complexos, tudo baseado em análises rasas, porque sabe-se menos de futebol do que se imagina.
Soluções simplistas
Soluções simplistas como a declaração de Bielsa, que questiona a realidade do futebol sulamericano, dizendo que em 1992 os craques atuavam por aqui por mais tempo antes de irem para a Europa.
É verdade, mas não porque éramos melhores, e sim porque as regras europeias limitavam contratações. Só em 1995 a chamada Lei Bosman mudou o mercado, cujo efeito colateral foi aumentar a possibilidades de sulamericanos jogarem na Europa. A partir daí, tudo é história.
História que precisa ser contada até os dias de hoje, pois os jogadores saem porque querem, não porque são obrigados. A renda no Brasil é muito menor que na Europa, porque a qualidade de vida e as possibilidades financeiras são diferentes.
Além disso, os centros de treinamentos e os campos são melhores, porque o calendário ainda permite maior qualidade esportiva aos atletas.
E porque os clubes precisam vender atletas para ajudar na composição de suas receitas.
Formação falha
Atletas que vão cada vez mais jovens para a Europa porque os clubes do velho continente detectaram que a formação no Brasil – e na América do Sul de forma geral – é falha, e precisam deles mais cedo para finalizar a formação.
E também porque pagam caro e querem ter a possibilidade de mantê-los mais tempo no elenco, ou negociá-los com algum valor de mercado.
Treinadores estrangeiros no futebol brasileiro
Falando em formação, cada vez mais o futebol brasileiro é tomado por treinadores estrangeiros, porque os brasileiros não conseguem se renovar com qualidade.
Ou entraram no momento de estagnação, ou não entregam desempenho satisfatório. E tudo analisado por dirigentes que não têm a menor ideia de como analisar um treinador, pulando as fases naturais da “Ideia de jogo > Processo de treino > Performance em campo > Resultado” para ficar apenas com o resultado.
Não sabem o que querem como ideia, não sabem avaliar se o treinamento é adequado, se o que se pratica em campo está em linha com o que foi treinado. Olham apenas o resultado. Se alguma coisa falhou no meio do processo, é natural que o resultado tenha mais dificuldade em vir. Logo, a análise será sempre incompleta.
Tudo isso disputado num calendário sem sentido, caótico, atropelado, sob clima difícil, percorrendo distâncias continentais, com gramados ruins, árbitros que não contribuem para jogos melhores.
Soluções fáceis, problemas complexos
Mas a solução para a Seleção Brasileira é convocar A ou B, voltar a ter jogadores que atuam no Brasil para “trazer o torcedor para perto”. Porque sempre que não se alcança o resultado, a culpa é da europeização do jogador brasileiro.
Soluções fáceis para problemas complexos.
Além de tudo o que citei acima, quando analisamos o futebol mundial de maneira mais cuidadosa, é possível diagnosticar mudanças estruturais em outros países, estruturais e conjunturais.
Estruturalmente, os países europeus passaram a se preparar melhor, a formar melhor, com metodologia que permitem desenvolver atletas “nota 7”. Assim, melhoraram a qualidade geral dos jogos.
Enquanto no Brasil insistimos em analisar apenas o talento “nota 9 ou 10”, e deixando a formação incompleta.
Qual é a solução para o futebol brasileiro?
A solução passa por uma mudança estrutural na formação no Brasil, iniciando pela metodologia, e chegando às limitações geográficas de acesso aos atletas de base, incentivo ao desenvolvimento dos clubes de formação, que precisam ter respaldo legal para garantirem que seu investimento seja recuperado.
As categorias de base são deficitárias. Grosseiramente, perto de 5% de cada safra de atletas chega aos ambientes profissionais de alto nível.
Na Europa há muitos clubes de grande porte que operam apenas a partir do Sub-17, deixando a formação inicial para clubes menores. Fica claro que precisamos repensar de forma estrutural o tema.
No auxílio à formação e ao desenvolvimento, os países europeus hoje são mais miscigenados que no passado. As seleções que disputaram a Euro 2024 tinham atletas de origem africana, latino-americana, árabes. As fronteiras já foram derrubadas há anos, e o efeito no futebol se observa agora. Isto permite maior diversidade na formação, acesso a formas diferentes de atuação, característica que era tipicamente brasileira, um país de todas as etnias.
Não é apenas uma questão de naturalizar atletas, mas eles vivem e se formaram na Holanda, Inglaterra, Suíça, França. E muitos ainda optam por jogar nas suas terras originais. Aumenta também a possibilidade de países africanos terem seleções mais fortes.
Qualidade dos atletas
Logo, não é uma questão de termos menos talentos, mas sim de que os demais países hoje já estão mais próximos em termos de quantidade e qualidade de bons atletas.
Nos parágrafos acima listamos uma série de movimentos que ajudam a explicar o momento do futebol brasileiro.
Se quisermos evoluir precisaremos atacar todos os temas de maneira organizada, o que demandará capacidade de organização, execução, inteligência e estratégia.
Não adianta chegar com soluções simples que cabem apenas na mesa de um bar. O que mais precisa acontecer para entendermos isso?
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