A eterna dança das cadeiras dos treinadores no futebol brasileiro

Não adianta trocar de treinador e contratarmos 10 reforços, se quem faz as escolhas não entende do assunto

Faltam dois meses para o final da temporada 2023 do futebol brasileiro. Cerca de 60 dias, e já finalizamos a Copa do Brasil, estamos nas semifinais da Copa Libertadores (com 3 brasileiros entre os semifinalistas), da Copa Sulamericana (com uma das semifinais jogadas por brasileiros). Mas ainda temos 14 rodadas a serem disputadas até o final do Brasileirão da Série A. E vamos aproveitar para falar da dança das cadeiras dos treinadores no futebol brasileiro.

Pense num ano típico no mundo corporativo. Neste momento estamos naquela fase final de cumprimento de metas, quando alguns já estão tranquilos e acima do orçamento. Já outros correm para atingir o objetivo tardiamente. Afinal, faltam 2 meses para encerrar o ano.

Entretanto, estamos falando de futebol. Há quem diga, sem entender como a roda gira, que o futebol é “um grande RH”, apenas pelo fato de tratar com pessoas. Quem diz isso certamente não entende absolutamente da dinâmica do negócio.

E tratando justamente dessa dinâmica que chego ao tema da coluna, que é a troca de treinadores no meio da temporada. Nesta semana vimos os dois clubes mais populares do país demitirem seus treinadores (Luxemburgo no Corinthians e Sampaoli no Flamengo), de certa forma em função de resultados ruins dentro de campo.

Diferente de uma indústria tradicional, onde metas de produção, vendas, receitas e custos são relativamente mais fáceis de serem mensuradas, no futebol o que acaba ficando latente é apenas o resultado em campo. Jogou mal e venceu? Está ok. Jogou bem e só perde? Não serve. Faltam critérios mais claros para chegarmos em avaliações mais precisas. E avaliações mais precisas costumam reduzir danos de todos os tipos.

Agora, este é um processo que começa bem antes da avaliação do desempenho do treinador de futebol, e é onde justamente dorme o inimigo: na gestão dos clubes.

Como funciona o DNA Esportivo

O treinador é uma peça dentro de uma engrenagem que se chama DNA Esportivo. Qual o perfil de jogo que os gestores, torcedores e stakeholders envolvidos esperam ver em campo? Tudo nasce da resposta a esta pergunta.

A partir dela, a estrutura operacional de gestão esportiva vai a campo colher informações para montar uma estrutura de gestão técnica que seja capaz de desenvolver o jogo esperado. Com isso, forma-se o elenco compatível com o DNA Esportivo e o treinador de futebol.

Parece óbvio, e é óbvio. Porém a aplicação depende de pessoas que nem sempre têm a condição de entender esses conceitos. Também não têm a paciência de ver o desenvolvimento acontecer, seja porque são pressionados pelos resultados, seja porque são incapazes de avaliar onde estão eventuais falhas a serem corrigidas, e onde estão as virtudes a serem ressaltadas.

Esta não é uma regra apenas no Brasil. O CIES Football Observatory fez um levantamento sobre o comportamento de clubes em relação à substituições de treinadores de futebol na temporada 2022/23 em diversas ligas pelo mundo. Abaixo, você tem um resumo com ligas de maior relevância:

Por que trocar de treinador?

Note que há diferenças entre os países, e precisamos avaliá-las. Começamos pela Inglaterra e a cultuada Premier League. Dessa forma, mais da metade dos clubes trocou de treinador na temporada passada, numa média de substituição a cada 17 partidas. Motivo? Dinheiro.

A competição leva os 4 primeiros clubes para a Champions League. Isso que garante uma receita adicional de mais de € 100 milhões se considerarmos premiações e bilheteria. Dinheiro fundamental para manutenção de elencos caros.

Ao mesmo tempo, clubes lutam pela permanência na competição, o que garante pelo menos €110 milhões contra cerca de € 30 milhões quando caem para a segunda divisão. Ambos valores são relativos às receitas com direitos de transmissão.

Futebol não é ciência exata

Então, você pode perguntar: “Mas isso não mostra falta de gestão? Onde entra a organização que você comentou?”. Pois é. Futebol não é uma ciência exata. Logo, fazer do jeito certo ajuda a minimizar erros. Por outro lado, nunca há risco zero.

Por exemplo: o Chelsea trocou o treinador e contratou Potter, que vinha de grande trabalho no Brighton. Assim, não deu certo, enquanto o Brighton buscou De Zerbi e manteve o bom trabalho. Ambos os clubes com expectativas e paciências diferentes.

Como é na Itália

Na Itália vemos trocas bem menos recorrentes. Apenas 1/3 dos clubes da Serie A trocou de treinador, e basicamente os que estavam na luta contra o rebaixamento, num movimento de desespero. E as decisões de troca ocorrem de forma mais rápida, a cada 14 jogos em média.

Motivo? Dessa maneira, a escolha é feita de forma mais consciente, pois na Itália existe um conceito mais sólido em relação ao DNA Esportivo e aos conceitos de formação de elenco e escolha de treinadores. Logo, o erro parece ser notado mais rapidamente.

Espanha com clubes resilientes

Todavia, na Espanha os clubes são mais resilientes e relutantes em relação às trocas de treinadores. Portanto, metade dos clubes trocou de treinador, mas eles levaram mais tempo para tomarem essa decisão.

Logo, há menos aleatoriedade e mais paciência, até porque as expectativas são mais óbvias: as 3 primeiras posições devem ficar com o trio de poderosos Atlético, Barcelona e Real Madrid, resultando em maior paciência com relação aos treinadores.

Clubes brasileiros trocam de treinador a cada 4 meses

Dessa forma, no Brasil, o estudo mais recente da CIES é sobre 2022, e mostrava que na Série A trocamos treinadores a cada 4 meses. Contudo, na temporada 2023 apenas 5 clubes não trocaram treinadores até o momento (Palmeiras, Fluminense, Red Bull Bragantino, Grêmio e Fortaleza), e o Botafogo trocou porque o treinador optou pela saída.

A realidade é que treinadores de futebol são pelas intermediárias da engrenagem. Assim, o grande trunfo de uma boa gestão esportiva está na estrutura, encabelada por um Diretor Esportivo capacitado.

Além do mais, isso não é parte do processo político do cube – esqueça o famoso “VP de Futebol”, que é apenas um curioso que sabe pouco do assunto – e que precisa ter liberdade de atuação a partir de orientações e políticas do clube, lastreadas no DNA Esportivo que querem implementar.

Então, tudo abaixo disso é consequência: treinador adequado, elenco compatível, medição de desempenho além dos resultados da quarta e domingo, mas capacidade de entender se o que se propõe está sendo aplicado.

Por que há trocas aleatórias de treinadores?

Aliás, requer capacidade técnica, e isso explica o motivo de termos tantas trocas aleatórias de treinadores no Brasil, que atuam com elencos completamente desequilibrados.

Portanto, temos que ser honestos nessa conversa: o futebol brasileiro opera de forma desestruturada em quase todos os níveis, a começar por dentro de campo.

Logo, não adianta nada trocarmos de treinador, e contratarmos 10 reforços, se quem faz as escolhas não entende do assunto. Afinal, ninguém está perdido quando não sabe para onde vai.