Corinthians e São Paulo: os desafios após as eleições

É preciso estar atento aos riscos que as conquistas escondem, como o aumento das dívidas

Torcida do São Paulo: Foto: Saopaulofc.net
Torcida do São Paulo: Foto: Saopaulofc.net

Minha coluna da semana passada trouxe uma atualização das projeções de desempenho no Brasileirão 2023, que tinha como premissa original analisar o potencial desempenho dos clubes na competição a partir da combinação entre receitas e gestão. Hoje, o foco serão os desafios de Corinthians e São Paulo após as eleições.

Se é natural vermos Flamengo e Palmeiras sempre no topo de qualquer estimativa de bom desempenho, em função do tamanho das receitas e gestão esportiva eficiente (Palmeiras), deveria causar estranheza não considerar que Corinthians e São Paulo fizessem parte do grupo de clubes candidatos ao título nacional. Infelizmente, não causa.

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Apesar do tamanho das receitas que ambos são capazes de gerar, acima dos R$ 600 milhões no caso do clube do Morumbi, e beirando o bilhão no clube de Parque São Jorge, esses valores acabam ofuscados. Isso pela gestão esportiva ruim e consumido pela necessidade de servir dívidas cada vez maiores.

Os problemas por traz de um título

Os são-paulinos dirão que o ano de 2023 foi positivo, dado o inédito título da Copa do Brasil.

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É verdade, ainda mais batendo Palmeiras, Corinthians e Flamengo na sequência.

Entretanto, como sempre comento, copas são competições que dão mais margem de sucesso para o acaso, para a superconcentração, e para um ajuste momentâneo.

E conquistá-las, por vezes, ocultam problemas.

Nesse final de ano, tanto Corinthians como São Paulo passaram ou passarão por eleições. Então, vamos tentar indicar os desafios que os dirigentes enfrentarão em seus próximos mandatos.

No caso corintiano temos uma nova gestão, enquanto no São Paulo ainda ligado ao passado, teremos a sequência da situação, amparada no título da Copa do Brasil. Vamos à análise de cada um deles:

Corinthians

O desafio do Corinthians é enorme, tanto dentro como fora de campo. Essa visão conjunta é fundamental para entender as dificuldades, e trabalhar as soluções, que estão longe de serem fáceis.

Começando com a parte fora de campo, os números mais recentes, de agosto mostram um clube que deve chegar perto de R$ 1 bilhão de receitas ao final de 2023, sendo que perto de R$ 240 milhões vêm da negociação de direitos de atletas. Veja as tabelas abaixo:

Quando analisamos as receitas sob a ótica da recorrência, sem negociação de atletas, o número está mais para R$ 750 milhões, o que é uma receita relevante, possivelmente atrás apenas de Flamengo e bem próximo do Palmeiras. Dá para fazer muita coisa com esse dinheiro. E vamos ao que foi feito até agosto.

O clube está com custo estimado mensal de folha de pagamento da ordem de R$ 37 milhões mensais, acima do orçado. E exceto no tema das despesas com os jogos, todas as demais aumentaram no ano, substancialmente acima do crescimento das receitas recorrentes, que ficaram praticamente estáveis. Logo, qualquer ideia de que há um esforço de contenção de custos cai por terra a partir dos dados até agosto.

O resultado operacional caixa até agosto, considerando apenas as receitas recorrentes, foi negativo em R$ 15,8 milhões, e torna-se positivo em R$ 160,1 milhões pela venda de atletas.

Se olharmos as dívidas, a situação segue complicada. Os números de agosto indicam dívida líquida de R$ 1,19 bi, composta da seguinte forma:

As dívidas do Corinthians

Conceitualmente, trato as dívidas sem o valor do contas a receber, pois nem sempre os clubes pagam em dia, e muitas vezes há antecipação de valores.

Então, o valor efetivo costuma ser menor que o registrado. Além disso, se tivermos que comprar com as receitas totais, não podemos utilizar a negociação de atletas na receita e também abatendo as dívidas, pois há dupla contagem positiva. Clubes costumam fazer isso. No caso do Corinthians, a relação Dívida/Receita Total é de 1,32x e 0,71x se considerarmos apenas as dívidas de curto prazo. Acima do ideal nas duas medidas.

Nem estamos considerando a questão do estádio, que pode ou não ser resolvida, pode ou não drenar mais caixa do clube, reduzir receitas, etc e tal. A informação pré-eleição e sigilosa pode ser ótima para o clube e resolver um problema adicional, ou não acontecer nada. Precisamos aguardar.

Receitas X salários

Resumindo, o cenário é: receitas recorrentes estáveis, crescendo com negociação de atletas, que precisam ganhar recorrência; custos em alta, e uma folha bastante cara para o desempenho esportivo recente; dívida elevada, que custa caro, e consome parte relevante da geração de caixa. Se não consome, aumenta.

O desafio na nova gestão é, efetivamente, buscar eficiência na gestão de forma a fazer mais, com menos. É trabalhar com elenco mais enxuto e qualificado, considerando a capacidade de geração de receitas, e ter um plano real para reduzir as dívidas. Se não cedem, consomem o clube. Trabalhar com a ideia de que a relação dívida/receitas está em queda é bacana, mas quando isso acontece apenas por conta do aumento de receitas não recorrentes, é frágil.

Outro cuidado é com as verdades absolutas, como “o clube não pode perder a competitividade”.

Sério? Qual a competitividade recente? Um vice-campeonato da Copa do Brasil? Ainda assim com custos elevados. Qual o impacto efetivo do título nas finanças? Zero.

As dívidas seguem crescendo. Competitividade não é contratar atletas e treinadores caros, mas profissionais qualificados, dentro do DNA e da ideia de jogo, mais enxuto, investindo em scouting e ouvindo os analistas de desempenho. É fundamental criar processos.

Certeza de que dará certo? Não. Estamos falando de futebol, e os erros acontecerão. Mas é uma forma de minimizá-los. O dinheiro é curto e as necessidades infinitas.

São Paulo

Além do Corinthians, isso tudo vale também para o São Paulo. Agora, diferentemente do Corinthians, não há transparência e dados referentes ao ano de 2023. Há, sim, muita propaganda, de que o custo é baixo, de que isso e aquilo. Mas a realidade ninguém conhece. E não é para mim, mas para o torcedor.

Aliás, torcedor que está feliz com a conquista da Copa do Brasil, o que acomodou o desconforto com mais uma campanha de time médio no Brasileirão. O São Paulo tem receita e estrutura para ocupar as melhores posições no principal campeonato do país. Falta-lhe o mesmo que apontei no Corinthians: gestão fora de campo.

O desafio do novo mandato da situação no clube é trabalhar a transparência, mostrando a realidade do clube para quem paga a conta, que são os torcedores. Conquistas de copas são ótimas. A Copa do Brasil era um sonho e um desejo são-paulino, faz bem para o início de um período de reconstrução.

Mas é preciso estar atento aos riscos que as conquistas escondem, como o aumento das dívidas, que em algum momento farão um grande estrago ao clube.

Trabalhar um plano de reestruturação financeira, de ganho de credibilidade que possa permitir ao clube aumentar ainda mais as receitas e alongar passivos de forma a ganhar fôlego no fluxo de caixa.

Mercado em movimento

O mercado está se movimentando. Palmeiras e Flamengo são realidades.

Red Bull Bragantino deu mais um passo.

O Galo com a SAF pode ganhar ainda mais robustez.

Corinthians e São Paulo têm a oportunidade de fazer a mudança necessária, seja porque chega uma nova direção, seja porque a conquista que faltava foi alcançada.

Que os clubes iniciem 2024 de olho no futuro.

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