Calendário futebol brasileiro precisa evoluir para fugir do acaso

Deveríamos remodelar toda a estrutura do futebol nacional, com a transformação na Série D numa competição estável e regionalizada

Na última semana vimos o treinador Abel Ferreira, do Palmeiras, reclamar do calendário brasileiro. Em outra entrevista, o atual treinado do Lille, o também português Paulo Fonseca, disse que já foi sondado por Corinthians e Flamengo, e que recusou as propostas por conta do calendário do futebol brasileiro.

Não vou ficar aqui defendendo treinador em função da cor do seu passaporte. O profissional em qualquer atividade, precisa apenas ser capacitado, e isso independe do local de nascimento. O tema aqui é outro: precisamos pensar uma mudança no calendário do futebol.

Os defensores do caos dirão que o Brasileiro das Séries A e B de 2023 são os mais disputados e imprevisíveis da história. É verdade. Imprevisíveis e aleatórios, frutos do acaso e não do planejamento. Até porque, nunca foi assim, o que mostra a aleatoriedade.

O peso dos campeonatos estaduais

A mudança necessária, que é a reorganização do calendário do futebol brasileiro, tem nome e sobrenome: campeonatos estaduais e Copa do Brasil.

Se eles foram importantes num período em que as comunicações e acessos confinavam as pessoas em suas cidades e Estados, hoje não funciona mais assim.

Se falamos num mundo global, temos que pensar num país global. Não existe mais distância que impossibilite um morador do Ceará ser torcedor do Grêmio e um gaúcho torcer pelo Fortaleza.

Os estaduais seguem em 2023 o conceito os anos de 1950, 1960, 1970, quando a competição era local. Servem, atualmente, para dar uma chance de título a clubes que não conseguem competir em escala nacional. E isso em alguns poucos estados, pois na maior parte das localidades o torcedor e os clubes sabem que não serão campeões brasileiros, e podem, no máximo, brigar por uma copa.

Como funciona o calendário do futebol brasileiro

Assim, em termos de calendário do futebol brasileiro, estamos falando entre 12 e 16 datas, que obrigam os clubes a encurtarem o período de preparação para menos de 1 mês. Competições que encavalam com o início da Copa Libertadores e da Copa do Brasil.

A CBF agora fala em reduzir os estaduais de 16 para 12 datas. Para a maioria dos clubes já são 12 datas. Ou seja, é uma “expectativa de mudança” inócua.

Logo, o problema está justamente em ter que disputar os campeonatos estaduais com suas forças máximas, quando deveriam incentivar que os clubes grandes utilizassem equipes Bs, para desenvolver a formação.

Ainda mais agora que resolveram dar peso para as competições, que servem de classificatórias para a Copa do Brasil. Aliás, outra competição que precisa ser revista, seja pela melhor distribuição da premiação, oferecendo mais para a base da pirâmide e menos para os finalistas, seja pela entrada mais tardia das equipes da Série A.

Estaduais e Copa do Brasil são competições políticas, quando deveriam ser competições de entrada, para trabalharem a formação – no caso dos Estaduais – e que permitissem melhor distribuição de recursos aos clubes, no caso da Copa do Brasil.

O que fazer?

Deveríamos remodelar toda a estrutura do futebol nacional, com a transformação na Série D numa competição estável e regionalizada, deixando que os estaduais se transformem em entrada para uma Série E móvel – com clube que venham classificados dos Estaduais – e que tenhamos um calendário mais bem estruturado.

A grande verdade é que esta transformação não interessa à base da pirâmide.

Então, o alongamento do calendário do futebol brasileiro obrigaria os clubes menores a se profissionalizarem de fato, pois deveria vir associado a um caderno de licenciamento duro.

Ainda que trouxesse a tiracolo um modelo de sustentabilidade financeira que separasse profissionais de amadores, que permitisse que equipes fossem semiprofissionais, que desse mais suporte aos clubes menores e formadores, dando-lhes salvaguardas em relação aos atletas que desenvolvem em suas categorias de base.

Entidades, clubes, donos (formais e informais) de clubes, agentes e empresários de atletas, imprensa, e mesmo os atletas e treinadores.

Todo deveriam trabalhar e pensar no tema, mas cada um tem um interesse, e todo tentam apenas protegê-los.

Não é à toa que não conseguimos nos organizar numa liga de clubes ente os grandes, algo que é básico e ocorre nos mercados desenvolvidos há anos. Imagine se conseguiremos arrumar toda a estrutura!

Haverá quem desdenhe dos comentários dos treinadores portugueses. Abel conquistou muito o Brasil, mesmo com as dificuldades estruturais.

“Fala de boca (e sala de troféus) cheia”, dirão. “Quem é Paulo Fonseca?”, perguntarão outros. Mas eles seguirão suas carreiras, com mais ou menos títulos, e nós seguiremos privando o futebol brasileiro de evoluir. Farinha pouca, meu pirão primeiro.