- Home
- Mercado financeiro
- Negócios
- Febre das apostas segue alta – e o paracetamol ainda não fez efeito
Febre das apostas segue alta – e o paracetamol ainda não fez efeito
As apostas online viraram uma febre incontrolável no Brasil. Segundo um levantamento da empresa Comscore, o país foi o 2º maior em termos de usuários únicos de apostas online em 2023, com 43 milhões de pessoas, atrás apenas de EUA (66 milhões) e já acima do Reino Unido (28 milhões).
Impacto das apostas online no varejo e no setor bancário
Há muita gente preocupada com os impactos que os gastos em apostas online trazem à economia. Primeiro foram os varejistas, que disseram perder vendas porque as pessoas deixavam de trocar o tênis velho e o fogão quebrado por apostas.
Depois, os bancos, que perceberam sinais de atrasos e piora na qualidade de crédito dos clientes, indicando risco futuro de aumento da inadimplência.
Um histórico as apostas online
Em 2018 as apostas por cotas fixas foram legalizadas no Brasil.
Apenas em dezembro de 2023 elas foram regulamentadas, através de uma lei que definiu diretrizes, mas deixou um prazo para que as portarias com as regras efetivas de controle fossem criadas.
Ao longo de 2024, as portarias e os prazos para que as bets se formalizem no mercado brasileiro foram publicadas. Em agosto de 2024 venceu o prazo de aplicação para o registro nacional, e 118 empresas aderiram.
Foram 5 anos entre a aprovação e a regulamentação, mais cerca de 1 ano até termos algum tipo de visibilidade sobre a realidade desse mercado. Apenas em janeiro de 2025 teremos controles formais dos montantes movimentados. Estamos, portanto, praticamente 6 anos num completo e absoluto limbo.
2023 foi o primeiro ano que conseguimos ter alguma ideia de movimentação de recursos em apostas, quando o Banco Central publicou movimentos de entradas e saídas de recursos relacionados a apostas. A partir dali, praticamente todas as semanas saíram relatórios tentando mensurar o tamanho desse mercado e os impactos efetivos na economia.
Aposta com cota fixa
Há quem diga que estão todos errados, o que pode ser real.
Mas ninguém, nem governo, nem casas de apostas se dignaram a fazer uma apresentação pública explicando para a população como funciona uma aposta de cota fixa.
Quanto da aposta volta em prêmios? Quanto fica para a casa? Qual a base de incidência de impostos? O que o Banco Central considera na movimentação apresentada no Balanço de Pagamentos? Assim ganharíamos instrumentos para que todos avaliassem o real tamanho do mercado.
O mundo está girando, e não dá para ficar sentando esperando janeiro chegar para termos uma ideia dos impactos.
Famosos e as apostas online
Enquanto isso, o que vimos recentemente foi o envolvimento de duas dessas casas em ações policiais, com gente famosa – confesso, feliz, que não tinha a menor ideia de quem são os famosos envolvidos – o que mostra que ainda há muito risco nessa movimentação de dinheiro.
Aliás, siga o dinheiro e as investigações, e depois avaliamos o tema. Mas, o fato é que as casas de apostas chegaram às páginas policiais.
Casas que dominam a publicidade no Brasil. Diretamente no futebol, onde cada clube tem uma bet para chamar de sua, passando por todo tipo de programação online, influenciadores, competições e tudo mais possível, não há momento em que não sejamos impactos por marcas de casas de apostas.
Logo abaixo vou fazer algumas estimativas gerais, mas antecipo que o setor deve despejar algo mais de R$ 3 bilhões em publicidade a patrocínios no país.
Só no futebol devem ser acima de R$ 1,4 bilhão. Um dinheiro grande que financia muitas atividades que não seriam sustentáveis sem ele.
Pesquisadores já estudam as casas de apostas online
Para se ter ima ideia de impactos financeiros, duas equipes de pesquisadores americanos avaliaram impactos financeiros das apostas online no país.
Brett Hollenbeck, Poet Larsen, and Davide Proserpio, pesquisados da UCLA e da USC avaliaram o impacto financeiro das apostas online na vida de 7 milhões de americanos. Observou-se aumento de 8% no atraso de pagamentos gerais.
Scott Baker, Justin Balthrop, Mark Johnson, Jason Kotter, and Kevin Pisciotta da Brigham University e da Kansas University, avaliou 230 mil famílias, e apontou que elas retiraram dinheiro de outras atividades não relacionadas a jogos para passar a alocá-los em apostas online.
Segundo os cálculos, para cada US$ 1 de aposta online, US$ 2 saíram do mercado acionário, indicando que parte do dinheiro ia para o jogo, e parte para cobrir outras necessidades que ficaram para trás por conta das apostas.
Receitas milionárias
Longe de mim querer competir com áreas econômicas de grandes instituições. Mas para não dizer que não falei das flores, vamos tentar brincar com alguns números aqui.
Nesta semana, a Flutter Entertainment, uma das empresas globais de apostas que possui capital aberto, informou que comprou 56% do NSX Group, empresa brasileira que opera a marca BetNacional, uma das maiores do mercado local. Como aberta, a Flutter indicou alguns dados sobre a compradora, e vamos então fazer alguns malabarismos com eles.
Segundo a Flutter, a NSX teve receita de US$ 256 milhões em 2023 (R$ 1,3 bi convertidos a R$ 5,22), com cerca de 12% de market-share, sendo a 4ª maior do mercado.
De onde vem a receita das bets
Retomando a explicação que eu fiz numa coluna de alguns meses atrás, a receita da casa de aposta não é o valor da aposta, mas o resultado entre os valores apostados, menos os valores pagos, os bônus e os impostos diretos.
Ou seja, o valor apostado nas bets é significativamente maior. Partindo da ideia de que as apostas precisam retornar 85% do valor que entrou, e deduzindo impostos, podemos dizer que as receitas da NSX devem ser da ordem de 10% das apostas, apenas como premissa.
Portanto, para ter R$ 1,3 bilhão em receitas, a NSX movimentou R$ 15,1 bilhões. Se ela tem 12% de market-share, voilá!, o mercado de apostas no Brasil é de R$ 78,6 bilhões!
Efeito multiplicador
Significa que os brasileiros gastaram R$ 78,6 bilhões em apostas em 2023? Não! Existe um efeito multiplicador no número. Lembre-se que 85% do valor apostado volta como prêmio, e depois vira aposta novamente. Vamos simular:
- O apostador envia R$ 100 para sua conta na casa de apostas;
- Ele aposta R$ 50 numa partida. E ganha 1,25 vezes o valor, ou seja, ganhou R$ 12,50 e recebeu de volta os R$ 50 apostados. Ele tem agora um saldo de R$ 112,50;
- Na sequência ele apostou mais R$ 50 e ganhou R$ 1,05 (era barbada). E recebeu de volta R$ 52,50 e o saldo é de R$ 115,00;
- Agora ele aposta R$ 15 e perde. O saldo é de R$ 100.
Ao longo desse período ele movimentou R$ 115 em apostas, mas enviou R$ 100 para sua conta na casa de apostas. E a receita da casa de aposta é de R$ 115 deste indivíduo, mais R$ 50 de outro, e R$ 70 de outro, e do total ela fica com 10% (grosso modo).
Por isso não é tão simples fechar as contas, e entender que o total de apostas não é necessariamente “um único dinheiro”, mas “um mesmo dinheiro que muitas vezes vai e volta”.
Os perdedores das apostas online
E, claro, para ter um ganhador, há perdedores, e aí é que está o problema.
Se nosso apostador tivesse perdido R$ 100 na primeira aposta, ele provavelmente teria enviado outros R$ 100 para sua conta na casa de apostas online, para tentar recuperar a perda, e isso vira uma bola de neve e gera os problemas financeiros e de saúde.
Contas certas
Estou defendendo as casas de apostas online? Não. Só quero que façamos os cálculos corretos, para termos exatamente a medida do impacto. Daqueles supostos R$ 78,6 bilhões em apostas de 2023, não dá para saber se o montante que saiu da economia foi maior ou menor.
Porque muitos apostadores colocaram dinheiro e não apostaram, e outros tantos ganharam, receberam, e não apostaram mais. Teoricamente, do valor apostado indicado acima, algo como R$ 60 bilhões retornaram aos apostadores que acertaram os prognósticos. Quanto disso voltou para a economia ou ficou parado na casa, não dá par saber.
E agora? O que vai acontecer com as casas de apostas online?
A porteira segue aberta. Adoramos deixar as coisas saírem de controle para depois regulá-las. Aparentemente as portarias que regulam o mercado têm chance de criar um ambiente menos largado, porque foi pensada por profissionais qualificados.
Ainda sinto falta de um debate mais profundo sobre efeitos na saúde e nas finanças, sem contar o impacto na atenção das pessoas.
Dizia minha avó: melhor prevenir do que remediar.
Leia a seguir