R$ 14,8 bi por dia em junho: Ibovespa tem menor giro financeiro em 54 meses

Marca negativa se explica pelo baixo interesse de investidores globais por mercados emergentes e a crise da indústria de fundos locais, em meio a incertezas macroeconômicas domésticas e externas

O baixo interesse de investidores globais por mercados emergentes e a crise da indústria de fundos locais, em meio a incertezas macroeconômicas domésticas e externas, têm limitado o volume de negócios na bolsa. Não por acaso, o Ibovespa registrou em junho seu menor giro financeiro médio desde dezembro de 2019, ou seja, o pior patamar em 54 meses.

De acordo com dados da B3 compilados pelo Valor Data, o índice movimentou, em média, R$ 14,8 bilhões por dia em junho, contra R$ 14,1 bilhões no último mês de 2019. Os valores correspondem a pouco mais da metade dos R$ 27,8 bilhões registrados em fevereiro de 2021, mês com maior giro na janela.

Desde esse pico, os juros subiram no Brasil e, depois, nos Estados Unidos, o que minou parte da atratividade da bolsa. Investidores até esperavam cortes importantes nas taxas este ano, o que chegou a animar o mercado no fim do ano passado, mas a expectativa não se materializou e a convicção voltou para patamar deprimido. Enquanto isso, no cenário local, o aumento de ruídos sobre os rumos da economia brasileira também pesou.

“Começamos o ano com perspectiva de cortes de juros no exterior e de prolongamento do ciclo local. Agora, não há mais nada disso no radar. Se o cenário voltar a mudar lá fora, é possível retomar algum otimismo. A história local, pelo que temos visto, parece mais difícil de mudar no curto prazo”, diz Tiago Cunha, gestor de renda variável da Ace Capital.

O executivo nota ainda que fundos dedicados a emergentes têm sofrido com resgates — houve saídas de US$ 8,1 bilhões até junho, segundo a EPFR —, e que o Brasil diminuiu de tamanho dentro da classe. “Ademais, mercados emergentes traziam teses de crescimento para as carteiras globais, já que as empresas de países desenvolvidos estavam consolidadas e cresciam menos. Agora, há empresas de tecnologia nos EUA que entregam isso, é uma mudança estrutural.”

Thalles Franco, sócio e gestor da RPS Capital, concorda que o investidor estrangeiro não tem incentivo para investir na bolsa local por ora, já que possui a segurança do juro americano e a performance das bolsas de lá. Mas também vê empecilhos para que investidores locais retornem, já que a pessoa física tem produtos incentivados e isentos para investir; e o institucional segue sofrendo com resgates.

Até o fim de maio, de acordo com dados da Anbima, os fundos multimercados acumulavam R$ 54,1 bilhões em saques em 2024, e os de ações, R$ 4,2 bilhões. Com base nisso, o BTG Pactual estima que a alocação em ações representava no mês passado apenas 8,9% do capital sob gestão total de fundos locais, no nível mais deprimido desde 2017 e se aproximando do patamar mais baixo da série histórica, de 8,5%, registrado em 2016.

“A dinâmica se retroalimenta. O estrangeiro tira recursos, a bolsa cai, o cotista resgata, o gestor vende forçosamente. Difícil saber quando vai parar. Talvez com alguma sinalização fiscal em agosto, na volta do recesso parlamentar, pelo menos para diminuir essa venda técnica”, diz Franco. Como consequência, ele nota que está mais difícil montar posições com visão de longo prazo. “O gestor é empurrado para carteira mais defensiva, com papéis mais líquidos, de empresas com bom momento operacional.”

Viccenzo Paternostro, gestor de renda variável da Gap Asset, acredita que o volume tende a continuar fraco. “Se não houver entrada de investidor estrangeiro, a tendência é piorar. A dinâmica local de resgates e migração de fluxo para renda fixa tende a continuar. O que poderia trazer uma melhora seria a queda dos juros aqui, mas o Banco Central parou de reduzir nessa última reunião e a curva de juros já precifica até novos aumentos”, diz.

Outro possível gatilho, aponta, seria uma inversão da tendência recente de fluxo estrangeiro, já que as saídas que aconteceram este ano até aqui foram, em sua visão, muito volumosas. Apenas em junho, os não residentes sacaram R$ 4,78 bilhões do segmento secundário da B3 até o dia 26. O saldo anual é negativo em R$ 40,68 bilhões, valor que quase neutraliza as entradas de R$ 44,85 bilhões registradas em 2023.

“Se parte desse capital volta, há uma melhora na dinâmica. Pode acontecer, mas não sei se é para o curtíssimo prazo. Diria que é mais para o quarto trimestre deste ano do que para o terceiro”, diz, notando que o ímpeto comprador mostrado pela classe nos últimos dias — com saldo positivo em sete das últimas dez sessões, até o dia 26 — é marginal se comparado ao saldo anual.

“Ainda é muito incipiente, não dá para afirmar que o estrangeiro voltou a olhar para o Brasil. Mas essa dinâmica é bem volátil e pode mudar muito rápido. Se a bolsa subir por um ou dois meses, o fluxo pode voltar, porque o investidor não quer perder a bolsa andando. Mas, com as informações de hoje, eu não diria que melhora em um ou dois meses”, diz. A Gap tem pouca exposição direcional à bolsa no momento, focando mais posições relativas.

Com informações do Valor Econômico