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O negócio do futebol: qual é o grande desafio das SAFs no início de operação?
Neste momento, estamos a duas rodadas do final do primeiro turno do Brasileirão 2023. A tabela mostra um cenário bastante peculiar quando analisado sob a ótimo do modelo de controle acionário dos clubes, que pode levar a conclusões precipitadas para todos os lados.
Numa era em que tudo que se diz será usado contra você, mesmo que seja incapacidade de interpretação do interlocutor – o que não costuma ser o caso de quem acompanha minhas colunas, que é um público pequeno, mas altamente qualificado – é importante frisar que a avaliação a seguir não defende, nem ataca os envolvidos. É apenas uma análise fria do contexto.
Aliás, contexto é algo que precisa ser levado em consideração em qualquer análise.
Voltando à tabela, na parte de cima temos:
- Botafogo – 43 pontos – 84% de aproveitamento
- Flamengo e Palmeiras – 31 pontos – 61% de aproveitamento
- Grêmio – 30 pontos – 63% de aproveitamento
- Fluminense e RB Bragantino – 28 pontos – 55% de aproveitamento
Na parte de baixo da tabela o desempenho é o seguinte:
- Corinthians – 19 pontos – 40% de aproveitamento
- Santos – 17 pontos – 33% de aproveitamento
- Goiás – 16 pontos – 31% de aproveitamento
- Bahia – 15 pontos – 29% de aproveitamento
- Coritiba – 14 pontos – 27% de aproveitamento
- América – MG – 10 pontos – 21% de aproveitamento
- Vasco – 9 pontos – 19% de aproveitamento
Mas o que isso tem de tão relevante? Quem acompanha mais de perto sabe que o líder disparado Botafogo é uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) assim como os 4 últimos colocados (Bahia, Coritiba, América-MG e Vasco). Ainda temos o RB Bragantino em 6º, o Cuiabá em 9º e o Cruzeiro em 10º, completando o grupo de SAFs na Série A do Brasileirão.
Se o objetivo fosse apenas caçar cliques e apelar para o terraplanismo esportivo, o título deste artigo poderia ser “A derrocada das SAFs”. Afinal, 4 delas estão na zona de rebaixamento. Outras 2 ocupam apenas lugares intermediários, e justificaria o Botafogo como um acaso. Assim, ninguém esperava nada da equipe após o decepcionante campeonato carioca no início da temporada.
Ou poderia dizer que o campeonato é longo, e algumas SAFs que estão na parte final da tabela têm tudo para se recuperar. O RB Bragantino está na zona da Libertadores e o Botafogo é um grande exemplo de gestão, o que colocaria o artigo também numa zona terraplanista esportiva.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
A tabela desse quase final de primeiro turno do Brasileirão 2023 mostra apenas quão complexa é a gestão do futebol. Ao mesmo tempo, não podemos criar expectativas de curto prazo para projetos de longo prazo.
O Botafogo é das primeiras SAFs, está num processo de organização a mais tempo, e priorizou a área esportiva.
Ainda que possamos questionar aspectos de gestão fora de campo, como a demora nas evoluções comerciais, as idas-e-vindas em relação à liga, a decisão de ficar de fora do pacote de transmissões do campeonato carioca, tentando mostrar uma força que não tem, é inegável que há uma evolução em relação ao modelo político-associativo anterior.
Justifica o desempenho tão superior em relação a Flamengo e Palmeiras? Sim, não, talvez. Como o Corinthians de 2017 não justificava o desempenho que levou ao título brasileiro daquele ano.
Mas daí entra o aspecto imponderável do futebol, e reforça a ideia de que uma boa gestão esportiva é capaz de elevar a capacidade competitiva de clubes de menor capacidade financeira.
Mas por que isso não vale para os 4 últimos colocados? Daí entra o contexto, e sem ele a análise fica torta.
O caso América-MG
Primeiro, chamar o América-MG de SAF é apenas uma questão semântica. Na prática, o clube continua sendo gerido pela associação original, não recebeu aportes de capital, nem mudou a gestão, que vinha apresentando bons resultados considerando a capacidade financeira.
Sendo assim, ocupar as últimas posições não está fora do que seria o normal. Mérito há quando vemos que o clube teve desempenho positivo recentemente.
Coritiba: SAF recente
O Coritiba é uma SAF recente. A formalização da entrada da Treecorp ocorreu já com o Brasileirão em andamento. Trata-se de um projeto que está em fase inicial, em desenvolvimento.
Não dá para colocar na SAF a responsabilidade pelo desempenho em 2023, ainda mais se considerarmos que o novo acionista está chegando ao futebol agora. Mesmo que tenha contratado profissionais que conheçam o futebol, não se define, implanta e solidifica uma cultura organizacional e esportiva em tão pouco tempo.
Bahia ainda precisa de tempo
Vale o mesmo para o Bahia. O Grupo City começou a operar de forma preliminar no início do ano, mas leva tempo até entender e organizar a estrutura, num ambiente novo.
Vamos lembrar que o grupo é dono do Troyes francês, que caiu para a segunda divisão na temporada passada, assim como é dono do palermo, equipe italiana que apenas se manteve na Serie B local. Não aportam rios de dinheiro, e o processo em cada caso é de estruturação dos ativos, fazendo rodar atletas entre as sedes.
Claro que evoluirá, mas dentro de um processo, e não de forma artificial e fugaz. Por vezes leva tempo, tem alguns revezes, mas tende a ser sustentável.
No Vasco, a realidade é diferente
Quando analisamos o Vasco a realidade é um tanto diferente. A promessa foi de injetar dinheiro e transformar o clube.
Mas não dá para dizer que o clube enfrenta o Flamengo em igualdade de condições financeiras, como foi prometido. Nem esportivas. Se o retorno à Série A foi com sofrimento, mas justificado porque a 777 Partners havia recém assumido o clube, o cenário atual mostra que algo não está funcionando.
Porém, o discurso e a prática estão descasados, e para ajudar o ambiente político do clube continua sendo de alta octanagem. Lembro que a 777 entrou no Genoa e o clube italiano caiu logo no primeiro ano de gestão, parte porque assumiram numa condição complicada, parte porque tomaram decisões esportivas equivocadas. É preciso uma correção de rumo rápida.
Noves fora, no topo da tabela temos Flamengo e Palmeiras jogando o campeonato que o Botafogo deixou, mas sem a sobra que se esperava.
O que mostra que a gestão esportiva rubro-negra segue com falhas, e a gestão alviverde não foi capaz de achar soluções eficientes para a exaustão natural após tantas conquistas.
Na parte de baixo vemos os 4 últimos acompanhados de Goiás, mas também de Santos, Corinthians e Atlético-MG. Talvez não seja por acaso que as duas maiores dívidas do futebol brasileiro estejam nessa situação, mesmo com mecenas e receitas relevantes.
Não é mágica
O futebol é uma caixinha de surpresa, a bola às vezes entra por acaso, mas em outras, não.
Nessa fase de transição e chegada das SAFs fica claro que não são soluções mágicas e rápidas que terão o enorme trabalho de criar um ambiente corporativo eficiente.
Realidade de qualquer indústria em transformação, mas que no caso de um negócio alimentado pela paixão torna os desafios ainda maiores.
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