O que está acontecendo na China?

Reunião do NPC, a mais importante do calendário político chinês, é realizada nesta semana e os investidores estarão atentos

Nesta semana ocorre a reunião do NPC (National People’s Congress) na China. Trata-se da reunião mais importante do calendário político chinês, e os investidores estarão atentos aos temas a serem discutidos no Relatório de Trabalho do Governo, entre os quais está a expectativa de crescimento para a economia chinesa em 2024. Então, o que está acontecendo na China?

No ano passado, a meta de crescimento (5%) foi bastante questionada pelos analistas de mercado, mas graças a um bom resultado no segundo e quarto trimestres vimos a economia chinesa entregar 5,2% de PIB em 2023.

Com base nas expectativas dos governos regionais divulgadas em janeiro (cerca de 5,4% na média), é provável que divulguem um número perto de 5% novamente, em que pese estimativas mais conservadoras do FMI.

Afinal, o que está acontecendo na China?

O PIB é um indicador importante e diz muita coisa por si só, mas, em geral, analistas e investidores buscam uma série de outros dados e informações para avaliar a saúde econômica de um país. No caso da China, a barra é sempre mais alta.

Existe um excesso de pessimismo e preocupações em relação à China entre os investidores.

As principais causas estão relacionadas à crise do mercado imobiliário e ao endividamento dos governos locais.

Outros pontos comumente levantados dizem respeito à guerra comercial com os Estados Unidos, aos riscos relativos a uma invasão à Taiwan, o boicote ao acesso a chips e tecnologia de ponta, problemas demográficos, deflação, desemprego entre jovens.

Fala-se em década perdida, em “japanificação” (uma alusão ao período após a ruptura da bolha dos anos 80 na bolsa japonesa).

Alguns analistas chegaram a declarar que se trata de mercado “uninvestable”.

A bolsa chinesa

Sem querer diminuir a relevância dos temas elencados acima, mas a verdade é que as pessoas têm dificuldade para explicar o comportamento das bolsas chinesas nesses últimos dois anos, e acabam exagerando.

Se a bolsa chinesa estivesse em sintonia com os outros mercados globais, a manchete seria “China desacelera, mas segue com crescimento forte”, ou algo do gênero.

Empresas chinesas são, na sua maioria, listadas nas bolsas de Shanghai ou de Shenzhen.

A bolsa de Shanghai é mais antiga e tem um peso maior de empresas do setor financeiro, industrial; já a bolsa de Shenzhen tem mais peso de empresas de tecnologia.

Ações negociadas nas bolsas domésticas são chamadas “A-shares”, e o principal índice de ações é o CSI 300, com as 300 maiores empresas chinesas, com cerca de 50%-50% de ações listadas em Shanghai e Shenzhen.

Historicamente, as maiores empresas também listavam suas ações na bolsa de Hong Kong, que até 1997 foi ex-colônia britânica, ou nos EUA, ambos mercados em que podiam ter mais acesso a capital estrangeiro.

O MSCI China é um índice mais conhecido dos investidores, e composto majoritariamente por ações de empresas listadas em Hong Kong, tais como Alibaba e Tencent.

Bear market

Feita essa pequena apresentação, o que nos interessa é destacar o que está acontecendo na China.

Além disso, enquanto todas as principais bolsas do mundo estão negociando nas suas máximas históricas (S&P 500, NASDAQ 100, Euro Stoxx, Topix, e até nosso Ibovespa), o MSCI China estava amargando perdas acumuladas de mais de 60% desde 2021 até o início deste ano.

É justamente essa dicotomia que gerou tal pessimismo entre os investidores, a ponto de alguns defenderem a tese de que não dá para investir na China.

Uma tempestade perfeita

O declínio acentuado foi resultado de uma tempestade perfeita.

Num primeiro momento, então, a pandemia fez da China a única fábrica do mundo em operação. E as empresas chinesas se beneficiaram, atingindo suas máximas em 2021.

Mas, diferentemente do Ocidente, o governo chinês manteve lockdowns e regime de tolerância zero ao covid até o final de 2022. Isso teve forte impacto na atividade, emprego e sentimento das pessoas.

Além disso, ao contrário de países desenvolvidos, não adotou políticas fiscais extremas, p.ex. com distribuição de cheques à população.

Paralelamente, o presidente Xi Jinping iniciou uma cruzada em seu processo de consolidação do poder. Resolveu atacar alguns problemas estruturais e sanear excessos na economia chinesa.

Combateu a corrupção, trocou boa parte da liderança no seu novo governo, passou a regular mais o setor de tecnologia (“tech crackdown”) e colocou um fim à especulação imobiliária.

Esse tech crackdown e o fechamento da torneira para o setor imobiliário explica por que a queda do MSCI China foi maior que o CSI300.

Além disso, do outro lado do oceano, com a pressão dos reguladores americanos contra práticas contábeis e com o risco de deslistagem, investidores globais passaram a vender suas posições em ações chinesas, principalmente de tecnologia.

Desafios da China

A pergunta que nos fazemos é se a situação está tão ruim quanto a narrativa dominante sugere.

Uma análise mais profunda exige um espaço que não temos aqui, mas minha opinião é que não.

Estamos falando da segunda maior economia do mundo, que segue crescendo na casa de 5% ao ano. Isso sem poder contar com a alavanca do setor imobiliário, que costumava responder por quase 25% do PIB.

A China, contudo, continua importando commodities para atender sua demanda energética, de alimentos e industrial. E ainda segue inovando e investindo em tecnologia e novas indústrias como a de carros elétricos e energia renovável.

Para o curto prazo, eu vejo dois principais desafios.

Há uma dinâmica desinflacionária, que prejudica a alavancagem operacional das empresas e crescimento dos lucros. Há também um sentimento negativo do consumidor (e investidor) local, que viu seu patrimônio minguar sem os ganhos no mercado imobiliário e de ações.

Mas esses são problemas conjunturais, e devem passar.

Talvez já estejam passando, se levarmos em consideração os dados de mobilidade e consumo nesse feriado do Ano Novo Lunar.

Façam suas apostas

Em poucos dias teremos novidades vindas de Beijing, mas será importante acompanhar desdobramentos mais concretos. Num cenário positivo, a mudança de sentimento do investidor pode mudar 180º, ao passo que o cenário decepcionante parece já estar no preço.

Estou no campo otimista sobre o que está acontecendo na China.

Em nossos fundos estamos comprando ações chinesas desde o mês passado.