O prêmio Nobel de 2022 e o cenário econômico de 2023

Trabalho dos três economistas laureados neste ano foi extremamente relevante para desenvolver respostas adequadas de política econômica a crises financeiras recentes

- Ilustração: Renata Miwa
- Ilustração: Renata Miwa

Este ano, o prêmio Nobel de economia foi dado a três economistas – Ben Bernanke, Douglas Diamond e Philip Dybvig – por terem desenvolvido, nos anos 1980, teorias e análises históricas que permitiram um melhor entendimento sobre como lidar com crises financeiras.

A dupla Diamond e Dybvig desenvolveu modelos que mostram que instituições financeiras, como bancos, ajudam tanto poupadores quanto devedores a cumprir objetivos conflitantes. Poupadores precisam de liquidez em seus depósitos para gastos não previstos, enquanto devedores precisam de recursos, por prazos longos, para financiar projetos.

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As instituições financeiras fazem exatamente essa transformação de maturidade: recebem depósitos, resgatáveis a qualquer momento, e concedem crédito por horizontes maiores. Essa atividade é inerentemente frágil: um rumor, verdadeiro ou não, pode levar a uma corrida de depositantes ao banco para resgatar seus recursos.

Portanto, a teoria de Diamond e Dybvig implica que depósitos compulsórios e a ação do banco central como emprestador de última instância, dentre outras regulações, são fundamentais para diminuir a fragilidade do sistema financeiro e garantir seu bom funcionamento.

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E por que seria importante manter o bom funcionamento do sistema financeiro? A contribuição de Bernanke, que estudou a Grande Depressão dos anos 1930, mostrou que um motivo importante para o aprofundamento e prolongamento da famosa crise foi a quebra de muitos bancos.

Bernanke argumentou que instituições financeiras têm um papel muito relevante de filtrar e monitorar devedores. E esse papel de intermediação financeira gera informações valiosas que são perdidas em caso de quebradeira.
O trabalho dos três foi extremamente relevante para desenvolver respostas adequadas de política econômica a crises financeiras recentes. Vejamos o principal exemplo.

A Grande Recessão e suas origens

Não é sempre que um professor tem a oportunidade de aplicar suas teses ao mundo real. Mas foi exatamente o que ocorreu com Bernanke, que estava no comando do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos , quando começou a chamada Grande Recessão no final dos anos 2000.

Nos anos anteriores a essa crise, a economia norte-americana experimentou forte expansão, especialmente no setor imobiliário, com preços de imóveis subindo rapidamente. Os bancos tradicionais migravam cada vez mais para a prática de reembalar empréstimos e vendê-los para outras instituições, um processo chamado de securitização.

Isso fez surgir um sistema financeiro com pouca transparência, à “sombra” do mercado financeiro tradicional. Eram novas instituições que se financiavam com dívida de curto prazo e adquiriam esses pacotes de empréstimos dos bancos, sem estar sujeitas à mesma regulação dos bancos tradicionais.
O resultado foi um aumento da cadeia de intermediação, o que piorou a qualidade do monitoramento de devedores por credores, ao mesmo tempo em que se criou uma exposição de outras partes do mundo aos mercados de crédito norte-americanos.

Com isso, uma situação de grande fragilidade no sistema financeiro global se deu: famílias e intermediários financeiros estavam muito endividados, sem um monitoramento adequado dos créditos sendo concedidos, e sem depósitos de segurança ou um emprestador de última instância para as novas instituições financeiras.

O choque inicial que precipitou a crise foi a queda de preços de imóveis americanos, que levou ao não pagamento de dívidas, mas foi essa situação de vulnerabilidade do sistema financeiro que transformou a crise em algo muito mais profundo e global.

Bernanke entra em ação

Entendendo como poucos o grande efeito negativo que uma pane geral do sistema financeiro poderia ter sobre a economia, Bernanke capitaneou no banco central, junto com o Tesouro americano, uma série de programas (uma verdadeira sopa de letras: TAF, TSLF, PDCF, TARP, dentre outros), cada um com suas especificidades, mas cujo espírito era evitar a quebra simultânea de muitas instituições financeiras a partir de empréstimos ou compras de ativos que saneassem o sistema como um todo, evitando o prolongamento e a intensificação da crise.

É claro que essa ajuda ao sistema financeiro teve um custo elevado, pago pelo contribuinte. Isso gerou críticas, especialmente quando houve tomada de risco excessiva pela instituição financeira. Anos depois, tais críticas levaram a uma intensificação da regulação sobre instituições financeiras (o Dodd-Frank Act nos EUA é o principal exemplo), no espírito de Diamond e Dybvig.

Mas o efeito sobre a economia global de ter mantido o sistema financeiro respirando, embora difícil de medir, certamente foi muito importante, como previa o estudo de Bernanke.

O que tudo isso implica para 2023?

O cenário atual é de inflação alta no mundo, o que tem levado à elevação generalizada de taxas de juros de forma sincronizada, embora não coordenada. Com toda essa retirada simultânea de estímulos, é natural projetar uma desaceleração importante do crescimento mundial ano que vem e, possivelmente, uma recessão global.

Será que esse quadro levará os principais bancos centrais do mundo, preocupados com a intensificação da desaceleração global e, apesar da inflação alta, vão em breve reverter as altas recentes e começar a cortar juros? Esse é um questionamento importante que tem sido feito por participantes do mercado.
A elevação dos juros tem produzido perda de valor de vários investimentos, especialmente aqueles cuja expectativa de lucro está em um futuro distante, portanto mais impactados por taxas de desconto maiores (o caso de muitas start-ups).

Além disso, vendas e preços de imóveis seguem caindo nos EUA e outros lugares, causando perdas significativas no patrimônio das famílias.

Embora bastante doloroso, esse processo está dentro do previsto e faz parte do sacrifício de atividade econômica necessário para baixar a inflação. O que pode, então, tornar esse sacrifício questionável? Bernanke, Diamond e Dybvig nos ensinaram que o surgimento de riscos à estabilidade do sistema financeiro é algo que pode, sim, mudar o script de juros altos.

Portanto, a pergunta crucial é: há riscos significativos para a estabilidade do sistema financeiro global? Depois de tantos anos de juros próximo de zero em economias desenvolvidas, é difícil responder a essa pergunta categoricamente. Podem sem dúvida aparecer ameaças que não estão visíveis hoje.

A boa notícia é que, devido a mudanças regulatórias, o sistema bancário mundial está, hoje, bem mais capitalizado e, certamente, há menos empréstimos imobiliários de alto risco do que na Grande Recessão.
Portanto, o cenário base deve ser de que os juros continuem altos no mundo por período prolongado até que o dragão inflacionário seja contido, mesmo que isso implique em uma recessão global em 2023.

Por Fernando M. Gonçalves, economista e superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco. Artigo originalmente publicado na coluna ‘Macroscópio’, do Feed de Notícias do íon Itaú. Para ler este e outros conteúdos, acesse ou baixe o app agora mesmo.

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