Reação do mercado financeiro a Lula é objetiva ou ideológica?

Especialistas repercutem o mau humor dos financistas

Investidores brasileiros saíram da bolsa de valores após eleição de Lula. Vale a pena? - Ilustração: Matheus Carvalho / IF
Investidores brasileiros saíram da bolsa de valores após eleição de Lula. Vale a pena? - Ilustração: Matheus Carvalho / IF

O mercado financeiro teve uma segunda-feira pós-eleição de bons resultados. Afinal, a Bolsa de Valores fechou em alta e o dólar caiu em níveis recordes no dia seguinte do segundo turno. Mas, conforme as propostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganharam corpo durante a transição de governo, os investidores passaram a reagir de forma negativa. Assim, a Bolsa sofreu uma reviravolta e despencando aquém dos 110 mil pontos (e continua caindo).

A queda é relacionada à promessa de Lula de aumentar gastos públicos acima do considerado saudável. Além disso, também pesa exclusão de parte disso do chamado teto de gastos.

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Essa regra de ouro, criada durante o governo de Michel Temer, é defendida pelo mercado financeiro para conter o endividamento público. Contudo, desde 2016, quando o teto de gastos foi implementado, o que se vê é um crescimento da dívida pública. Mesmo sob articulação dos governos de Temer e de Jair Bolsonaro, considerados pró-mercado.

Diante disso, a dúvida que paira é: o mau humor dos agentes financeiros tem um componente ideológico? Isto é, relacionado ao desagrado com a escolha nas urnas de um governo de esquerda e supostamente avesso aos interesses do mercado financeiro… Ou a razão para o descontentamento é realmente objetiva?

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Reação tem mais a ver com riscos  

O economista e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil Alexandre Schwartsman diz que a reação do mercado tem menos a ver com ideologia e mais com o risco de ganhar ou perder dinheiro.

Dessa forma, Schwartsman diz que “o mercado financeiro é um animal amoral”. Ele afirma ainda que se o cenário estiver favorável à tomada de risco, algumas questões socialmente reprováveis podem até ser toleradas.

“Não é uma questão puramente ideológica, não. É o fato de que sentiram que essa combinação de perspectiva de aumento de gastos, de dívidas, vai dar problema lá na frente… E se você aceitar financiar um governo lá na frente, você vai pedir mais juros. Com a percepção de risco, o dólar sobe, e o juro mais alto derruba a Bolsa. É bem livro-texto.” – Alexandre Schwartsman, economista

Já o aumento de gastos tem sido progressivo ao longo dos últimos anos. Ou seja, desde o segundo governo de Dilma Rousseff (2015 – 2016), passando por todos os presidentes. Mas o comportamento médio do mercado não tem sido de mau humor diante de todas as indicações de aumento dos gastos (e de aumentos, de fato)… Isso porque a Bolsa bateu recordes em momentos de piora da situação fiscal.

Schwartsman reconhece que, em alguns momentos, não acontece o desagrado do mercado financeiro com a política fiscal, ao menos, por um prazo mais estendido. “Vai depender muito também de como está a coisa lá fora”, comenta o economista.

“Quando é um cenário mais tranquilo em relação à liquidez internacional e o aumento do apetite por mercados emergentes, os investidores relevam [o aumento de gastos públicos]. Mas num momento como o de hoje, de turbulência, queda de preço de commodities [matérias-primas], aumento de juros lá fora, risco de recessão na Europa e desaceleração nos EUA… Fica obviamente tudo mais sensível, e, por isso, reagem mais rapidamente”, avalia.

Questão de adaptação

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, também não vê ideologia na postura do mercado financeiro. “Não julgo ser uma reação ideológica, uma vez que Lula já foi presidente em outra oportunidade. E, assim, o mercado teve tempo suficiente para se adaptar ao seu modelo de governo”, afirma.

Para o economista da CM, a questão central agora é o momento de transição entre dois governos com propostas muito diferentes. Essa divergência “tende a dificultar a construção de projeções para os próximos anos, dificultando a montagem de posição por parte dos agentes e gerando turbulências no curto prazo”, avalia.

“O mercado tende a reagir aos eventos no campo político e econômico no curto prazo. Até aqui, como foram anunciadas apenas medidas para aumentar o nível de despesas, a deterioração das expectativas de endividamento do país no médio e longo prazo se refletiu no maior mau humor por parte dos agentes financeiros.” – Matheus Pizzani, economista

Como reverter a instabilidade

Mas Pizzani vê que essa instabilidade pode ser revertida a médio e longo prazos, como aconteceu durante a primeira passagem de Lula pela Presidência. “A tendência é que estes movimentos se dissipem no decorrer do tempo quando a situação for se tornando mais clara”.

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