Lula acena à classe média, mas medidas contrariam esforços do BC para conter inflação

Aumento da isenção do IRPF e empréstimos consignados estão na lista de iniciativas

Nas três últimas semanas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva lançou quatro medidas que vão beneficiar a classe média, um segmento da sociedade no qual precisa melhorar a aceitação. São elas: o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil, o novo empréstimo consignado para trabalhadores do setor privado, o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quem optou pelo saque-aniversário e foi demitido e a destinação de R$ 15 bilhões para a faixa mais elevada do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) — que, inclusive, poderá ter o limite de enquadramento elevado de R$ 8 mil para R$ 12 mil.

Potenciais vitrines para a campanha eleitoral de 2026, as medidas vão na contramão dos esforços do Banco Central (BC) para combater a inflação, segundo especialistas. Além disso, dependem da aprovação do Congresso Nacional, que poderá modificá-las, em um processo que eleva a percepção de risco para as contas públicas.

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    “O estabelecimento de um vínculo com a classe média é especialmente importante para o mandato Lula 3, para criar marcas nesse eleitorado que se beneficiou lá atrás, daquele boom de crescimento, mas ao fazer essa emergência social não se vê mais como objeto de ação dos programas do governo”, disse Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências e professor do IDP de São Paulo.

    O processo eleitoral foi antecipado por governo e pela oposição, pelo fato de Lula não possuir mais o mesmo nível de popularidade que teve nos dois mandatos anteriores, disse. “O governo, de fato, entrou nesse modus operandi de construir o projeto da reeleição.”

    “Nada a ver”, rebateu o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em entrevista ao Valor. As medidas, disse ele, sempre foram políticas do PT e estão no programa de governo, dentro de uma lógica de criar emprego e renda.

    “Tem a ver com esses valores, não tem a ver com estarmos bem [agora]. A disputa eleitoral é no ano que vem. Então, nós queremos chegar bem lá. Agora, é cuidar da obrigação que temos.”

    Marinho negou que as medidas tenham sido pautadas pela queda da popularidade do presidente. “Quer dizer que, se o Lula estivesse com 90% de aprovação, não iria fazer? Sim, iria fazer.”

    Na mesma linha, o Palácio do Planalto afirmou que “as medidas fazem parte do amplo projeto de reconstrução das políticas públicas, assumido ainda durante o processo eleitoral e não são voltadas exclusivamente para classe média.”

    Mais dinheiro em circulação: como fica a inflação?

    A nova isenção do IRPF, prevista para 2026, vai beneficiar 10 milhões de contribuintes. “Essa renda em circulação significa crescimento da economia, significa a roda da economia girar”, comemorou a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, no anúncio do projeto.

    Mais dinheiro em circulação é o esperado também com o novo empréstimo consignado para trabalhadores do setor privado, que começou a ser oferecido na sexta-feira (21). Poderá ser acessado por 47 milhões de pessoas. A liberação dos saldos do FGTS somará R$ 12 bilhões.

    O reforço de R$ 15 bilhões para o MCMV virá do Fundo Social, onde são depositados os recursos da União decorrentes da exploração de petróleo no pré-sal. Habitação não estava no rol de projetos que poderiam ser bancados com esses recursos, mas a MP 1.291/25, editada em 6 de março, abriu essa possibilidade. O dinheiro atenderá a Faixa 3 do MCMV, onde se enquadram famílias com renda de R$ 4.700,01 a R$ 8.000,00. Como mostrou o Valor na última terça-feira, está em estudos a elevação da renda máxima dos elegíveis ao programa para R$ 12 mil, ante os atuais R$ 8 mil.

    A injeção de recursos para o consumo e o investimento é a estratégia de Lula para combater aquilo que está nos números oficiais: um esfriamento da economia na segunda metade deste ano. Ante o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,4% em 2024, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda projeta agora uma expansão de 2,3%.

    “Eu quero fazer um desafio: o Brasil vai crescer outra vez acima de 3%”, disse Lula na quarta-feira passada, em evento no Ceará.

    O problema é que um crescimento na faixa de 3% está acima do potencial da economia brasileira, da ordem de 2,5%. Essa espécie de superaquecimento gera inflação.

    Isso é combatido pelo BC, por meio da elevação da taxa de juros. Na última quarta-feira, foi decidido um aumento para 14,25%.

    “A impressão que eu tenho é que o governo vai cada vez mais lançar programas para tentar mudar um pouco esse cenário de perda de poder aquisitivo das famílias da classe média para baixo”, disse Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos. “Teremos o Banco Central apertando e medidas na contramão.” O custo do combate à inflação aumenta, acrescentou.

    Essa visão é relativizada pelo secretário de Política Econômica, Guilherme Mello. Não é certo que os novos empréstimos serão direcionados para o consumo, disse ao Valor. “A pessoa toma o consignado para quitar outras dívidas, porque é um crédito mais barato.”

    Ele aponta para fatores que atuam na direção oposta a um possível aumento da inflação pelo aumento do consumo. “A política monetária está no campo significativamente restritivo”, comentou. “Se fosse verdade que essas medidas [consignado e IR] vão gerar um crescimento econômico muito acima do potencial, isso deveria estar aparecendo nas projeções do mercado financeiro, e não está.”

    Na pesquisa Focus, feita com mais de uma centena de instituições financeiras, a mediana das projeções de crescimento este ano é de 1,99%. Segundo o secretário, é um cenário “de um crescimento econômico sólido, mas alinhado com o potencial da economia brasileira.”

    Para o economista André Perfeito, as medidas para estimular crédito e consumo não serão suficientes para afastar o risco de recessão este ano. “A razão de fundo para a desaceleração é o elevado endividamento de famílias e empresas”, disse.

    O consumo das famílias caiu 1% no último trimestre de 2024, pontuou. “Dar crédito é enxugar gelo.”

    Ele tem alertado que, da mesma forma com que o mercado errou para menos em suas projeções de crescimento nos últimos anos, em 2025 o erro é para mais.

    A liberação do FGTS, o novo consignado e as mudanças no IRPF estão em análise no Congresso Nacional. O último item é considerado por economistas um dos maiores riscos para as contas públicas a partir de 2026.

    A proposta elaborada pelo governo é neutra, ou seja, não pretende aumentar nem diminuir a arrecadação. “A grande dúvida é se teremos a aprovação do IR por um lado e essa contrapartida de outro”, observou Veronese. “Isso é uma grande interrogação.” Não bastam as promessas de neutralidade feitas por Haddad, porque a decisão é do Congresso Nacional, acrescentou.

    O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já disse que a proposta mudará. Mais especificamente na parte das compensações, ou seja, a taxação da alta renda. Alternativamente, indicou, poderiam ser analisados os gastos tributários e despesas do governo.

    Além do IR, outra dúvida sobre o futuro das contas públicas é o ano eleitoral, apontou a economista da B.Side. “A gente precisa ver o que as pesquisas vão mostrar, tanto em intenção de votos quanto em popularidade”, disse. O risco, disse, é o governo “vir com tudo” em novos gastos.

    Com informações do Valor Econômico

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