Ninguém gosta de juros altos, nem de inflação
Uma economia sem crédito é tão ruim quanto o aumento dos juros
Nos meus primeiros passos na profissão, era repórter do jornal O Globo e ganhava um salário de milhões… Milhões de dinheiro. A moeda já não importa porque foram muitas até chegar ao real. Quando muitos anos se passaram, eu já era editora do caderno Folhainvest, na Folha de S.Paulo.
Era um tempo em que o salário chegava a aumentar 80% num único mês. Mesmo assim não dava para nada. Não dava, principalmente, para fazer planos.
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Para as famílias, era cruel.
Para jovens, como eu, que davam seus primeiros passos no mercado de trabalho, não era fácil.
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Perigoso terreno da hiperinflação
O país estava entrando no perigoso terreno da hiperinflação. Eu cresci com a inflação. Na minha adolescência, lembro bem do meu avô estocando alimentos não perecíveis em casa. Na casa dos meus avós, havia um armário imenso e ficou na minha memória aquela sequência de latas e mais latas de alimentos, pacotes de arroz e feijão.
“Para que tanta comida se era só ele e minha avó que viviam naquela casa?”, quis saber certa vez.
“Porque semana que vem estarão mais caros e, no próximo mês, mais caros ainda”, respondeu meu avô.
Meu avô estocava comida em casa para se proteger da inflação. Era um investimento. Também em casa, muito bem guardado, estava o dinheiro de suas economias. Porque havia tantas incertezas nos longos anos de inflação que ele não tinha como confiar nos bancos, no governo, em ninguém. Era então, pensava ele, o jeito mais seguro de guardar um pouco de dinheiro para a neta.
Antes de morrer, minha avó me deu de presente a caixinha com as economias do meu avô. Para mim um tesouro, a recordação do meu herói que era um diligente poupador, preocupado em garantir segurança da família.
Sem seguro e sem caderneta de poupança
Certa vez, revirando as papeladas da minha avó, depois de sua morte, achei algumas apólices de seguro que meu avô comprou com tanto zelo para protegê-la. Não valiam mais nada. Comprar seguros, em épocas de inflação fora de controle, é um péssimo negócio.
Nessa jornada pela memória, lembrei do dia que resgatei o saldo da caderneta de poupança que o meu avô abriu para mim quando nasci.
Saquei o dinheiro quando fiz 19 anos de idade. Coloquei na carteira e, à noite, quando voltava para casa o pneu do meu carro furou. Paguei a troca pelo pneu novo com o dinheiro que, por quase duas décadas, meu avô depositou, mensalmente, na poupança. E não sobrou nenhum centavo.
Queda de braço do governo com o Banco Central
Contei essa história tão pessoal porque, nessa queda de braço do governo com o Banco Central, é bom não esquecermos a razão que leva a taxa de juro brasileira a patamares tão altos: a inflação.
E, por enquanto, o instrumento que se tem para o combate a inflação no Brasil e no mundo é o aperto monetário, ou seja, a alta de juros.
Os bancos centrais, com papel também de preservar o poder de compra da moeda, puxam os juros.
Mas, isso não é popular e, o que ainda é pior, asfixiam a economia. Daí que o presidente Lula, legitimamente, reclama dos juros altos que impedem o crescimento econômico. E o presidente do Banco Central não arreda o pé até que a inflação esmoreça.
Ninguém gosta de juros em alta. Eles sufocam qualquer economia.
Nem mesmo os bancos gostam de juros em escalada de alta. Eles refletem insegurança e incertezas e bancos odeiam incertezas. Veja o que está ocorrendo no mercado internacional.
Por anos o mercado conviveu com juros extremamente baixos, até mesmo negativos quando descontada a inflação (juro real).
Por causa da inflação, o mundo vive um ciclo de aperto monetário e isso bagunçou com o mar sereno do mercado bancário até mesmo na Suíça, aquele lugar onde tudo é muito previsível de relógio a bancos.
Saiba tudo sobre a crise bancária internacional na Inteligência Financeira e também um depoimento de um cliente brasileiro do Silicon Valley Bank que viveu momentos de tensão com a quebra do banco aqui.
Taxa de juros fez a inflação cair
A taxa básica de juros (Selic) chegou a 13,75% em agosto de 2022. Naquele mês, a inflação alcançou os dois dígitos e rodava a 10%. A retirada dos impostos sobre combustíveis fez a inflação cair para 8,7%.
Muita coisa mudou desde então. A inflação caiu para 5,6%, o escândalo da Americanas restringiu o crédito no País e, agora, o risco de uma crise bancária no exterior fez com que muitos analistas colocassem no radar uma expectativa de início do ciclo de queda nos juros ainda este ano.
Portanto, seria mais produtivo manter o foco no debate na inflação. Ela não interessa a ninguém.
Não há heróis ou vilões nesta história.
Há gente precisando de crédito, uma economia que precisa muito que as famílias voltem a consumir, que empresários e investidores retomem a confiança e que bancos irriguem o crédito.
Uma economia sem crédito é tão ruim quanto juros em alta.