Inflação e juros na América Latina

Economias da América Latina que praticam o regime de metas para a inflação estão na liderança do ciclo global de política monetária

As economias da América Latina que praticam o regime de metas para a inflação (Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai e Uruguai) estão, de certa forma, na liderança do ciclo global de política monetária.

Na região, como no resto do mundo (com a exceção da China, que evitou o surto) a inflação decorreu de choques de oferta, e, posteriormente, excesso de demanda, ocasionados respectivamente pela pandemia e pelas respostas de política monetária e fiscal à mesma.

Os bancos centrais da região em linhas gerais foram mais rápidos em pivotar a postura de política monetária, de expansionista para contracionista, e estão agora colhendo os frutos dessa mudança.

Na maioria dos países da região, a inflação cheia, no critério interanual, atingiu um pico pós pandemia entre o segundo e o terceiro trimestre de 2022, e passou a declinar, ainda que em ritmo irregular, desde então.

No Chile e em especial na Colômbia o processo teve certa defasagem, mas está também em curso. Comparar as taxas de inflação simplesmente é enganoso, porque as metas são distintas, então vamos focar na diferença entre a inflação, no critério interanual, e as respectivas metas.

Na região, o maior desvio foi observado no Chile, 11.1 pontos percentuais em agosto de 2022, e o menor no México, 5,7 p.p., em agosto e setembro de 2022 – o desvio médio, no pior momento do surto inflacionário, foi de 8,1 p.p..

Tais índices são mais sensíveis ao comportamento dos preços de commodities, que experimentaram aceleração importante nos últimos anos, graças a choques de oferta (em ambiente de demanda robusta), ocasionados pela pandemia e pela guerra europeia – o índice Itaú de commodities teve alta de 85% do final de 2019 até o pico, no critério interanual, em maio de 2021, e está rodando em -10% atualmente.

Já as várias medidas de núcleo para a inflação, que sofrem mais a influência dos preços de serviços, os quais têm geralmente um comportamento mais inercial, mostram defasagem de cerca de um trimestre em relação aos índices cheios – os processos de desinflação dos núcleos começaram alguns meses depois do observado para os índices cheios. Novamente, o maior desvio foi observado no Chile, 8,1 pontos percentuais, e o menor no Paraguai, 4,3 p.p.. O desvio médio foi de 6,2 p.p..

Evidentemente, bancos centrais com metas para a inflação não podem conviver com tais desvios indefinidamente sem reagir, sob o risco de permitir desancoragem das expectativas e um considerável enfraquecimento da âncora nominal. E os bancos centrais reagiram, com elevações vigorosas, como a ocasião requeria, das taxas de política monetária, e agora começam, ou ensaiam começar, a reduzir o grau de aperto.

Uma forma simples de medir o grau de aperto é pela diferença entre a taxa real de juros, no auge do ciclo, e as estimativas de taxa neutra (uso aqui as estimativas das economistas do Itaú). Nesse critério, o aperto mais intenso, não surpreendentemente, ocorreu no Chile, com 6,22 pontos percentuais, e o mais suave no Uruguai, com 2,4 pontos percentuais – a média regional foi de 4,1 p.p., e o BCB ficou abaixo, com 3,9 p.p..

Quando avaliamos e comparamos os atuais ciclos de distensão monetária em nossa região, essas considerações deveriam ser levadas em conta. É razoável esperar, congelando outros fatores, que bancos centrais que apertaram a política mais intensamente também atuem com maior rapidez na queda, mas isso não se estende aos que foram mais comedidos na alta.