Entenda o que é o mercado de carbono, instrumento que o governo busca regulamentar

Em discussão desde a década de 90, texto que regula o sistema de emissões de gases de efeito estufa avança no Congresso

Depois de décadas de discussão no poder público e na sociedade civil, o governo federal está mais perto de ter o mercado de carbono regulado no Brasil. No Congresso Nacional há pelo menos três projetos de lei em tramitação sobre o assunto.

Porém, a partir de um decreto instaurado no ano passado e revogado neste ano, uma minuta foi desenvolvida e apresentada como proposta para o mercado de carbono brasileiro. Mais de dez ministérios participaram da elaboração do texto, que foi entregue à senadora Leila Barros (PDT-DF), relatora do Projeto de Lei nº 412, de 2022.

O parecer da senadora

O parecer da senadora inclui a proposta do governo, elaborada de forma interministerial e em conjunto com o setor privado e a sociedade civil, e é considerado o mais robusto até o momento.

O projeto será votado em caráter terminativo pela Comissão de Meio Ambiente do Senado. A expectativa é que ele seja aprovado em plenário antes da COP-28, a principal conferência climática internacional, que será realizada nos Emirados Árabes em dezembro deste ano.

A promessa de aprovação do mercado de carbono no Brasil às vésperas de uma COP não é novidade – o mesmo aconteceu em 2021 na COP-26, realizada em Glasgow, na Escócia. Dessa vez, o assunto é prioritário para o governo federal, que vê a agenda de desenvolvimento verde como uma grande oportunidade para recolocar o Brasil como protagonista no contexto internacional.

Em atuação no debate sobre o tema desde 2016, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) trabalhou na agenda com relação à precificação do carbono e desenvolveu uma proposta de Marco Regulatório lançada em 2021.

De acordo com a diretora de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do CEBDS, Viviane Romeiro, “o mercado regulado de carbono é um dos mecanismos mais eficientes para a redução das emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que promove o crescimento econômico, garante a competitividade do país nos mercados internacionais e valoriza as vantagens comparativas do Brasil”.

Especialmente importante

A regulação de um mercado de carbono no Brasil se tornou especialmente importante por causa da pressão global por economias mais sustentáveis e pela janela de oportunidade para o Brasil.

De acordo com dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, as emissões de gases de efeito estufa – os poluentes que favorecem o aumento da temperatura do planeta – devem cair pela metade até 2030.

No entanto, muitos setores ainda precisam se adaptar para conseguirem reduzir as emissões dentro de seus processos produtivos. Nestes casos, o mercado de carbono é uma ferramenta para compensar as emissões que deveriam ter sido evitadas.

Por exemplo, o setor de produção de cimento é responsável por cerca de 7% a 8% das emissões totais globalmente – de forma geral, uma tonelada de cimento representa uma tonelada de CO2 emitida na atmosfera.

O que é o mercado regulado de carbono

A criação de um mercado de carbono regulado significa que o país, como o Brasil, determinaria os setores mais adequados para a fiscalização das emissões atreladas à atividade e colocaria um limite aceitável para o setor.

Tudo que ultrapassar o limite precisaria ser compensado dentro do mercado de carbono regulado com a compra de créditos de carbono. Dentro dessa lógica, há o modelo cap and trade, em que é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa àqueles que forem regulados e são disponibilizadas permissões de emissão equivalentes de carbono.

Assim, aqueles que economizarem poderão vender suas permissões, e os que superarem a cota poderão comprar as permissões.

O que são créditos de carbono

Os créditos de carbono são certificados gerados com base na “não emissão” (ou seja, em uma medida de carbono que deixou de ser emitida na atmosfera) de gases de efeito estufa.

Essa não emissão é comprovada em iniciativas dedicadas à proteção ambiental, como projetos de reflorestamento, de valorização da bioeconomia, de proteção de manguezais, entre outros casos.

Por isso, a biodiversidade do Brasil coloca o país como um candidato natural para esse tipo de negócio com outros países. De acordo com um estudo realizado pela WayCarbon, em parceria com a Câmara de Comércio Internacional (ICC), o potencial de geração de receitas com créditos de carbono até 2030 para o Brasil é de US$ 120 bilhões.

O que é o formato ‘cap and trade’

Favorável ao modelo cap and trade, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um estudo sobre os mercados internacionais para contribuir com o debate no Brasil.

Para o gerente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bontempo, o mercado de carbono é parte de uma estratégia maior, que inclui a redução do desmatamento ilegal, a expansão de energias renováveis e o fortalecimento da política nacional de biocombustíveis.

“Temos um posicionamento claro de implementação do mercado de carbono no formato cap and trade e que seja por lei, para que a iniciativa dê segurança jurídica para as empresas”, disse.

De acordo com o levantamento, que analisou os mercados da União Europeia, do Japão, da Coreia do Sul, do México e da América do Norte, a regulação do mercado precisa de uma estrutura sólida de governança e uma autoridade reguladora.

Segundo a CNI, “a governança costuma passar por um texto legal e ter a participação dos setores regulados, o que facilita a transferência de conhecimento técnico e de informação.

Já em relação ao órgão regulador, costuma estar sempre na estrutura pública, mas nem sempre é o órgão ambiental, e a operacionalização do registro de permissões pode ser feita tanto pela administração pública quanto por entes privados”.

Para a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, que lidera a organização dedicada a políticas de mudança do clima no Brasil, a proposta em debate está amadurecida, sólida e é uma opção melhor do que as alternativas que estão em tramitação.

“Estamos bastante entusiasmados com a criação desse sistema de comércio de emissões. A questão da governança é o grande ponto crítico e que vai ter que ser bem trabalhado na regulamentação”, disse.

Mercado voluntário de carbono

Enquanto o mercado regulado depende de decisões políticas para ser implementado, o mercado voluntário de carbono já opera no Brasil há anos.

Como a nomenclatura sugere, empresas, indivíduos ou organizações podem, de forma voluntária, compensar as suas emissões.

Com a sociedade cada vez mais crítica a ações que prejudicam o meio ambiente, muitas empresas começaram a compensar as suas emissões de forma voluntária, antes da definição das regras do governo brasileiro e mesmo em setores que talvez não sejam incluídos na fiscalização obrigatória.

Nesse caso, a transação é feita entre a empresa interessada em compensar as suas emissões e outra instituição que gera os créditos.

O que é o Protocolo de Kyoto

O assunto está cada vez mais quente por causa da urgência para enfrentar a crise climática, mas o conceito de crédito de carbono foi oficializado em 1997, com a criação do Protocolo de Kyoto, que definiu metas de redução de emissões para os países desenvolvidos, os maiores poluidores.

Enquanto os mais ricos ainda têm responsabilidades maiores do que as nações em desenvolvimento, o Acordo de Paris, principal tratado para combater as mudanças do clima, definiu que todos os governos devem contribuir com metas próprias.

Para o Brasil, o mercado regulado de carbono pode se tornar um importante sinal de avanço na agenda climática e uma ação concreta para valorizar as florestas em pé.

Jennifer Ann Thomas – Repórter freelancer