- Home
- Mercado financeiro
- Economia
- Em entrevista, Haddad minimiza rejeição e diz que tem eleitorado mais fiel que o de França
Em entrevista, Haddad minimiza rejeição e diz que tem eleitorado mais fiel que o de França
Pré-candidato ao governo estadual, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad admite haver ‘um pouco de euforia’ no PT por liderar pesquisas presidenciais. Em SP, atribui a má avaliação de sua gestão e a sua rejeição a problemas de comunicação e ao antipetismo. Em entrevista ao GLOBO, o petista também diz que Márcio França perderá intenção de votos no decorrer da campanha.
O PSB ainda tem esperança que o senhor desista. Existe essa possibilidade?
Quem tem esperança não é o PSB. É o Márcio (França), que tem todo direito de nutrir expectativas porque tem uma candidatura. Assim como o PT, por liderar as pesquisas, por ter outros quatro partidos próximos de uma coligação, por ter tempo de TV, por ter rede social. Nunca mencionei a hipótese de constranger o Márcio a abrir mão da candidatura. Pelo contrário, disse que seria uma honra ter o PSB na chapa, mas que entendia plenamente a condição da manutenção da candidatura dele.
Descarta essa hipótese ainda se perceber que uma candidatura petista em São Paulo possa colocar em risco a eleição do Lula?
Eu não bato bumbo em torno das pesquisas, mas eu venço em qualquer cenário do segundo turno. Estamos abertos a uma a uma negociação com o PSB, que tem sido um partido extraordinário. Em 2018, o Márcio França não teve condições de me apoiar no segundo turno nem de receber o meu apoio.
O senhor compreende essa posição do França em 2018?
Eu compreendo tanta coisa. Se não compreender as coisas, não vai para frente. A gente tenta evitar o cenário igual. Hoje o Márcio apoia o Lula, independente de ter duas candidaturas. Isso que tem de ser louvado. Ele não está condicionando o apoio ao Lula à minha desistência. E hoje o mais provável é ter duas candidaturas.
França argumenta que fala a um eleitorado que o senhor não alcança, para além do PT…
Acho que temos uma leitura diferente das pesquisas, o que é legítimo. Pelo último Datafolha, 40% dos eventuais eleitores do Márcio consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom. Será que esse eleitorado vai permanecer fiel à candidatura dele assim que souber que ele está apoiando o Lula? O meu, não tenho dúvida que permanecerá porque todo mundo sabe quem eu sou. E o grau de coerência que mantive na vida. Ninguém é obrigado a ter a mesma metodologia de análise da pesquisa. Mas eu dou aula disso, sou professor de ciência política.
Há quem diga que o PT está de salto alto. O senhor concorda?
Eu acredito que é muita fantasia especulativa. Não existe isso. O PT é um partido profissional que disputou oito eleições e foi para o segundo turno ou ficou em segundo lugar em todas. Às vezes, tem um pouco de euforia, porque a gente viveu um período tão difícil. É natural que você retome o fôlego liderando as pesquisas no país e num estado tão importante quanto São Paulo. Há muita compreensão de que há riscos envolvidos na atitude do Bolsonaro. A gente sabe que vai ter dinheiro sujo na campanha para bombardear a população com fake news.
Com a candidatura do França, Alckmin, que foi um trunfo de Lula, não deverá estar em seu palanque. O quanto isso pode prejudicá-lo?
Tem pesquisas dizendo que o eleitor do Alckmin tem preferência por mim. Não é automático.
Uma boa parte da população paulista diz que não votaria de jeito nenhum no senhor. A rejeição é de 34%, a maior entre os candidatos. A que atribui?
Esse índice é histórico, o PT tem mais ou menos essa faixa. Time grande tem torcida contra. Time pequeno não tem torcida contra. Normal.
Mas a reprovação à sua gestão ao sair da prefeitura foi ainda maior, de 48%, no Datafolha. Por quê?
Primeiro ao fato de não ter havido uma avaliação ao final do meu governo. Sou o único prefeito de São Paulo que não teve. Talvez porque estavam satisfeitos com a avaliação feita no calor do impeachment (da ex-presidente Dilma Rousseff). E tinha um aparato midiático diário contra a administração, muito virulento. Então eu gostaria de ter sido avaliado depois da campanha, quando tive oportunidade de me defender. E enfim, teve todo o contexto político e falhas nossas de se comunicar. Eu não fujo à responsabilidade. Eu acho que o cenário mudou, já em 2018, quando tive 40% dos votos na capital. E hoje estou liderando na capital.
Não há nada que o senhor reconhece que poderia ter feito diferente, de que se arrependeu?
De medidas administrativas, não. Mas de comunicação e forma de implantação, sim. Às vezes, medidas que, para mim, eram óbvias exigiriam mais tempo de diálogo. Eu lembro de gente falando “mas o relevo de São Paulo é impróprio para ciclovia, ninguém anda de bicicleta”. Hoje, há milhares de garotos de bicicleta como entregadores de aplicativo. Como estaria esse povo se não fosse a malha cicloviária?
Falhou a comunicação também na redução da velocidade das vias?
O número de acidentes caiu 50% e melhorou o trânsito, segundo dados oficiais. Fiquei impressionado com a falta de apoio da imprensa. A imprensa, que se apresenta como arauto da modernidade, poderia pegar as práticas internacionais. Em qualquer lugar do mundo, o Haddad seria considerado um prefeito visionário. E aqui no Brasil ele só recebe crítica da imprensa. Eram todos os veículos de imprensa querendo impedir a chegada da modernidade a São Paulo. Resolvi fazer o que era certo e esperar o tempo me dar ou não razão. Brigar com o prefeito que faz faixa de ônibus, ciclovia e reduz a velocidade? Até hoje tenho dificuldade de entender porque fizeram isso comigo. Era por causa do PT?
O PT não deve explicações à sociedade sobre os casos de corrupção em que se envolveu nos últimos anos?
A resposta é muito clara. É preciso ver se um governo fortaleceu ou enfraqueceu a legislação e os órgãos de combate à corrupção. Esse é o julgamento que eu faço. O Bolsonaro enfraqueceu tudo: a legislação e os órgãos. O PT fortaleceu tudo. Isso o próprio ex-juiz Sergio Moro reconhece numa sentença condenatória.
E alguns desses mecanismos propiciaram as investigações de escândalos que chegaram ao próprio partido.
Não importa se voltaram-se contra o partido. Fez o certo: delação premiada, lei anticorrupção, leniência e Controladoria-Geral da União com status de ministério, independência da Polícia Federal e autonomia do Ministério Público. Quem está disposto a fazer lambança não fortalece órgãos de controle. A estratégia do Moro de ser candidato foi ridícula e pueril. Ele vinculou os diretores de 30 anos de carreira da Petrobras que se deixaram corromper por uma quadrilha de empreiteiros ao presidente da República. Estava na cara que aquilo era armação para projetar um novo nome para a política nacional. E hoje acho que tem que fazer um balanço sério do que aconteceu. O PT, a imprensa, a oposição. Porque foi muito ruim jogar toda política na vala comum. Aí, um aventureiro da pior espécie, o Bolsonaro, chega à Presidência. Houve erros de muitos lados.
O senhor é a favor das câmeras nos uniformes dos policiais, implementadas por Doria, mas a medida não invade a privacidade deles?
Não é verdade. Não tem invasão de privacidade. Mas todas as ações são sujeitas a aperfeiçoamento. Agora, isso é um detalhe do que precisa ser feito na segurança pública. Nós precisamos de um plano de metas, fazer uma hierarquia dos crimes, do mais grave ao menos grave. E metas de redução da criminalidade e resolutividade dos crimes. Temos de associar isso à valorização profissional do trabalhador em segurança, tanto militar quanto civil.
Como pretende aplicar isso?
Com valorização profissional do ponto de vista da carreira e da remuneração. E investimento em tecnologia e inteligência. Atrás de um menino preso por roubo de celular, tem uma quadrilha de receptação. Se você não desbaratar a quadrilha, vai enxugar gelo. Agora, com 15 mil policiais civis a menos e sem valorização da carreira e equipamentos de última geração, o que vai conseguir?
Como será a relação se o senhor vencer em São Paulo e o Bolsonaro no Brasil?
Muito improvável ocorrer. Um dos erros do Doria foi usar o governo estadual como palanque eleitoral. Ele colocou os interesses políticos pessoais acima do que seria o razoável numa crise sanitária e econômica. O “Bolsodoria” fez muito mal para o Brasil. Tanto quando se uniram na eleição de 2018, como quando se desuniram um ano depois. Doria pecou pela ansiedade, falta de profissionalismo, autopromoção. Governador não é oposição, como deputado e senador. Um governador tem que agir de maneira diferente do ponto de vista institucional.
O que Bolsonaro vai fazer se perder a eleição?
Vai espernear, mas ele não tem condições externas e internas de manter um regime de força aqui. Até porque são oito milhões de universitários hoje no Brasil. No golpe de 1964, eram 200 mil e, em geral, da elite. Hoje tem uma massa crítica na universidade de outra natureza. Ele vai conflagrar o Brasil? A democracia vai ser defendida com unhas e dentes. Ele vai fazer o que o Trump fez, piorado. Se nos Estados Unidos, onde a democracia é mais consolidada, houve cinco mortes, aqui pode ser pior. Mas não vai ser bem-sucedido. Não vai acontecer o mesmo de 1964.
Quem será o seu principal adversário: Tarcísio Freitas ou o governador Rodrigo Garcia?
Rodrigo Garcia é tão tucano quanto o Tarcísio é paulista. Não existe isso. O Rodrigo nunca foi tucano. Sempre foi linha auxiliar dos tucanos porque eles ganhavam eleição. E o Tarcísio nunca foi paulista, nunca morou em São Paulo. O Tarcísio vai tentar o voto bolsonarista mais cego. Não sei qual é a estratégia do Rodrigo. Até porque ele é um ser em construção. Não sabemos o que quer ser quando crescer.
Por Sérgio Roxo e Gustavo Schmitt — São Paulo
Leia a seguir