Nível do desemprego influencia juros nos EUA; isso também acontece no Brasil?

Dados de desemprego serão usados pelo Fed para orientar decisão sobre juros na próxima semana; especialistas avaliam se essa relação também existe por aqui, e por que

O prédio do U.S. Federal Reserve Building em Washington, D.C. - Foto: Reuters
O prédio do U.S. Federal Reserve Building em Washington, D.C. - Foto: Reuters

O Payroll, relatório que mede o desempenho do mercado de trabalho americano, deve ajudar a nortear a decisão do Fed, o banco central local, na próxima reunião, no dia 21 de setembro, que definirá o destino da taxa de juros no país.

Em discurso no final de agosto, o presidente do banco, Jerome Powell, ressaltou a relação entre uma eventual manutenção da política de alta dos juros com o aumento do desemprego para tentar conter a inflação, que voltou a subir em agosto, chegando a 8,3% em 12 meses.

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O presidente Joe Biden disse que os Estados Unidos têm conseguido amenizar o efeito do aumento dos preços mantendo o mercado de trabalho aquecido. Mas Powell disse que novas altas nos juros provavelmente causarão um enfraquecimento do emprego nos Estados Unidos.

“O Fed olha muito para salário e questão de emprego nos Estados Unidos”, diz William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue e colunista da Inteligência Financeira.

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Mas essa relação entre mercado de trabalho e alta dos juros é pouco vista no Brasil, segundo Alves. E ele explica o porquê.

O estrategista-chefe da Avenue diz que as famílias americanas são mais alavancadas – usam mais as linhas de crédito – que as brasileiras, por isso, o aumento dos juros impacta mais os americanos. E quando empregados, os americanos se sentem muito mais à vontade para aumentar o consumo e contrair crédito.

“À medida que a política monetária se torna mais restritiva, as pessoas tendem a consumir menos porque o crediário fica mais caro, e fica mais difícil comprar uma casa, um carro, fazer qualquer coisa num crediário”, explica.

Juros no Brasil

No Brasil, a relação entre aumento de juros e contenção da inflação pode não ser tão direta, porque o nível de renda da população está descolado do patamar de juros.

Pelo fato de as taxas já serem muito acima do acessível, a mudança de patamares de uma taxa de 9,25%, como se viu no começo do ano, para 13,75%, como está agora, causa pouco efeito sobre o brasileiro, que já estava excluído do sistema de crédito anteriormente, e segue dessa maneira.

“No Brasil, você tem uma taxa de juros que é estruturalmente maior, então, acaba que por ser sempre alta os consumidores são menos sensíveis a elas”, aponta o estrategista-chefe.

Endividamento público

Ricardo Tadeu Martins, economista-chefe da Planner Corretora, reconhece que, no Brasil, a alta dos juros não tem o potencial de controlar a inflação relacionada ao consumo por conta do descolamento entre renda e taxa de juros. “Pelo histórico brasileiro, essa relação (entre aumento do emprego e inflação) não existe”, avalia.

Mas ele afirma que a Selic acaba sendo um remédio para barrar a inflação produzida pelo endividamento público. Os juros são a principal ferramenta para controlar os gastos públicos e “matar o mal” da inflação “pela raiz”, indica Martins.

“No Brasil a inflação oficial é o IPCA, mesmo indexador de títulos públicos, que é a forma do governo financiar seus investimentos ou seu endividamento”, explica. E quando a dívida pública aumenta, o Banco Central utiliza a taxa básica para frear a inflação e, por consequência, a capacidade de endividamento do governo, ele explica.

Inflação e consumo no Brasil

No Brasil, o histórico inflacionário segue sendo utilizado para justificar as taxas de juros altas.

Se a ideia é ir além de barrar o endividamento público e controlar a inflação causada pelo consumo, a medida não tem surgido efeito, pelo menos desde o início do último ciclo de altas dos juros.

A Selic começou a subir em março de 2021, quando esteve pela última vez no patamar histórico de 2%, subindo sem interrupção até chegar a 13,75%, patamar atual.

No mesmo período, a inflação disparou e os preços ao consumidor calculados pelo IBGE fecharam o ano de 2021 com alta de 10,6%, bem acima do teto da meta, que era de 5,25%.

Para 2022, a perspectiva é de inflação a 6,40%, ainda distante dos 5% de teto, definido pelo governo no início do ano.

O economista sênior do Banco ABC Brasil, Adriano Ribeiro, diz que os preços não têm caído, mesmo diante da alta de juros, por alguns fatores externos e internos.

“Dentre os externos, um se deve aos choques globais que vêm causando a inflação subir em quase todo o mundo. A reabertura da economia global com os estímulos fiscais e monetários impulsionaram a demanda agregada e, assim, os preços”, diz o economista.

“Além disso, os preços das commodities alimentícias e energéticas subiram muito fortemente com a invasão da Rússia na Ucrânia”, completa.

Com relação aos fatores internos, ele destaca a condição climática como um fator importante para a manutenção dos preços altos. “Eventos como geadas e seca afetaram diretamente o preço dos alimentos consumidos aqui”, completa.

Taxa de juros e emprego

Ribeiro diz que “o funcionamento da política monetária é teoricamente o mesmo” entre Estados Unidos e Brasil, e também os resultados almejados. Ele avalia que a alta dos juros pode, sim, ter uma relação mais direta com o aumento do desemprego no Brasil.

“A taxa de juros impacta a atividade econômica, desacelera a demanda agregada até que seja refletida em maior desemprego”, avalia. E, caso a política de juros continue como está, deve haver algum impacto no mercado de trabalho e na renda como forma de controlar a inflação, tanto aqui quanto nos Estados Unidos.

“A taxa de juros no Brasil no patamar atual, em algum momento, afetará a atividade econômica e o mercado de trabalho, fazendo a economia desacelerar e, assim, derrubar os preços”, afirma o economista.

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