Conheça as propostas de economistas para garantir programas sociais e contas em dia

Soluções apontadas por especialistas passam por meta de dívida, superávit primário, reformas e novo tipo de teto

Congresso Nacional visto a partir do Palácio do Planalto. Foto: Cléber Medeiros/Senado Federal
Congresso Nacional visto a partir do Palácio do Planalto. Foto: Cléber Medeiros/Senado Federal

Apesar de todo o ruído no mercado com o impacto fiscal da “PEC da Transição”, proposta de emenda à Constituição que abre espaço para gastos do futuro governo, economistas experientes dizem que é possível manter boas políticas sociais com as contas em dia. E sugerem alternativas para uma nova âncora fiscal no futuro governo Lula, que possa substituir o teto de gastos na tarefa de dar previsibilidade sobre as contas públicas. Em comum, as propostas têm a opção de usar como referência a trajetória da dívida pública a médio prazo.

Em um artigo escrito junto com o economista Marcos Mendes, publicado na semana passada na Folha de S.Paulo, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga defendeu que é preciso perseguir uma meta para a redução da dívida em relação ao PIB em dez anos. Ele usou o percentual de 65% em uma década, mas esclareceu depois, em entrevista ao GLOBO, que se trata de um número arbitrário.

Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS

Com a inscrição você concorda com os Termos de Uso e Política de Privacidade e passa a receber nossas newsletters gratuitamente

“Estamos propondo trazer de volta as duas âncoras que nós já tivemos. Uma voltada para o controle da dívida, pois exigia geração de superávits primários, e a mais recente, que é o teto de gastos, ou seja, um limite ao tamanho do Estado. Ou seja, não dá para ficar crescendo em aberto nem a dívida nem o gasto”, disse Arminio.

Em linha com essa ideia, um grupo de economistas, que se intitula Elas no Orçamento, sugeriu que, em vez do teto, seja adotada uma meta de endividamento público de médio prazo, que esteja integrada com projetos de desenvolvimento econômico e social. A proposta do grupo, que conta com nomes como o da economista Mônica de Bolle, também propõe um novo teto para as despesas primárias dentro de um horizonte de quatro anos.

Últimas em Economia

Há, ainda, outras duas propostas em discussão. O secretário estadual da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, encaminhou à equipe de transição do presidente eleito a sugestão de trocar o teto de gastos por uma âncora fiscal que permitiria ao governo aumentar gastos acima de inflação de acordo com a trajetória da dívida pública. Por sua proposta, o teto de gastos poderia ser substituído pelo teto da dívida.

Fim de deduções no IR

E, há cerca de dez dias, servidores do Tesouro Nacional encaminharam uma proposta própria à equipe de transição. Esta limita o crescimento real dos gastos do governo à trajetória da dívida líquida: quanto menor o nível da dívida líquida do governo, maior pode ser a taxa de crescimento real das suas despesas.

Uma outra forma de obter o equilíbrio fiscal seria reformular as despesas, por meio de uma reforma administrativa, e otimizar a cobrança de impostos. Em uma eventual reforma tributária, a arrecadação pode até crescer com elevações específicas de tributos, embora em um cenário mais eficiente. Neste contexto, alguns subsídios públicos poderiam ser revistos.

Ex-diretor de Política Econômica do BC e hoje economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita avalia que, a partir de 2023, haverá duas discussões sobre a mesa: o que acontecerá com o teto de gastos — que proíbe o crescimento das despesas acima da inflação — e o aumento de impostos.

Para Mesquita, a elevação e o ajuste de alguns tributos seriam uma forma de compensar a expansão dos gastos sociais. Ele destaca a necessidade de uma reforma tributária que acabe, por exemplo, com as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda.

“Todos sabemos que essas deduções só atendem a pessoas com renda mais alta. Há formas justas de acertar as contas”, afirmou o economista.

Revisão de programas

A reforma administrativa seria uma opção para ajudar a permitir a responsabilidade fiscal com a adoção de medidas sociais, segundo Mesquita. Ele também apontou, sem citar nomes, a privatização ou liquidação de algumas das chamadas estatais dependentes.

O ex-secretário do Tesouro e hoje CEO da Bradesco Asset Management (Bram), Bruno Funchal, acredita que a revisão dos atuais programas de transferência de renda pode ser um bom passo para garantir o pagamento de benefícios como os do Bolsa Família no futuro. A um prazo mais curto, logo em 2023, outra medida seria a reversão da desoneração do PIS/Cofins e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

“Esta é uma alternativa rápida que traria uma fonte, pelo lado da receita, para viabilizar aquilo que o novo governo traz como mais urgente e indispensável”, disse Funchal.

Entenda as propostas

Arminio Fraga e Marcos Mendes

Os economistas formularam uma proposta com metas para dívida e gasto públicos, com planejamento plurianual, de forma parecida com o que ocorre em vários países. Cláusulas de escape permitiriam gastar acima do teto em emergências. Em seguida, o superávit primário para estabilizar a dívida seria recalculado. Ao usar duas âncoras — dívida e gasto — o modelo se aproxima do sinalizado por Geraldo Alckmin ontem.

Grupo Elas no Orçamento

O grupo de mulheres economistas propõe uma nova alternativa de âncora fiscal, que tem por base dois pontos. O primeiro é uma meta de endividamento público de médio prazo, integrada a projetos de desenvolvimento econômico e social. O segundo é um novo tipo de teto para as despesas primárias dentro de um horizonte de quatro anos. O objetivo é garantir previsibilidade e flexibilidade ao mesmo tempo.

Nova proposta do Tesouro Nacional

A norma admite crescimento de gastos acima da inflação, de acordo com a trajetória da dívida pública: se a relação dívida/PIB estiver baixa, o governo poderia gastar mais. A regra concede um “bônus” de gastos quando as contas públicas ficam no azul — o chamado superávit primário. No primeiro ano de vigência, a variação das despesas teria adicional único de 2% (além da inflação) para ampliar o custeio da máquina pública e os investimentos.

Felipe Salto, secretário de SP

Na opinião do titular da Fazenda de São Paulo, o teto não existe mais, por ter sido “furado” em 2020, 2021 e 2022. Para o ano que vem, Salto defende uma licença de gastos extra de R$ 120 bilhões. Ele sugere uma meta de dívida tendencial, ou seja, um indicativo de caminho da relação da dívida/PIB no longo prazo. Assim, o governo pode ter gastos crescendo mais que a inflação, desde que isso não comprometa a relação da dívida.

Por Eliane Oliveira

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


VER MAIS NOTÍCIAS