Análise: BC mantém cobrança sobre incerteza fiscal, apesar de fala de Guedes

É compreensível que a autoridade monetária coloque esse fator como elemento de risco para a trajetória da inflação, diz Fabio Graner, do JOTA

Paulo Guedes, ministro da Economia (Foto: Agência Brasil)
Paulo Guedes, ministro da Economia (Foto: Agência Brasil)

Ao anunciar a decisão de manter os juros em 13,75% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) apontou riscos para cima e para baixo na inflação. E mais uma vez a questão fiscal foi sinalizada como um elemento de pressão de alta de preços.

“Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se… (ii) a incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos”, diz o colegiado, que depois de muito tempo tomou uma decisão sobre juros sem unanimidade – dois diretores votaram por uma alta de 0,25 ponto porcentual na taxa Selic.

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O BC tem há anos batido na tecla da questão fiscal. Periodicamente sobe o tom em seus documentos e falas de seus dirigentes. No comunicado desta quarta-feira (21), não se alongou no tema. Mas o comentário ganha relevância em uma semana na qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, se queixou das críticas da autoridade monetária à questão fiscal, apontando que ela não percebeu que o país já caminhava para resultados fiscais positivos depois de uma década.

Há que se reconhecer que os números fiscais, há mais de um ano, têm sido bem melhores que o esperado. Assim deve ser em 2022, como vai apontar nesta quinta-feira (22) o quarto relatório bimestral de receitas e despesas, indicando pela primeira vez um superávit do governo central, da ordem de R$ 13 bilhões.

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E também é bastante questionável se cabe ao BC ficar fazendo cobranças sobre a questão fiscal em seus documentos e na voz de seus dirigentes. Em alguns momentos, claramente Roberto Campos Neto e sua equipe exageraram no tom e saíram de suas funções.

Por outro lado, é forçoso reconhecer que há incertezas importantes no campo fiscal, apesar dos dados correntes positivos. Para além de questões ideológicas que muitas vezes permeiam esse debate, que envolve por exemplo qual o melhor desenho e tamanho do Estado na economia, o fato é que nos últimos anos a política fiscal teve muitos momentos em que provocou dúvidas.

Foi assim no fim de 2020, com a discussão sobre o fim do auxílio emergencial. Depois em 2021 com o debate de sua retomada e sobre como lidar com o teto de gastos. E no mesmo ano com a PEC dos Precatórios, que visava conter os estragos do “meteoro” de dívidas emitidas pela Justiça. Em 2022, com as eleições comandando as decisões políticas, as incertezas se ampliaram, a partir de discussões mal feitas sobre aumento no Auxílio Brasil para R$ 600, desoneração de combustíveis em nível federal e estadual, entre outras medidas.

E para 2023 há novas incertezas. O cenário de aumento de despesas parece certo nas duas campanhas que lideram a disputa para outubro. Mas o tamanho disso não é claro. O time econômico atual já sinaliza uma virada de superávit para déficit de R$ 63,7 bilhões no próximo ano sem nem contabilizar a promessa de renovação do auxílio de R$ 600, que precisará ficar fora do teto de gastos, e correndo risco relevante de dar um reajuste maior do que os 5% reservados para os servidores.

Para além disso, o time do ministro Paulo Guedes trabalha em propostas que, na prática, devem flexibilizar de alguma forma o teto de gastos, ampliando a despesa. A mais recente e que parece ter ganho tração é a da Secretaria de Política Econômica, que vincula o aumento de gastos ao PIB, a partir de um cenário de dívida. A outra, liderada pelo Tesouro (que tem feito a apresentação da proposta para diversos atores econômicos), é mais diretamente atrelada à trajetória da dívida.

Na campanha petista, fala-se de um “waiver” (perdão), que é na prática um cheque para gastar fora do teto no primeiro ano do próximo governo. O tamanho disso está indefinido, mas pelos sinais pode-se pensar em ao menos R$ 100 bilhões, sendo que há fontes apontando necessidade de gastos para o próximo ano de R$ 200 bilhões a mais do que está previsto no orçamento atual. Ou seja, o déficit, se não houver uma receita adicional, pode pular de 0,6% do PIB previsto no PLOA para a casa de 2% do PIB.

Apesar do frisson causado pelo apoio do ex-ministro Henrique Meirelles a Lula, a realidade é que o ex-presidente e seu entorno seguem firmes na tese de que o teto de gastos, tão caro a Meirelles, será revogado. Nesta quarta, em evento com pessoas com deficiência, Lula ainda bombardeou a chamada “ponte para o futuro”, que em grande parte foi feita pelo ex-ministro na gestão Temer, dizendo que ela levou ao “abismo”.

Revogar o teto não seria um problema em si, afinal a regra não é sagrada e está longe de ser perfeita. Seus problemas de concepção original ficaram muito evidenciados com os dribles constantemente feitos no governo Bolsonaro. O complicado, porém, é que a campanha petista ainda não deixou claro o que pretende colocar no lugar como arcabouço fiscal, sinalizando mais claramente um compromisso com a saúde das contas públicas para além de um genérico “aprendi com minha mãe a não gastar mais do que tenho”.

Dessa forma, apesar de não ser função do BC ficar fazendo cobranças sobre a política fiscal, de fato a incerteza nesse campo está acima do usual. Por isso, é compreensível que a autoridade monetária coloque esse fator como elemento de risco para a trajetória da inflação, principalmente porque é um elemento de pressão na taxa de câmbio, que teima em ficar acima dos R$ 5. Fica a torcida para que as lideranças políticas reduzam essas incertezas o mais breve possível.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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