Economistas analisam os planos de governo de Lula, Bolsonaro, Ciro e Simone

Candidatos defendem ampliação do Auxílio Brasil, mas geram dúvidas sobre a continuidade ou não do teto de gastos

Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet, candidatos à Presidência da República em 2022 — Foto: Bruno Kelly/Reuters, Albari Rosa/AFP, Andre Penner/AP e Miguel Schincariol/AFP
Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet, candidatos à Presidência da República em 2022 — Foto: Bruno Kelly/Reuters, Albari Rosa/AFP, Andre Penner/AP e Miguel Schincariol/AFP

Obrigatórios desde 2009, os planos de governo dos candidatos à Presidência entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ajudam o eleitor a entender como eles pretendem conduzir o país caso sejam eleitos. Apesar de não se aprofundarem nas propostas, os documentos trazem sinalizações importantes para a economia.

O JOTA ouviu três economistas: Alexandre Pires, professor do Ibmec-SP, Carla Beni, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset. Eles irão nos ajudar a ir além da superfície das propostas econômicas dos planos de governo dos quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

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Um ponto levantado pelos três economistas é que, embora considerados um avanço fundamental por registrar algumas promessas de campanha, a ausência de normas e de um formato específico fazem com que os planos de governo entregues sejam meras “cartas de intenções” — o que, claro, não tira a sua relevância, apenas aponta pela necessidade de se adotar um modelo mais completo.

Para os três economistas, a ausência de propostas claras sobre o que irá substituir o teto de gastos é preocupante. Lula e Ciro admitem que irão alterar o teto, Bolsonaro e Tebet defendem as regras no plano de governo, mas a equipe econômica do atual governo já estuda mudanças no arcabouço fiscal. Outro ponto apontado pelos economistas é que todos os candidatos defendem ampliação dos programas de transferência de renda, com poucas explicações de onde sairão os recursos.

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Leia abaixo a análise dos economistas.

Alexandre Pires, doutor em Ciências Econômicas pela USP e professor do Ibmec-SP

Ao comparar os quatro programas, o economista Alexandre Pires coloca de um lado os programas econômicos dos quatro principais candidatos.

“Uma parte do plano de governo de Bolsonaro segue muito as determinações que já vinham sendo costuradas desde o governo Temer, claro que com algumas mudanças. E como a atual proposta de Simone Tebet é praticamente uma continuação do Ponte para o Futuro, que orientou o governo Temer, existem convergências nos dois programas: a manutenção do teto de gastos, a responsabilidade fiscal, a manutenção da reforma trabalhista”, explica o professor.

“Já os planos dos dois candidatos que são mais oposicionistas, tanto o do Ciro Gomes quanto o do Lula, são programas que vão atacar o teto de gastos, alegando falta de recursos para programas que eles consideram fundamentais como ligados às áreas de Saúde e Educação. Eles também são contrários à reforma trabalhista e defendem algum tipo de revogação”, prossegue.

Uma questão, no entanto, é apontada como comum a todos os textos: a manutenção de um programa de transferência de renda nos moldes do Auxílio Brasil. “Todos os candidatos propõem uma tentativa de manutenção no valor do Auxílio Brasil, que é o antigo Bolsa Família, com elementos do Auxílio Emergencial”, explica.

No caso do petista, seu programa publicado fala em um Bolsa Família renovado e ampliado, “que recupere as principais características” do antigo programa e que, “orientado por princípios de cobertura crescente, baseados em patamares adequados de renda, viabilizará a transição por etapas, no rumo de um sistema universal e uma renda básica de cidadania”. Ele tem prometido manter os atuais R$ 600 de benefício básico e um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos.

Ciro Gomes é o único candidato que prevê o pagamento de R$ 1.000, em média, para cerca de 24,2 milhões de famílias, englobando os pagamentos feitos hoje pelo Auxílio Brasil, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a Aposentadoria Rural.

Outro ponto de consenso entre os quatro candidatos, apontado pelo professor Alexandre Pires, é o da correção da tabela do Imposto de Renda.

“É um aceno para a classe média. O próprio atual governo havia prometido, mas pelo volume de recursos, é difícil você substituir essa arrecadação e o governo tem pouquíssima margem no Orçamento. Isso mostra que esses discursos valem muito durante a campanha, mas nem todos são factíveis”.

A forma de como fazer a correção da tabela, no entanto, é diferente entre os candidatos. “Se pegarmos as propostas tanto do Bolsonaro quanto da Simone Tebet, eles falam em programas de aumento da eficiência do Estado, corte de gastos da máquina, privatizações”, explica. “Já para o Lula e para o Ciro Gomes, a proposta é centrada em repartir essa carga tributária, passando para os contribuintes de mais alta renda, como com a taxação de grandes fortunas”.

Pires conclui apontando que em relação ao endividamento das famílias, Ciro Gomes tem sido o candidato mais vocal.

“Ciro bate mais nessa tecla, desde 2018. O programa do Bolsonaro captura um pouco essa ideia. A ideia das renegociações. No programa da Simone não há destaque para isso e Lula acaba falando mais de carestia e de custo de vida”, conclui.

No último mês, Lula também passou a chamar atenção para essa questão e propôs o “Desenrola Brasil”, um programa voltado para a renegociação de dívidas.

Carla Beni, economista e professora da FGV-SP

A economista Carla Beni estudou os planos dos quatro candidatos e começa com uma consideração: esses documentos deveriam ter um modelo a ser seguido para que fossem mais profundos.

“Os planos são cartas de intenções repletas de frases que começam com vamos, faremos, mas não explicam como farão. Os planos deveriam ser mais críveis, as análises ficam muito vagas. Acho que podemos evoluir”.

Carla divide os programas pelos seus eixos centrais. O de Bolsonaro, segundo a economista, é “que o primeiro mandato dele foi um sucesso e ele quer repetir o feito”.

“O plano é centrado na pessoa do Bolsonaro e não cita o seu vice. Ele se compromete com o Auxílio de R$ 600, o que é um paradoxo, já que ele não enviou esse valor no projeto do Orçamento 2023. Ele fala em ampliar o processo de desestatização e bate muito na tecla do combate à corrupção”, explica a economista.

O valor do Auxílio Brasil é de R$ 400, mas Bolsonaro, com aval do Congresso, aumentou para R$ 600 desde agosto e somente até o final do ano, coincidindo com o período eleitoral. Apesar do caráter temporário desse acréscimo de R$ 200, ele assegura irá manter o atual patamar a partir de janeiro — ainda que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem indique o oposto.

O eixo central do programa de Lula, segundo Carla, é o retorno aos feitos anteriores do próprio governo dele, com foco nos investimentos públicos e posição clara contra as privatizações da Petrobras, Eletrobras e Correios, com a defesa do fim do PPI (preço de paridade internacional praticado pela Petrobras) e o fortalecimento dos bancos públicos.

“[Traz] um conceito de que, com Lula, você será feliz de novo. O plano prevê a construção de uma estratégia de desenvolvimento para superar o modelo neoliberal que levou o País ao atraso. Deixa claro o nome do vice, até por precisar disso, e trabalha com o conceito de resgatar a esperança”, explica. “É o único que se compromete de forma clara com políticas públicas para populações negras, jovens e LGBTQIA+. É o único plano bem explícito em relação a essas questões”.

Já o programa de Ciro Gomes tem como eixo central a reconstrução política por meio de um novo projeto nacional de desenvolvimento, o PND. “Ciro também não menciona a vice. Propõe uma virada de mesa, e quer dizer no plano dele que está tudo errado e precisamos refazer. O plano é completo, tem considerações complexas ao propor um novo pacto federativo, mas não explica, por exemplo, o que fará com o Centrão”, argumenta.

Entre as propostas econômicas, segundo a economista, há pontos interessantes como reforma previdenciária baseada em um tripé de renda básica garantida, regime de repartição e regime de capitalização. “Ele também defende o Banco Central com mesma autonomia e modelo americano, com busca ao combate à inflação e ao pleno emprego, e isso é o que há de mais moderno no sistema mundial. Ele prega a manutenção das agências reguladoras e a renegociação do endividamento das famílias. Assim como Lula, defende um novo código brasileiro do trabalho e a mudança da política de preços da Petrobras, apesar de ser mais radical nesse ponto”.

A candidata do MDB, Simone Tebet, coloca como eixo central do seu plano de governo “o amor e a coragem da mulher como força de reconstrução do País, esse é o apelo”, diz.

“Ela tem esse foco na mulher e abraça o processo inclusivo em função da sua vice. São quatro os eixos principais: justiça social, cidadania, combate às desigualdades e economia verde com governo sustentável, inclusivo e transparente”, explica. “Assim como os demais candidatos, Simone apoia a renda mínima, um programa de distribuição de renda. Ela é a candidata que mais fala de Educação, tem como meta a erradicação do analfabetismo, e aponta um trabalho intenso e estrutura muito detalhada para o sistema educacional”.

A economista finaliza ao diferenciar Simone Tebet dos demais candidatos como a única que não pretende mexer no teto de gastos. “Minha preocupação principal para 2023 é que Ciro e Lula querem rever o teto. O problema é empurrar toda essa artificialidade que criamos nesse semestre para 2023: desonerações, pacote de benefícios eleitorais e tudo sob o teto, que perdeu a credibilidade. Você pode trocar uma ferramenta, mas não tem a proposta do que colocar no lugar. E ninguém fala sobre o orçamento secreto, ninguém fala como combater algo que está se perpetuando a ponto de se tornar uma regra”.

Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor do IFI (Instituto Fiscal Independente)

Especialista na área fiscal, o economista Gabriel Barros vê a proposta fiscal de Simone Tebet como a mais adequada entre os quatro candidatos melhores colocados na pesquisa. “Ela vai na direção correta ao propor um arcabouço fiscal de médio prazo, isso muda a forma de se olhar para o Orçamento”.

Barros, no entanto, é crítico aos outros três que falam em mudar a regra de teto de gastos. “Se você tira o teto de gastos, você deixa de ter uma organização em torno do debate. A chance de se perder o controle é enorme. Tem que melhorar a regra do teto, e não acabar com o teto”.

O economista lamenta que nenhum dos candidatos adote o modelo que ele considera o mais adequado, que é o sueco. “Você mantém o teto e cria subtetos para operacionalizar em prazo de quatro ou cinco anos. E divide por despesa, quanto cada uma vai crescer. O teto estimula a revisão de despesas, as spending reviews, que é algo complementar ao subteto. É importante a gente avaliar a qualidade das políticas públicas. Não é verdade que falte dinheiro. Os programas são desarticulados. É preciso gastar melhor”.

Nessa linha, ele discorda da defesa dos candidatos que defendem mais recursos para programas de transferência de renda como o Auxílio Brasil.

“O Lula no primeiro mandato fez uma fusão 1.0 de políticas sociais criadas no governo FHC e conseguiu dar escala. Por conta disso o Bolsa Família foi muito bem-sucedido. Mas agora não precisa gastar mais. A gente gasta hoje três vezes mais com programas do que no passado”.

Barros conclui dizendo os planos de governo apresentados ao TSE são muito genéricos. “Eles falam na superfície, e na fase em que estamos o diabo mora nos detalhes. A chance de o governo ser bem ou malsucedido está nos detalhes, os planos são insuficientes e acabam ficando muito parecidos”, explica. “Não vi propostas fundamentais. Como vamos aproveitar a janela de oportunidade geopolítica que se abriu? Ou um projeto ambiental com créditos de carbono estruturados, que só vi no plano de governo do partido Novo, que também é o único que toca na importância da agenda digital, de Big data e blockchain no setor público”, conclui.

(Por Mariana Londres, repórter freelancer do JOTA)
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