Análise: Como distinguir uma boa política industrial de uma má

Há uma diferença importante entre políticas que tentam criar crescimento protegendo as empresas nacionais da concorrência estrangeira, e as que ajudam essas companhias a competir com mais eficiência no cenário mundial

Cinco anos atrás, Reda Cherif e Fuad Hasanov, dois economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), escreveram um artigo com o título (ligeiramente) sarcástico “O retorno da política que não deve ser nomeada: Princípios da política industrial”.

O artigo salientou que embora a intervenção política estratégica fosse amplamente vista como um das principais razões do milagre econômico do leste asiático, ela tinha uma “má reputação entre políticos e acadêmicos” — tanto que, a partir da década de 70 a expressão raramente foi mencionada por empresas de prestígio ou pelo FMI.

Não mais. Em abril, o FMI informou ter observado nada menos do que 2.500 ações de política industrial ao redor do mundo só no último ano, das quais “mais de dois terços distorciam o comércio, pois provavelmente discriminavam interesses comerciais estrangeiros”.

Mais surpreendente, as políticas industriais costumavam ser “muito mais prevalentes nas economias emergentes” do que nas desenvolvidas; entre 2009 e 2022, houve cumulativamente 7 mil subsídios monitorados nos países em desenvolvimento, e menos de 6 mil nos países desenvolvidos. Mas o aumento do ano passado foi “conduzido pelas grandes economias, com China, União Europeia (UE) e Estados Unidos respondendo por quase metade de todas as novas medidas [de política industrial]”.

Essa mudança pode ser vista não apenas nos dados, mas também na retórica. Em abril, Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, lamentou que a Europa “carece de uma estratégia sobre como proteger nossas indústrias tradicionais de um campo de jogo global desigual causado pelas assimetrias e regulamentações, subsídios e políticas comerciais”. Ele pediu à UE que responda com uma política industrial.

No Reino Unido, o Partido Trabalhista, de oposição, está reverberando esses temas, pedindo um “New Deal” e apregoando o que chama de “securonomics’. Nos EUA, Donald Trump quer tarifas comerciais enormes, enquanto Joe Biden pediu tarifas para setores como o siderúrgico. A Lei de Redução da Inflação (IRA), promulgada por Biden, é também mais uma política industrial.

Mas qualquer um que pondere sobre esse número impressionante do relatório do FMI precisa se lembrar de um ponto crucial que deveria ser óbvio, mas que é frequentemente esquecido: “política industrial” pode significar muitas coisas diferentes. Como disseram Cherif e Hasanov em um seminário no Instituto Bennett de Cambridge na semana passada, há uma diferença importante entre políticas que tentam criar crescimento protegendo as empresas nacionais da concorrência estrangeira, e as que ajudam essas companhias a competir com mais eficiência no cenário mundial.

A antiga estratégia de “substituição das importações” foi perseguida por muitos países em desenvolvimento nos últimos anos, incluindo a Índia. Trata-se da variante preferida de Trump e que está sendo considerada por alguns políticos europeus, por exemplo, no caso dos painéis solares chineses.

Mas foi esta última abordagem que deu má fama à política industrial. Com base em dados abundantes, Cherif e Hasanov afirmam que os modelos de substituição de importações minam o crescimento no longo prazo, uma vez que criam indústrias excessivamente mimadas e ineficientes.

Por outro lado, a segunda variante da política industrial visa, em vez disso, tornar as indústrias mais competitivas externamente em um modelo voltado para as exportações, preocupando-se menos com as importações. Foi esta abordagem que impulsionou o milagre do leste asiático e é a que cria o crescimento sustentável, segundo sugerem os dados.

A diferença de abordagem é personificada pelos destinos contrastantes da montadora malaia Proton e da coreana Hyundai. A primeira foi desenvolvida com políticas de substituição de importações, e nunca decolou; a segunda floresceu com base numa estratégia voltada para as exportações.

Um cínico pode retorquir que a política raramente é tão clara quanto essas histórias contrastantes sobre automóveis podem sugerir. É difícil para qualquer companhia ser bem sucedida no cenário mundial se seus principais competidores são excessivamente subsidiados em mercados fechados — conforme evidenciado pelos problemas dos fabricantes de painéis solares da União Europeia que tentam competir com seus concorrentes chineses. Também é difícil dizer aos países que procurem um crescimento voltado para as exportações em um mundo em que o comércio está se fragmentando e o protecionismo aumentando.

Em todo caso, embora as estratégias voltadas à exportação funcionem para países pequenos e médios com a Coreia do Sul, elas podem parecer menos relevantes para um gigante como os EUA.

Depois, há a questão mais fundamental em torno das mudanças econômicas. Como observa um artigo publicado no ano passado pelos economistas Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik, embora a “política industrial tenha tradicionalmente se concentrado na indústria transformadora”, é o setor de serviços que hoje domina. Assim, “é provável que os governos olhem para além da indústria transformadora ao considerarem políticas ‘industriais’ de aumento da produtividade no futuro”.

Cherif e Hasanov pensam que instituições como a americana Darpa dão uma pista para medidas de incentivo à inovação nesse espaço; Juhász, Lane e Rodrik citam a formação de trabalhadores e os créditos à exportação. Mas isso requer uma política holística que, digamos, falta aos EUA.

De qualquer forma, o ponto chave é que, na medida em que os políticos ocidentais estão agora cada vez mais satisfeitos em pronunciar as palavras outrora proibidas — “política industrial” — eles precisam definir o que querem dizer com isso. O objetivo é excluir concorrentes do cenário nacional via tarifas?

Ou tornar os produtores nacionais mais competitivos e inovadores em um sentido global e mais capazes de competir? Ou é outra coisa? Os investidores e os mercados precisam de respostas claras. E, o mais importante, o mesmo vale para os eleitores.

Com informações do Financial Times e do Valor Pro, serviço de notícias em tempo real do Valor Econômico