Ajuste ruim de gastos, câmbio pressionado e inflação: tempos difíceis à frente na economia

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados
O governo Lula chegou à metade de seu mandato com uma sensação de preocupação. Foram dois anos de falta de ajuste na esfera fiscal, com dívida pública crescente e déficits primários contratados para os quatro anos de governo. O problema é que a dívida pública é elevada e cara por conta da taxa de juros.
Para muitos, bastaria baixar forçadamente os juros que a dívida gradativamente cairia. Mas o contrário se daria. As expectativas piorariam pela percepção de erro de condução na política monetária e o Banco Central precisaria subir ainda mais juros no futuro. Vimos isso acontecer em 2011 no governo Dilma.
O caminho duro, assim, passa por um ajuste mais severo nas contas fiscais.
O governo passou os dois primeiros anos vendendo a ideia de que aumentar a arrecadação bastaria. Não foi suficiente, como esperado, dada a elevada carga tributária brasileira e a resistência da sociedade e do Congresso a mais impostos. Restaria um ajuste nos gastos, que o governo prometeu em novembro do ano passado que seria um bom ajuste.
Mas não foi.
Condução da economia
A consequência estamos vivendo agora, com câmbio mais pressionado, uma demanda mais forte pelos excessos da política fiscal e esses dois componentes ajudaram e muito a piorar a inflação em 2024.
O caminho certamente não é atacar a inflação de alimentos, que tem questões climáticas por trás e, em ano de safra forte, tende a ter uma inflação menor do que no ano passado.
O ponto central teria que passar pelo governo fazer um ajuste fiscal mais forte, que não vai acontecer pela proximidade do próximo ciclo eleitoral e pelos sinais que o governo dá de caminhar para um terreno mais populista.
Vimos isso no dia da decisão da Selic, quando o governo divulga uma medida para aumentar o crédito consignado do setor privado, quando seria melhor se o governo soltasse medidas para conter a expansão do gasto público.

Incerteza sobre incerteza: Copom Frankenstein
Para adicionar incerteza sobre incerteza, a decisão do BC, correta, de aumentar a Selic em 1 ponto percentual veio com um comunicado meio Frankenstein.
Começa com uma sinalização importante dos problemas na economia, mas decide por manter a trajetória iniciada em dezembro de três altas de 1 ponto em sequência.
O BC se amarrou à decisão de dezembro em um momento em que as expectativas só pioraram de lá para cá.
Haveria necessidade de um tom a mais na decisão, por exemplo, já sinalizando novas altas depois dos 14,25% que chegará na próxima reunião.

Ao deixar tudo em aberto em um cenário de tanta piora, ficou uma certa dúvida sobre o comprometimento real do BC em levar a inflação para a meta.
Como tenho falado há dois anos, o governo Lula será e tem sido um governo de inflação no teto da meta. Assim como foi o governo Dilma, com a diferença de um teto dois pontos percentuais menor. Essa incerteza sobre as políticas fiscal e monetária não ajudam na composição de um 2026 favorável.
Será um ano eleitoral e econômico infelizmente difíceis, mas em grande parte por construção do próprio governo.
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