80 anos da CLT: o que mudou?
Os avanços e desafios diante das demandas da sociedade e do mercado de trabalho
Em 1º de maio de 1943, o então presidente Getúlio Vargas sancionou o Decreto-Lei 5.452, criando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), primeira legislação unificada e específica no Brasil abordando os direitos e deveres dos empregados e empregadores.
Desde então, não há, até hoje, lei mais popular no país, seja nas noções diretas e indiretas que os próprios trabalhadores têm em relação aos direitos envolvidos em relações de emprego, seja nas polêmicas discussões sobre as mudanças na legislação trabalhista.
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Prestes a completar 80 anos, é comum ouvir que a CLT é obsoleta. Será que essa afirmativa é correta?
Por que a CLT foi criada?
Quando publicada, a CLT tinha como objetivo a criação de um conjunto de normas que visava proteger os trabalhadores e consolidar a legislação relacionada ao trabalho no Brasil.
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Apesar de boa parte das regulamentações já estarem maduras na doutrina, em projetos, leis e discussões anteriores, não se pode ignorar a inspiração do então presidente, em regimes totalitários pelo mundo, como era o vigente no Brasil à época do Estado Novo.
Em relação ao direito sindical, por exemplo, a CLT basicamente manteve o modelo corporativista das relações trabalhistas italianas no período do fascismo, fundamentalmente, por meio da unicidade sindical, da contribuição compulsória e da competência normativa da justiça do trabalho.
As regulamentações eram baseadas na realidade das relações de emprego existentes à época. Hoje, não faz sentido algum pensar em jornada de trabalho especial para operadores cinematográficos, intervalos especiais para serviços de datilografia ou jornada especial para casas bancárias, por exemplo.
Por incrível que pareça, porém, os artigos que contém tais previsões seguem vigentes, apesar de muitos bancos nem sequer possuírem sedes físicas de atendimento ao público e de a reprodução de filmes, que antes era por meio de rolos altamente inflamáveis e com atividades conjuntas em salas de projeção, hoje ocorre de forma totalmente digital.
CLT está obsoleta?
Não há como negar que a CLT possui diversos pontos obsoletos. Contudo, isso não ocorre por conta da data de sua publicação, e sim por conta daqueles que a operam.
Desde a sua criação, a CLT sofreu diversas alterações, de alguma forma acompanhando o desenvolvimento da sociedade e do direito trabalhista, tendo a Justiça do Trabalho participado ativamente nessas mudanças.
O exemplo dos cinemas serve como ilustração para demonstrar que a sociedade como um todo evoluiu, sendo, logicamente, válido pensar que a Lei deveria acompanhar esse desenvolvimento.
Por exemplo, qual o sentido de aplicar uma jornada especial a funcionário que trabalha com operação cinematográfica, após a implementação dos sistemas digitais? Nenhum, por óbvio.
Mudanças na CLT
Alterações pontuais ocorreram ao longo dos anos, como a instituição do FGTS em substituição à garantia de emprego (Lei 5.107 de 1966); os 30 dias de aviso-prévio em 1951 (Lei 1.530 de 1951); a duração das férias (Decreto-Lei 1.535 de 1977), dentre outras.
Contudo, o fato é que apenas em 2017, 74 anos depois da promulgação da CLT, houve uma mudança estruturada e simultânea em diversos pontos da legislação.
Essa mudança veio através da Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, e ainda gera muita controvérsia entre os operadores do Direito. Apesar de importante, o fato é que a reforma foi branda, mantendo muitas previsões desatualizadas na legislação e deixando de inserir outras que seriam importantes com base nas novas dinâmicas empresariais.
Por exemplo, será que deveríamos ter esperado uma pandemia global para discutirmos de forma efetiva o trabalho em home office? Não se ignora as disposições acerca do teletrabalho trazidas com a reforma trabalhista, entretanto, tais normativas se mostraram insuficientes quando colocadas à prova pela realidade.
Diante da modernização da sociedade e da modificação diária das formas de trabalho, tanto trabalhadores, quanto empresas se veem obrigados a buscar a assistência do Poder Judiciário, que, na ausência de previsões legais, frequentemente julga de acordo com posicionamentos pessoais dos magistrados, gerando ainda mais insegurança jurídica.
A situação é ainda pior ao se verificar a frequência com que o judiciário trabalhista atua como poder legislativo, impondo condenações em desacordo com a legislação vigente, de modo que, quanto mais incompleta for a lei, mais insegurança jurídica será enfrentada.
Essa tendência, inclusive, fez com que muitas das alterações trazidas pela reforma trabalhista fossem ignoradas. Exemplificativamente, a alteração em relação à sucumbência e ao pagamento de custas e honorários por reclamantes, que deveriam provar sua condição de hipossuficiência no processo, não passou de debate hipotético, uma vez que quase todo empregado segue obtendo o benefício da gratuidade de justiça por meio de genérica declaração de hipossuficiência.
Outra alteração relevante trazida pela Reforma Trabalhista, qual seja, a prevalência da negociação coletiva à legislação em alguns aspectos, segue gerando discussão nos tribunais superiores.
Apenas em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou sobre o tema, reconhecendo a legalidade das negociações coletivas que pactuarem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, desde que observados os direitos indisponíveis trazidos pela Constituição Federal (ARE 1121633). Mesmo assim, ainda não se encerrarão as discussões sobre o tema, pois certamente os tribunais trabalhistas entenderão de formas diversas o que seriam “direitos indisponíveis”.
Ora, são realmente necessários cinco anos de discussão e intervenção do STF para sabermos que ninguém melhor do que a própria categoria para definir as normativas relacionadas à sua realidade específica?
Fim da contribuição sindical
Ainda no âmbito do direito coletivo, são inegáveis os avanços do fim da contribuição sindical obrigatória, contudo, seguimos presos ao modelo de unicidade sindical, herança de períodos totalitários que impedem a escolha pelos próprios empregados daquela que melhor lhe representa dentre organizações sindicais diversas, que são proibidas de existir.
Portanto, a existência de previsões obsoletas ocorre não pelo fato de a legislação ser antiga, mas pela resistência de setores da sociedade e do judiciário em aceitar a realidade e a necessidade de modernização ampla da lei.
Falta a compreensão de que leis obsoletas não protegem os trabalhadores, mas sim restringem a atuação de empresas no mercado, geram insegurança jurídica e impedem a geração de trabalho.
Um bom exemplo para isso é analisar o sucesso do regime de contratação intermitente, que nada mais fez do que formalizar uma situação que sempre existiu, tirando da informalidade e garantindo direitos a trabalhadores que atuavam por meio dos denominados “bicos”, em estabelecimentos como hotéis, lojas, bares e restaurantes.
Em suma, apesar de a legislação ter avançado, segue com muitas previsões presas ao passado, e ainda é incapaz de abarcar as relações de trabalho da sociedade atual, razão pela qual segue sendo adversária da inovação, da geração de empregos e da liberdade.