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Desafios no TikTok ressuscitam o cofrinho de moedas em plena escalada da inflação
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A trend “economia de centavos” se popularizou durante a pandemia entre adolescentes no TikTok e no Instagram
Juntar moedas por diversão ou necessidade? Desafios nas redes sociais revelaram aos jovens da geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) os velhos cofrinhos, incluindo os tradicionais em formato de porquinho ou os improvisados em potes de vidro e latas.
Eles compartilham vídeos entre amigos sobre o hábito de guardar moedas, mas sem muitas pretensões. A nova modinha da internet, no entanto, virou deixa para os país ensinarem aos filhos o valor do dinheiro, ainda mais em tempos de inflação alta.
Os irmãos João Gabriel, de 14 anos, Giovana Pereira, de 15, e Manuela Braz, de 17, passaram os últimos dois anos juntando moedas. Cada um tem três cofres, e o desafio é ver quem “enche o pote” primeiro. Na pandemia, guardar cada centavo virou um hábito herdado do avô que, aos 65 anos, não abre mão de poupar.
João é o mais engajado. Já conseguiu reunir R$ 600, que usou na compra de uma câmera Polaroid. Mas só depois da orientação da mãe. Sem isso, manteria a coleção de moedas por mais tempo, com a soma se desvalorizando.
“Depois que a gente começou a postar, foi ficando mais divertido porque os amigos começaram a fazer o mesmo. É como uma grande brincadeira”, diz João.
A trend “economia de centavos” se popularizou durante a pandemia entre adolescentes no TikTok e no Instagram, com vídeos tutoriais que eles postam, com trilha sonora animada, a “contabilidade” das moedas arrecadadas. O principal estímulo é ver quem completa o ciclo primeiro. Para muitos, é uma forma de não desperdiçar as moedas que aparecem no troco do comércio ou do ônibus, já que o real desvalorizado as torna quase descartáveis.
Mas quem é das gerações anteriores sabe muito bem que os cofrinhos do passado eram muito mais uma forma de juntar dinheiro, constituindo a primeira poupança da vida, do que diversão. A propagandista Cristina Braz, de 41 anos, mãe dos três adolescentes, usou essa experiência da juventude para fazer uma espécie de introdução à educação financeira em casa.
“Na minha época, a gente não tinha internet para se informar mais sobre como poupar. Busco orientar meus filhos a guardar dinheiro de uma maneira inteligente. Acho bacana eles se interessarem” diz Cristina, que abriu uma poupança para cada um dos três e estimulou Manuela, por exemplo, a poupar até alcançar os R$ 1.500 que precisa para um curso de modelo em que está interessada. O que era apenas diversão agora tem finalidade.
Especialistas concordam que a brincadeira é uma boa forma de introduzir jovens no mundo das finanças, mas lembram que dinheiro guardado no cofrinho em casa não rende. Quanto mais tempo lá dentro, menos vale por causa do quadro atual de inflação acima dos 10% ao ano.
‘Dor do pagamento’
Thiago Godoy, líder de Educação Financeira da XP Investimentos, explica um conceito de economia comportamental conhecido como “dor do pagamento”, que é só “sentir no bolso” um gasto quando se paga com “dinheiro vivo”. Para ele, manipular cédulas ou moedas tende a aumentar a consciência e a reduzir os gastos em comparação com pagar tudo no cartão.
“Tem algo interessante acontecendo com essa geração. Estão voltando aos primórdios para entender como a economia atual funciona. Isso é muito bom. Muitos estão acostumados a pagar com dinheiro de plástico, ou seja, cartão de crédito. Não fazem ideia de onde vem o dinheiro, o que a quantia significa. Nasceram com essa facilidade. Por outro lado, quando se vê adolescentes com cofrinhos, é um sinal de que estão vendo que, para se obter um bem material, é preciso poupar”, diz o executivo.
Godoy defende que pais e professores falem sobre finanças com crianças desde cedo. A orientadora financeira e influenciadora digital Nathália Rodrigues, conhecida na internet como Nath Finanças, concorda que a onda dos cofrinhos é uma forma criativa de gerar consciência sobre o valor de produtos e serviços, ainda mais em um momento econômico difícil no país.
“Mesmo que um jovem guarde apenas R$ 30, o ideal é aplicar esse valor em uma conta digital. Na minha época, a gente esperava horas na fila do banco para abrir uma conta. Hoje, é possível fazer isso de casa, pelo aplicativo”, diz.
Por Jéssica Marques, O Globo, Rio de Janeiro, com ediçao de Danielle Nogueira.
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