Como usar os ciclos de mercado para melhorar sua carteira de investimentos

Dependendo do ciclo de mercado há uma probabilidade muito maior ou menor dos preços das ações se valorizarem
Pontos-chave:
  • Os investidores muitas vezes confundem a imprevisibilidade do futuro com a falta de necessidade de análise de diferentes cenários de mercado
  • Investidores que conseguem entender as probabilidades inerentes ao momento do ciclo de mercado tendem a errar menos em sua alocação de carteira
  • Vieses comportamentais podem te atrapalhar neste processo. Aprenda como seguir o ciclo de mercado e aumente as chances de ganhar mais dinheiro com menos risco

No dia 3 de junho de 1995, o renomado psicólogo, pesquisador e professor universitário estadunidense Jeffrey Z. Rubin, de 54 anos, faleceu. Rubin morreu em um acidente ao tentar escalar uma montanha no estado do Maine, Estados Unidos. Ele era um montanhista bastante experiente. O pico que ele tentava escalar ao morrer, no Parque Estadual Baxter, é parte de um circuito de 100 montanhas bastante popular entre adeptos deste esporte. Rubin estava muito próximo de vencer esse desafio. Afinal, ela já havia escalado os outros 99 picos. Faltava apenas a fatídica montanha na qual ele perdeu sua vida.

De acordo com a psicóloga Annie Duke, ex-colega de Rubin que escreveu um livro no qual estudou este caso, a última pessoa a ver Rubin com vida foi um aluno que escalava com ele. Segundo a sua narrativa: “Enquanto eles escalavam, baixou um nevoeiro muito espesso, e a visibilidade caiu para praticamente zero. O aluno de Jeffrey disse, ‘acho que não é seguro continuar, melhor não seguirmos subindo’. Rubin rejeitou o pedido do estudante. O aluno decidiu não seguir adiante, mas Jeffrey foi em frente. O corpo dele foi encontrado dois dias mais tarde.”

Duke argumenta que infelizmente há uma ironia do destino nesta tragédia. Ela serve como exemplo para uma teoria psicológica que o próprio Rubin foi pioneiro em desenvolver. Trata-se da teoria do entrapment (algo como “aprisionamento”, em uma tradução livre), segundo a qual, nós, seres humanos, muitas vezes somos propensos a ficar aprisionados em certas situações. Isso acontece mesmo diante de fortes evidências de que continuar com algo não será benéfico para nós mesmos.

Este é um viés comportamental que ocorre também com bastante frequência em finanças e economia. Foi inclusive muito bem documentado por diversos pesquisadores. Entre eles, Daniel Kahneman e Richard Thaler, vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2002 e 2017, respectivamente.

A falácia dos custos irrecuperáveis

Em finanças, o fenômeno é conhecido como a ‘falácia dos custos irrecuperáveis’ ou ainda ‘falácia dos custos afundados” (sunk costs fallacy, em inglês). Um custo irrecuperável é um valor que já foi gasto e não pode ser resgatado. O viés comportamental acontece quando usamos um valor irrecuperável como justificativa para gastar ainda mais. Tal comportamento não é racional. Seria algo como uma tentativa de “consertar o passado”, só que o passado não pode ser consertado.

Para ilustrar digamos que um investidor comprou ações de uma empresa a qual não correspondeu às suas expectativas, passou por problemas e o preço das ações está caindo, dando prejuízo ao investidor. O viés consiste em não reconhecer o erro e assumir o prejuízo, o qual é um “custo irrecuperável”, muitas vezes inclusive ampliando o erro, comprando ainda mais ações para fazer preço médio.

A tentativa de recuperar um investimento irrecuperável apenas levará a mais prejuízos. O investidor fica aprisionado em uma situação que não é benéfica para ele.

Para Duke esse tipo de viés pode influenciar nossas decisões muito além das finanças, como quando decidimos se seria melhor desistir ou não de uma fila que não anda ou quando nos perguntamos se deveríamos ficar em um emprego ou em um relacionamento que não vai bem.

Este viés comportamental pode levar os investidores a grandes erros de interpretação, especialmente em momento de mudança no ciclo de mercado.

O ciclo de mercado

É um fenômeno bem conhecido e documentado que o mercado de ações passa por ciclos de alta e baixa influenciado pelo aumento ou diminuição da taxa de juros na economia. Apesar de ser difícil dizer antecipadamente a duração em tempo e a extensão em valores percentuais dos ciclos, o comportamento geral é que quando há um ciclo de alta de juros na economia promovido pelo Banco Central o mercado de ações tende a cair.

O inverso também é verdadeiro, ou seja, quando o Bacen entra em um período de redução das taxas de juros o mercado de ações tende a subir.

A explicação para isso é bastante intuitiva: a renda fixa possui em geral menos risco e menos retorno potencial que a renda variável. Em um período de aumento da taxa de juros a renda fixa fica mais atraente, pois sua rentabilidade aumenta sem aumentar o seu risco, o que faz os investidores migrarem parte de seus investimentos em renda variável para renda fixa, gerando mais vendas que compras de ações, fazendo, portanto, o mercado de ações cair.

O raciocínio é justamente o inverso em um ciclo de redução da taxa de juros.

Como utilizar o ciclo de mercado a seu favor

Caso o investidor fosse plenamente racional e não sujeito aos vieses comportamentais deveria ser relativamente simples utilizar o ciclo de mercado a seu favor: em momentos em que se iniciam os ciclos de redução de juros pelo Bacen o investidor deveria aumentar sua exposição à renda variável com a consequente redução de seus investimentos em renda fixa e em momentos que se iniciam os ciclos de alta de juros deveria fazer o movimento contrário.

O futuro é incerto e imprevisível, sempre há algum risco, mas a lógica econômica e os dados estatísticos indicam que estes movimentos tendem a ser vencedores em longo prazo.
Mas como saber quando os ciclos de mercado estão mudando? O Banco Central, por meio de seus comunicados de política monetária, as chamadas “Atas do Copom”, costuma sinalizar esse processo.

Muitos analistas acompanham estas atas e demais comunicados e formam uma expectativa para as futuras decisões de Bacen, as quais nem sempre se concretizam, mas em sua grande maioria estão corretas pelo menos na sua direção. Isto é divulgado na mídia que cobre economia e finanças e muito bem acompanhado e comentado aqui no nosso portal Inteligência Financeira (fica a dica). Enfim, não é difícil de acompanhar e perceber quando o ciclo provavelmente está mudando.

Mercado de ações

Mas os investidores não são plenamente racionais e muitas vezes caem nos vieses comportamentais. Metaforicamente, como Rubin tentando escalar a montanha em condições climáticas desfavoráveis, colocam as probabilidades contra si mesmos, insistindo no aprisionamento em uma situação que lhes é desfavorável. Relutam em se adequar ao movimento do ciclo e deixam suas carteiras menos rentáveis e mais arriscadas do que o necessário.

Há uma ampla expectativa, por exemplo, que o Banco Central do Brasil realize a mudança do ciclo de mercado agora em agosto de 2023 com o início de um processo de redução da taxa de juros que pode impulsionar o mercado de ações.

A sua carteira está preparada caso o ciclo realmente se concretize?

Não lute contra o ciclo de mercado, siga-o dentro de seu perfil de risco, diversificação e visão de longo prazo, lute sim contra os vieses comportamentais, pois estatisticamente os efeitos em longo prazo tendem a ser muito favoráveis para sua carteira de investimentos: isto é inteligência financeira.