Carlo Ancelotti na Seleção: a arte de contratar treinadores

Se o nome é Carlo, José, Luís, Abel, tanto faz. O que precisamos é de uma escolha que tenha um sentido lógico e uma estratégia por trás

Nesta semana vimos aumentar a temperatura em relação à chegada do treinador italiano Carlo Ancelotti ao comando da Seleção Brasileira. Desejo de consumo de muitos analistas e aparente prioridade da CBF, o treinador multicampeão ainda ganhou um aliado inesperado: a derrota da equipe nacional para o Senegal por 4 a 2.

Porém, para tornar a situação um pouco mais complexa, Ancelotti tem contrato com o Real Madrid e só poderia assumir a Seleção em meados de 2024. Até lá ele seguiria o projeto de rejuvenescimento do clube espanhol, que conta com Rodrygo, Militão e Vini Jr, nomes que frequentam as convocações há algum tempo, e tendem a seguir com o novo “mister”.

Soma-se a isso o fato de que o nome e a história de Ancelotti podem parecer inquestionáveis. E são. Além do que se vê em campo, as informações que se tem dele fora de campo indicam um treinador com as qualidades necessárias para colocar um grupo qualificado como o brasileiro numa condição de alto nível de competitividade. Morei anos na Itália e ouvi boas referências sobre ele.

Estrangeiros em clubes brasileiros

Entretanto, há quem possa questionar sua escolha. Afinal, sempre vencemos com treinadores feitos em casa, e nunca nos faltou a capacidade de montarmos boas seleções. É verdade. Mas também é verdade que nunca tivemos tantos treinadores estrangeiros dirigindo clubes no Brasil, numa invasão que gera aplausos e reclamações na mesma proporção.

Por exemplo: Abel Ferreira (português) e Jorge Sampaoli (argentino), dirigem os clubes mais ricos e com maior potencial de conquistas no Brasil. Porém, o último campeão da Libertadores foi Dorival Jr. O Atlético Mineiro trouxe Felipão para ocupar a vaga do argentino Coudet. O Fortaleza tem um modelo de jogo claro e que conta com o argentino Vojvoda. Ainda não temos espanhóis e italianos, mas muitos portugueses e sulamericanos realizando bons trabalhos no país.

Brasileiros em clubes estrangeiros

Agora, é preciso ponderar que nossos treinadores deixaram de ocupar posições no futebol mundial. Se nunca fomos exportadores de “professores” para a Europa, sempre ocupamos bom espaço em países em desenvolvimento, como a Ásia e o Oriente Médio. Nem isso temos feito na mesma proporção do passado.

Porém, falta preparo? Falta experiência? Não sei. O curso de formação de treinadores no Brasil é bom, e não deixa a desejar aos que são aplicados na Europa, pelo menos em linhas gerais. Será que o problema está na pós-formação? Nos estágios?

Falta estratégia

Não sei. Dirigir clubes no Brasil não é simples. Não temos paciência, e o problema começa na escolha dos treinadores. O processo normalmente é equivocado. Primeiro, porque os clubes nem sabem o jogo que querem praticar.

Depois, contratam atletas de maneira aleatória. E finalizam contratando treinadores que nem sempre combinam com a característica do elenco, que já foi formado sem uma ideia de jogo clara. A chance de darem certo é sempre menor, quanto menor for a aderência à lógica “ideia de jogo + elenco compatível + treinador adequado”.

Isso é gestão esportiva na veia. É o básico do básico. E nessa linha, faz todo o sentido ter na Seleção um treinador adaptado à realidade do local onde atua a maior parte dos atletas que usualmente são convocados para a equipe.

Modelo europeu

Além disso, o modelo de jogo que os atletas estão acostumados é o europeu, que é diferente do brasileiro em termos de ritmo e intensidade. Não é melhor ou pior, é apenas diferente. O elenco disponível está majoritariamente atuando sob uma condição que fica mais fácil de ser adaptada por um treinador que atua na Europa.

Dessa mesma forma, um treinador de seleção é sempre mais um grande organizador que um intelectual da bola, alguém que pense o jogo de forma revolucionária o tempo todo. Porque isso demanda tempo de treino que uma seleção não tem.

No entanto, há bons nomes no Brasil, de brasileiros e estrangeiros, e há bons nomes fora do Brasil. O que precisaria ser feito é justamente uma análise criteriosa da capacidade do treinador de gerir atletas que jogam sob certa dinâmica, e que seja capaz de praticar um jogo que extraia o melhor de um elenco.

Por fim, se o nome é Carlo, José, Luís, Abel, Felipe, Dorival, Peter, Hans ou Youssef, tanto faz. O que precisamos é de uma escolha que tenha um sentido lógico e uma estratégia por trás. Ou será apenas mais um treinador contratado com prazo de validade curto.

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