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Piora do Focus: Brasil ainda pode contornar pessimismo com fiscal ou bonde já passou?
O Boletim Focus desta segunda-feira (21) mostrou piora geral nas projeções do mercado para a economia brasileira. Mesmo o PIB com fôlego extra pode ser um problema, crescendo ainda mais acima da capacidade de produção do país. Isso segundo algumas análises.
Nesse sentido, economistas ouvidos pela Inteligência Financeira discutem se é possível que o Brasil encontre um caminho para que o fim do ano seja mais animador. Há diferentes visões, mas o clima parece ser predominantemente pessimista para o que resta de 2024.
Os anos seguintes ainda estão em aberto e podem apresentar resultados melhores. Mas há questões internas para resolver. E fatores globais a absorver.
Sazonalidade aumentou pessimismo no Focus, diz economista do C6
A economista do C6, Claudia Moreno, diz que a deterioração das projeções contidas no Focus desta semana tem um componente sazonal importante.
“Semana passada, foi data crítica para perspectivas do Focus. É uma das semanas em que os responsáveis pelas projeções no mercado se preocupam em atualizar projeções e colocar no sistema”, diz Claudia.
Um dos pontos que ajudaram a inserir um grau maior de mau humor no Focus foram as projeções sobre inflação de alimentos e preços monitorados.
“Com relação a alimentos, nessas duas últimas semanas, a gente viu algumas elevações de preços no atacado”, observa a economista do C6. “Pode ser que (os economistas) estejam inserindo agora essa alta nas projeções, que tem a ver com a seca e a quebra de safra”, diz.
“Outra questão, relacionada aos preços monitorados para 2024, é que algumas casas (de análise) revisaram as projeções de bandeira e preços de energia elétrica para o final do ano”, complementa Claudia.
Governo mira o chão do arcabouço fiscal, critica estrategista da Warren
Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren, é do time de economistas que identifica a questão fiscal como principal motivador da deterioração do último Focus.
Para ela, o governo erra ao mirar “o chão da meta (do arcabouço fiscal)”. Com isso, o mercado “não está dando o benefício da dúvida” ao governo. Nesse cenário, só será possível desarmar os ânimos com a apresentação de um programa claro de contenção de despesas.
“Da maneira como está, a relação dívida/PIB só está crescendo, mesmo cumprindo o arcabouço dentro da banda”, acrescenta,
Focus reflete dose extra de pessimismo com gastos parafiscais, diz Marilia, da Nord
Economistas que reforçam a preocupação com o aumento da dívida mencionam os gastos parafiscais como ingrediente extra para aumento da desconfiança do mercado com relação ao governo.
Nesse caso, é mencionado o “uso dos fundos de pensão estatais para financiamento de obras do PAC, com alterações da política de investimentos dessas instituições”, avalia Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research.
“De 2011 a 2016, os fundos de pensão tiveram prejuízos bilionários, que foram parcialmente cobertos por acordos com as empresas estatais, e, no final das contas, cobertos pelo Tesouro Nacional nos anos seguintes”, complementa.
Outra proposta foi a modificação da empresa estatal EMGEA para que pudesse securitizar créditos recebidos de instituições financeiras, transmitindo para outros investidores, por exemplo, os fundos de pensão.
Além disso, ela menciona a inclusão de R$ 8 bilhões esquecidos no sistema financeiro às receitas primárias.
Deterioração deve se impor até o final de 2024, diz Sung, da Suno
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno, diz que o pessimismo do mercado com o Brasil deve ser predominante até o final de 2024. “Não vejo tantas melhorias nas expectativas do mercado.”
Sung reconhece que, para quem está na ponta, consumidores, empresários e trabalhadores, um PIB crescendo no atual patamar é mais interessante. Porém, pode haver uma conta cara a ser paga mais adiante. E, por isso, o cenário não é animador, ao menos, por enquanto.
“Uma atividade mais aquecida, crescendo acima do PIB potencial, com hiato do produto positivo, pode fazer com que a inflação volte a acelerar”, avalia o economista da Suno.
Nesse cenário, o Banco Central está quase que obrigado a subir juros, “para tentar frear um pouco o excesso de demanda e fazer com que os preços convirjam para a meta”, acrescenta.
Pressão sobre os juros futuros
Por isso, “o mercado de juros (está) bem estressado no Brasil, com juros longos indo a 13% no ramo de cinco anos da curva”, menciona Paulo Gala, economista-chefe do banco Master.
A alta dos juros futuros também acontece no cenário externo. Nos Estados Unidos, “começa a aumentar o estresse com possível vitória de (Donald) Trump e juros longos a 4,13%”, acrescenta Gala.
Isso porque, na visão dos investidores, Trump deve assumir papel mais protecionista do que Kamala Harris. Assim, o republicano pode recrudescer a política de guerra tarifária com ações contra a China, principalmente, e ativar novo gatilho de alta inflacionária global.
Assim, o Brasil está num cenário “muito ruim” para os próximos meses. “Os juros (futuros) a 13% atrapalham a estrutura de financiamento da economia brasileira, com inflação pressionada a 4,5% neste ano, no limite de estourar o teto da meta”, alerta Gala.
Ele menciona ainda o impacto disso tudo sobre o câmbio. “O cenário começa a ameaçar um dólar perto de R$ 5,70, querendo ir para R$ 5,80 ou mais”, diz o economista do Master.
“A vida do Banco Central vai ficar muito difícil para todo o horizonte da nova gestão (2025-2028), com a inflação fora da meta durante todo esse período. Se Trump ganhar, (o cenário inflacionário global) fica ainda mais complicado”, arremata Gala.
Tem chance de melhorar após a deterioração do Focus?
Sung, da Suno, diz que um esfriamento dos ânimos “pode acontecer no início do ano que vem”. Contudo, ele reforça a ideia de que é preciso que o governo tire as propostas de contenção dos gastos do papel.
“Se o governo apresentar propostas de revisões de gastos, como foi anunciado pela Simone Tebet e Fernando Haddad, e reduzir as incertezas com o fiscal, pode haver uma melhora nas expectativas. Mas, daqui até o final do ano, elas (expectativas negativas) estão consolidadas”, avalia Sung.
Andréa, da Warren, concorda que há, sim, expectativa de melhora. “Até porque o governo falou que depois das eleições vai vir com o pacote de (contenção) gastos. Contudo, ainda parece mais uma carta de intenções”.
Nesse sentido, o pessimismo para 2024, segundo a economista da Warren, “está contratado”. Ela avalia que o mercado só vai mudar a expectativa de Focus e de precificação de ativo se tiver alguma medida concreta para o fiscal”.
Claudia, do C6, entende que “não há uma piora tão grande” do cenário a ponto de requerer medidas mais pujantes para controle da inflação e desaquecimento da economia.
Contudo, ela alerta que parece haver descompasso entre as medidas de contenção dos preços e sua efetividade.
“Estamos com uma taxa de juros elevada, que deveria estar controlando a inflação, desacelerando a economia, mas estamos vendo desaceleração menor que a esperada”, avalia.
Efeito colateral do PIB mais forte é ‘sobrestimado’ pelo mercado, diz Troster
Para o economista Roberto Luis Troster, o nível de ascenção econômica do Brasil é “positivo”. Ele reconhece que há efeitos colaterais do crescimento ocorrer acima do projetado. Contudo, no Brasil, “esses efeitos estão sendo sobrestimados pelo mercado”.
“A pressão inflacionária é conjuntural”, diz Troster. Essa visão vai na direção da de outros economistas, que apontam impactos persistentes da pandemia sobre as cadeias globais. A resiliência da inflação nos Estados Unidos e na Europa podem dar peso a esse argumento.
Esse tipo de visão dá conta de que conforme as cadeias produtivas se restabeleçam a níveis mais próximos do que havia antes da pandemia, a pressão sobre os preços pode arrefecer. “E o pessimismo também”, diz Troster.
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