Análise: Greenwashing entra no radar da SEC, reguladora do mercado americano

Quais são os possíveis impactos para empresas brasileiras que adotam a prática de iludir o público?

(Foto: Naja Bertolt/Unsplash)
(Foto: Naja Bertolt/Unsplash)

Greenwashing é um termo que indica a prática de determinadas empresas de iludir o público quanto à efetiva adoção de políticas comprometidas com o meio ambiente. Recentemente, o tema entrou na pauta da SEC (Securities and Exchange Commission), assemelhada com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) brasileira, porém turbinada pela Division of Enforcement, com agentes públicos com capacidade de postulação cível e administrativa. Podem, ainda, recomendar medidas criminais ao Ministérios Públicos.

De maneira direta ao ponto, a atual Administração resolveu atrelar o tema do meio ambiente ao mundo financeiro, invocando o Securities Act, de 1933, e o Securities Exchange Act, de 1934, ambos com previsões quanto ao dever de publicizar determinadas informações relacionadas ao clima em seus relatórios anuais. Fundamentalmente, cuida-se de compreender que determinados riscos atrelados ao clima podem ter relevantes impactos nas condições “do negócio, dos resultados da operação e financeiros”. Está em curso uma consulta pública para a consolidação de Enhancement and Standardization of Climate-Related Disclosures (incremento e padronização de informações que devem ser compartilhadas em conexão com o clima).

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Entre os tópicos que darão corpo a esse documento estão: a) em que medida um risco relacionado ao clima identificado pela empresa teve ou pode vir a ter impacto nos negócios, ou em seus resultados financeiros, a curto, médio e longo prazo; b) quais os procedimentos empregados para identificar, mensurar e administrar tais riscos e como ele se conectam com os procedimentos gerais de avaliação de risco da empresa; c) informações quanto à precificação interna de carbono etc.

Há um eixo de particular relevância para o mercado brasileiro, em torno das emissões de gás de efeito estufa (GEE). Propõe-se um dever de informar com acuidade as emissões de GEE, dividas em três escopos: 1) GEE diretamente emitidos pela empresa; e 2) emissões indiretas, assim entendidas aquelas geradas pela eletricidade e outras formas de energia adquiridas pela empresa; e o escopo 3) engloba as emissões de atividades na cadeia de valor, ou seja, as atividades de fornecimento de suprimentos (upstream) e as de posteriores à atividade econômica, a exemplo da distribuição aos consumidores (downstream).

O tema não está fora do radar da CVM, sob o nome de aspectos ambientais, sociais e de governança (ASG). Em documento publicado em 2002, listam as normas jurídicas promotoras da agenda AGS, desde 2009. A mais diretamente relevante ao tema é a Instrução CVM 59, de 2021, que só entrará em vigor em 2023, cujo Anexo 24, contém, entre outros, regras de publicização da metodologia empregada para fins de divulgação de informações de ASG, e se o emissor realiza inventário dos GEE, usando o conceito de “pratique ou explique”, ou seja, ou bem indica que faz o inventário e como, ou bem se explica porque ainda não o faz.

E por que o escopo 3 da projetada regulação americana pode ser relevante para o mercado brasileiro?

Primeiro, porque quem estiver fazendo negócios com uma empresa americana com dever de revelação, sua emissão de GEE poderá ter que ser quantificada, de maneira precisa, e compartilhada. De partida, se a contraparte americana tiver diversos fornecedores ou distribuidores disponíveis, aquele com menor emissão de GEE, desde que apresente números confiáveis, terá uma vantagem competitiva relevante. O mesmo racional pode ser estendido ao campo das fusões e aquisições: uma empresa brasileira que não tenha em curso medição de seus GEE ou os emita em excesso passa a ser menos interessante por adquirente com dever de revelação para a SEC.

Em segundo lugar, porque o parceiro brasileiro passa a se sujeitar, indiretamente, à legislação criminal americana. Em princípio, aquele que compartilhar informação incorreta sobre seus GEE, poderá ser percebido como um partícipe, doloso ou culposo, de fraude a valores mobiliários por empresa americana.

Dois são os cenários para a efetiva aplicação da lei americana ao brasileiro: pela autoridade americana, diretamente, ou pela brasileira, via cooperação internacional. No primeiro cenário, ou bem o brasileiro, em território americano, se voluntaria ou é apreendido, ou bem é apreendido em outro território, que não o brasileiro, via Interpol. No segundo cenário, as autoridades brasileiras colocam-se como lunga manus da autoridade americana, notadamente por meio da transferência de execução da pena (arts. 100 e seguintes da Lei n. 13.445/2017). Cuida-se, basicamente, de o Brasil aplicar no território nacional a sentença condenatória prolatada no estrangeiro.

Nos termos do art. 100, os requisitos seriam: a) o condenado no estrangeiro ser nacional ou ter aqui residência habitual ou vínculo pessoal com o Brasil; b) trânsito em julgado da sentença condenatória; c) a pena ainda a ser cumprida ser de ao menos um ano; d) o fato ser punível em ambos os Estados; e e) houver tratado ou promessa de reciprocidade.

De se indagar, então, quanto à tipicidade de dar, dolosa ou culposamente, direta ou indiretamente, informação falsa ao órgão regulador do mercado de capitais.

O art. 3o da Lei 7.492/86 criminaliza a divulgação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira. Fundamental que a falsidade ou incompletude da divulgação seja apta a expor a perigo o bem jurídico subjacente à criminalização, bastante poroso nesse caso. Sob o ângulo da análise deste artigo, razoável a posição segundo a qual tutelam-se “os interesses dos investidores em geral que, privados das informações corretas ou premiados com informações falsas ou prejudicialmente incompletas, podem sofrer sérios e graves danos ou reais prejuízos financeiros, morais e materiais”, na dicção de Cezar Bittencourt e de Juliano Breda (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Lumen Juris, 2a. ed. 2010, p. 23).

Também o artigo 9º pode ter relevância, na medida em que torna típica a conduta de fraudar o investidor, inserindo ou fazendo inserir, em documento comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele deveria constar. Mais diretamente aplicável a quem estrutura títulos verdes, porém de maneira falsa ou falseada.

Ambos os tipos só são punidos na forma dolosa, o que levante um desafio interessante para fins de aferição da dupla criminalização (Brasil e Estados Unidos). De maneira geral, os crimes nos Estados Unidos dividem-se em três componentes: a) actus reus, que congloba os aspectos objetivos da conduta; b) mens rea, que congloba os subjetivos (dolo/culpa e culpabilidade) e c) as defenses, que amalgamam as hipóteses de exclusão do crime. A mens rea se divide em quatro advérbios, em ordem decrescente: purposely (aproximado do nosso dolo direto), knowingly (próximo do nosso dolo eventual), recklessly (algo como culpa grave) e negligently (algo como nossa culpa inconsciente). Em regra, todo tipo pode ser punido a título menos grave, salvo na categoria negligently, que demanda previsão legal específica.

Importante, ao concluir, apontar que o eixo do artigo adota um viés de alerta de risco penal e, assim, tem caráter conservador, como sói àquele que está pensando o problema sob o prisma preventivo. Haveria uma enormidade de teses defensivas contra eventual tentativa de fazer valer, nesses casos, a jurisdição americana no Brasil. As ideias articulam-se com o velho lema que é melhor prevenir do que remediar.

(Por Davi Tangerino, sócio do escritório Davi Tangerino Advogados e professor da UERJ, e Howard Fischer, sócio do escritório Moser & Singer, em Nova York, ex-senior trial counsel da SEC)
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