Análise: Cúpula do G7 deixa ações climáticas em segundo plano

Enquanto governos não tratam a questão com a seriedade que o tema exige, outros atores ganham espaço, dizem colunistas do JOTA

(Foto: Margot Richard/Unsplash)
(Foto: Margot Richard/Unsplash)

Conciliar o combate às mudanças climáticas com a promoção de transformações para reduzir a dependência energética é um desafio urgente e que depende da cooperação internacional. Contudo, esse objetivo não pode ser alcançado a curto prazo, e demanda ações climáticas efetivas por parte dos governantes para que se torne possível. Com isso, era esperado que a última reunião da cúpula do G7, realizada no final de junho, representasse um avanço mais significativo no que se refere às ações climáticas. Não obstante, com o conflito entre Rússia e Ucrânia ocupando o centro das discussões, o clima foi deixado em segundo plano.

Os líderes das sete maiores economias do mundo se reuniram na Alemanha, entre os dias 26 e 28 de junho, para realização do encontro da cúpula do G7 (formada pelos Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Japão, Canadá e Reino Unido). O centro das discussões foi ocupado pela questão da dependência energética da Rússia, e pelas sanções impostas ao país diante da invasão à Ucrânia, que já dura mais de quatro meses. Apesar das sanções já impostas até o momento, o conflito continua, assim como a valorização do rublo que vem sendo observada nos últimos meses.

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Pela sua gravidade e pelo impacto produzido sobre as demais economias ao redor do mundo (incluindo do G7), já era esperado que o conflito na Ucrânia ocupasse o centro da agenda. Mas, em um contexto global de guerra, inflação, fome, refugiados e pandemia, uma postura mais ativa e, acima de tudo, mais resolutiva, era necessária. Como resultado, o encontro foi alvo de diversas críticas e manifestações.

A postura adotada durante o encontro chamou a atenção pelo contraste com a seriedade dos problemas globais atuais, com um esforço constrangedor por parte dos líderes para demonstrar a união do grupo. Paralelamente, milhares de pessoas se reuniram para protestar e demandar ações contra as mudanças climáticas por parte do G7, pedindo mais atenção para questões ambientais e grupos vulneráveis.

De fato, a questão climática não foi ignorada por completo pela cúpula — mas, para dizer o mínimo, foi insuficiente em termos de compromissos assumidos. Com o apoio da Comissão Europeia, os países do G7 querem mobilizar, coletivamente, 560 bilhões de euros ao longo dos próximos cinco anos para investimentos em áreas críticas e estratégicas para o desenvolvimento sustentável: o clima, a saúde e a transição digital. A segurança climática e energética também surgiu entre as preocupações do grupo: no comunicado oficial, publicado no dia 28 de junho, está prevista a criação de um “Clube do Clima” até o final deste ano, um grupo aberto e cooperativo, que será estabelecido com o apoio de parceiros.

O comunicado reconhece o impacto da invasão da Ucrânia sobre o mercado energético, e sobre a segurança energética ao redor do globo, pontuando que serão priorizadas medidas concretas com o propósito de eliminar o uso doméstico de energia a carvão. Visando impedir que a Rússia explore sua posição como grande produtora de energia para lucrar com a agressão a países vulneráveis, o G7 se propõe a tomar ações imediatas para garantir o fornecimento de energia e pôr fim ao aumento nos preços gerado pelas condições de mercado excepcionais que vivenciamos.

Nesse contexto, o “Clube do Clima” pretende ser um local para discussão e aplicação de regras e padrões comuns no que se refere à definição e à implementação de políticas públicas climáticas. Com isso, espera-se que a articulação entre os países de medidas de mitigação das mudanças climática seja incentivada e facilitada, evitando assim gerar impactos negativos para a economia global ou para as políticas climáticas nacionais.

O Clube proposto será aberto a todos os países signatários do Acordo de Paris, incluindo as nações que compõem o G20. Três pilares deverão nortear a atuação do “Clube do Clima”: em primeiro lugar, a troca de experiências e práticas, a fim de fomentar políticas climáticas mais ambiciosas; em seguida, os investimentos conjuntos voltados à descarbonização, com destaque para o setor energético; e, por fim, a celebração de acordos de cooperação e parcerias objetivando a transição energética justa.

Embora a iniciativa seja justificada, e tenha objetivos absolutamente legítimos, o “Clube do Clima” parece pouco frente aos desafios colocados pela mudança climática e, principalmente, frente à iminência e ao tamanho desses desafios. Relegar as questões climáticas ao segundo plano, e colocar tão somente o endosso ou apoio do G7 à criação do “Clube do Clima”, parece ir ao encontro da postura adotada pelos líderes no decorrer do encontro: falta seriedade.

Além de seriedade, falta concretude: não há efetivamente um plano de ação para o “Clube do Clima”, nem há clareza sobre quais os resultados esperados a partir da formação desse grupo. Forçoso reconhecer que há razões, portanto, para ceticismo; ainda que países emergentes como o Brasil possam vir a fazer parte do Clube, falta assertividade por parte dos líderes mundiais para que a iniciativa seja capaz de produzir resultados efetivos em termos de diplomacia climática. A tendência, com isso, é que o “Clube do Clima” se coloque como mais um palco de discussões climáticas com pouca ou nenhuma repercussão prática, e sem impacto sobre a forma como as nações enxergam e aplicam as práticas ESG.

O resultado da reunião e a frustração com a forma como os líderes lidaram com as questões relativas ao clima foram temas dos principais jornais e portais de notícias na última semana. Na cobertura do encontro, foi dado destaque ao fato de que os compromissos quanto à eliminação gradual do uso de carvão; por outro lado, o incentivo aos veículos elétricos foi reduzido, substituindo a meta anterior, de atingir até 50% da frota de veículos composta por elétricos até 2030, por uma promessa vaga de aumento “significativo” nas vendas.

Para além disso, os compromissos relacionados ao fim do financiamento público de combustíveis fósseis foram amenizados, e foram abertas exceções para investimentos públicos em gás, como uma resposta temporária a circunstâncias excepcionais, em referência à crise energética gerada pela invasão da Ucrânia.

Ativistas e pessoas engajadas na questão climática não enxergaram a resolução da cúpula com otimismo. A decisão de permitir o uso “excepcional” de combustíveis fósseis representa um retrocesso quanto aos compromissos públicos adotados pelo mesmo grupo anteriormente. Nas palavras de Martin Kaiser, ativista que lidera o Greenpeace na Alemanha, “o que nós vemos como resultado para as questões climáticas nesse momento é muito menos do que aquilo que precisamos”.

Com isso, o comunicado final do G7 não apenas deixou de firmar compromissos adicionais para a redução das emissões de gases de efeito estufa ou para o financiamento de ações climáticas em países vulneráveis, como também abriu as portas para novos financiamentos à produção de gás, recuando em relação a compromissos anteriores. Ainda, isso dificulta as negociações para a Conferência do Clima de Sharm el-Sheikh (COP 27), que ocorrerá no Egito no final de 2022. Com o recuo das sete maiores economias mundiais quanto a compromissos climáticos, forma-se uma lacuna de difícil preenchimento por parte da COP, que vai precisar de muita credibilidade para conseguir propor objetivos e ações climáticas mais ambiciosas.

Diante desse cenário, a transição energética não é somente um objetivo de desenvolvimento sustentável: é uma necessidade urgente. A crise energética prossegue de forma avassaladora, e não há escapatória das quedas generalizadas nas bolsas europeias, no valor do euro e do aumento nos preços do petróleo. Nesse contexto turbulento, a importância de adoção de práticas ESG surge de forma gritante: as nações que não forem capazes de realizar a transição para uma economia mais sustentável, e menos dependente, sofrerão de forma cada vez mais intensa os impactos das crises energética e climática.

A transição energética justa é apenas uma das facetas do desafio enfrentado pelas nações diante das mudanças climáticas; os líderes que não possuem essa percepção estão conduzindo seus países por um caminho marcado pela instabilidade e pela necessidade de recorrer a medidas “temporárias” com graves impactos a longo prazo — como demonstra a leniência do G7 com o uso de combustíveis fósseis.

Não parece excessivo colocar que esse encontro representa uma grave falha por parte da diplomacia climática, que foi incapaz de mobilizar novos compromissos climáticos junto às lideranças do G7, justificando o ceticismo. Mas, há quem se mantenha otimista. Enquanto os governos nacionais não tratam a questão climática com a seriedade que o tema exige, outros atores ganham espaço: para além da iniciativa privada, motivada pelo próprio mercado a adotar práticas ESG, começam a surgir iniciativas locais ou estaduais de ações climáticas, assumindo, diante da frustração com a diplomacia climática, o difícil papel de tornar as discussões teóricas em realidade.

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