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‘Começamos a ver um cenário melhor para o varejo’, diz Fabio Faccio, CEO da Renner
Executivo fala sobre o impacto das enchentes no RS, a elevada carga tributária e sua estratégia enquanto investidor
O administrador de empresas Fábio Faccio trabalha na Lojas Renner há 25 anos. Sim, há quase três décadas ele cruza corredores e o país em nome da empresa. Há cinco anos, Faccio, deu um novo passo na carreira e assumiu a liderança da Renner (LREN3). De lá para cá, duas tragédias marcaram o mundo e o Brasil e, portanto, também afetaram a companhia: a pandemia de covid e as enchentes no Rio Grande do Sul – a sede da empresa fica em Porto Alegre. E há um porém: Faccio substituiu José Galló, figura importante do varejo, querido por muitos e que foi CEO da Renner por 27 anos. Só para se ter uma ideia, quando Galló assumiu o posto, a Renner valia R$ 1 milhão. Hoje, ela está na casa dos R$ 12 bilhões.
Neste Visão de Líder, você tem duas formas de conhecer um pouco melhor o CEO de uma das maiores varejistas do Brasil: clicando no vídeo acima ou lendo os principais trechos da entrevista abaixo.
Olhando para o contexto de varejo, entendo que nós tivemos um período muito desafiador, que começou com a pandemia. Em função disso, e os varejistas vêm navegando, assim como todo o mundo, num cenário de juros altos e de baixa confiança. Então, isso pressiona muito uma operação de varejo. Se a gente olhar de tempos para cá, é o próprio setor do varejo. Tivemos algumas questões, como recuperações judiciais, falências que também abalaram a credibilidade do varejo. O varejo tem uma necessidade de capital muito alta para operar. Tanto para financiamento dos seus estoques quanto financiamento das suas vendas.
Por isso, muito varejista trabalha – e trabalhava ainda mais no passado – alavancado, com um cenário de juros altos. Isso joga uma pressão muito grande sobre sobre os varejistas. A Renner é uma das poucas empresas no setor que tem dívida líquida negativa. A gente trabalha com a geração de caixa muito grande.
A gente, felizmente, pelo trabalho do time, consegue gerar muito caixa. Não estamos endividados, alavancados. Lógico que o cenário de juros baixo ajuda a todos, mas a gente não têm a pressão que o restante do setor tem. Estamos em uma posição bastante confortável.
Juro alto tem vários reflexos. Ele reduz a capacidade de investimento das empresas, diminui o valuation, aumenta o endividamento. Porém, a gente tem caixa positivo, até poderíamos estar investindo mais. Mas acho que começa a ser um cenário cada vez melhor do que foi nos últimos anos. A tendência é de que depois o juro volte a cair mais um pouco. Pode até demorar um pouco mais para cair, mas tende a cair. E a queda é positiva.
Uma coisa é a concorrência leal, que é positiva. Acho que nós temos investido bastante para ser cada vez melhores. Fizemos enormes investimentos que se concretizaram. Estamos saindo de um ciclo de grandes investimentos que acabaram até pressionando um pouco nossos resultados de operação e começamos a entrar num ciclo de colheita. Então, a gente tem uma necessidade menor de investimentos.
Mas, quando a gente fala da concorrência de plataformas estrangeiras que vendiam sem recolhimento de nenhum tributo no país, é uma concorrência desleal. Não é uma concorrência isonômica, porque uma varejista, qualquer que seja, tem uma carga tributária média de 90%. Quando a gente soma todos impostos, o sistema tributário nacional é um dos mais complexos do mundo.
Além disso, quando a gente junta todos os impostos, tem em cascata de um sobre o outro. Municipais, estaduais, federais, dependendo do tipo de produto e onde ele é produzido, está embutido nele de 80% a 136% de carga tributária.
Essas plataformas estavam usando uma brecha que nem existia na lei, fazendo de uma forma fraudulenta, enviando produtos sem tributo nenhum, com incentivos fiscais em seus países até então sem carga tributária.
Eles têm incentivos para exportar, e não têm carga tributária aqui. Então, quando você tem um produto que tem 90% de imposto embutido contra outro que tem zero, não é isonômico.
Ninguém está pedindo proteção. A gente tem que evoluir o nosso negócio e ter uma competição saudável, que é boa para o consumidor. O governo e os órgãos entenderam que, para evitar as fraudes, eles deveriam criar um sistema para colocar todas as plataformas para dentro do sistema tributário. Acenaram com um imposto simplificado e menor do estadual de 17%, sendo que a média entre 22% e 25%.
A gente está está trabalhando muito fortemente na velocidade do nosso modelo de negócio, na flexibilidade. Então é velocidade, flexibilidade e assertividade das coleções. Também estamos olhando de perto para a nossa rede de fornecedores, na parte de abastecimento e distribuição. Boa parte dos investimentos que a Renner fez em inteligência artificial, algoritmos e bases de dados terminou. Lógico que é uma coisa sempre contínua e a gente está na estabilização do modelo para colher os frutosem velocidade, assertividade de produto, de distribuição e ganho de eficiência operacional. Sempre que eu olho para uma varejista, fico vendo a quantidade de itens, do sortimento da marca.
Neste ano, algumas regiões eram para estar no verão estava frio. As que eram mais frias estão mais quentes. Então tem um desafio na ponta de entregar o produto certo para o cliente certo naquele momento certo. E esse é um ponto fundamental. A gente tem toda a informação de venda para a peça, a loja, o cliente. Porque para um varejista é muito importante a sua gestão de estoque, além da gestão financeira. E o mais importante é o foco no cliente. Mas você gera esse estoque olhando para o que seu cliente está te demandando. E aí vêm as variações climáticas. Você tem que conseguir encarar a realidade como ela é, não como ela poderia ou deveria ser, ou que você gostaria que fosse.
Agora, você se estivesse mais frio, a Renner venderia muito mais, porque são itens de valor agregado maior. No passado, a gente não venderia tanto e ainda ter que remarcar todo o estoque, perdendo margem. Hoje em dia, a venda pode ser maior do que ela era no passado, porque a gente consegue rapidamente ter oferta de novos produtos que a cliente está demandando naquele momento – seja de frio ou de calor fora de época.
A Renner não tem um estoque muito alto, que precisa remarcar. Então, a gente consegue gerar resultado mesmo em momentos de instabilidade. É isso que esse modelo mais veloz, mais ágil, mais assertivo, nos permite. Nesse cenário mais adverso e instável, esse modelo vai nos agregar um valor muito importante daqui para a frente, tanto em venda quanto em margem, quanto em ganho de eficiência.
A Renner (LREN3) nasceu no Rio Grande do Sul, nossa sede é lá. É muito difícil ver o que aconteceu no Estado. Muitos nos perguntam qual foi o impacto das enchentes para a empresa. Diria que o impacto financeiro para a Renner foi praticamente nulo. A gente teve que fechar pontualmente algumas lojas por algumas horas, outras por alguns dias. Hoje a gente tem uma unidade fechada, que é do aeroporto Salgado Filho, e é uma loja pequena. Só. A perda material de estoque ou de equipamento foi praticamente nula. É muito insignificante.
O impacto mesmo foi emocional. A Renner doou 170.000 peças. E as pessoas não precisavam só de roupa, porque perderam tudo, muitas estavam em abrigos ou estavam na casa de parentes. Não adiantava ter mais roupa, porque não tinha onde colocar. Agora elas estão aos poucos algumas retornando para suas casas. Elas foram repor o seu armário, Então agora às vezes tem mais doação até para a gente fazer do que teve naquele momento.
Tivemos na equipe 370 pessoas que tiveram perdas relevantes. Conseguimos salvar todas, colocar todas em segurança, apoiar financeiramente todas que tiveram perdas relevantes e apoiar 100% das pessoas com a saúde psicológica abalada.
Além disso, apoiamos nossa rede de fornecedores, demos condições de pagamento diferenciadas para os nossos clientes. Acho que isso também mostra para o povo gaúcho que nós estamos juntos. E o bacana é que o povo gaúcho é muito trabalhador e lutador.
É tudo muito dolorido e marcante. E a gente agora está entrando na fase dois da reconstrução e a Renner está junto com outras empresas, ajudando financeiramente para a gente tentar acelerar ao máximo essa reconstrução. Eu tenho certeza que a gente vai reconstruir o Estado e deixar ele melhor ainda do que era.
Eu trabalhei 10 anos antes de vir para a Renner com construção civil, na empresa da minha família. Nesses 25 anos de Renner, cada vez eu estava em um desafio diferente, uma função diferente. Então, seja como trainee, gerente de loja, depois de outra loja, cidades diferentes.
Eu já morei em tudo que é lugar, no país inteiro, depois tocando a logística, produtos, e mais recentemente como presidente. Cada hora é um desafio diferente. E passa voando, né? Então não dá nem para perceber que são 25 anos. E a gente empreende dentro da empresa.
Eu acho que fui construindo minha carreira dessa forma, pegando desafios maiores, diferentes e eu acho que eu me orgulho bastante de ter conseguido construir isso tudo. E acho que só construí isso porque eu sempre trabalhei com times muito bons. Acho que os times sempre me impulsionaram. Eu acho que todo, toda carreira que eu fiz foi porque eu tive a sorte de ter bons times e hoje eu tenho a sorte de ter um time melhor ainda, que eu acho que na academia é um time que não só me impulsiona mais, impulsiona a empresa.
Eu tenho a maior parte do meu investimento em ações da Renner (LREN3). Tem uma parte em renda fixa para gastos mais urgentes. E não invisto em cripto. Então, acho que o ideal é definir qual é o ponto de entrada na bolsa de valores. E ela está barata.
Mas eu não sou especulador, não sou investidor de curto prazo. Às vezes eu vejo muita gente comprando ações quando elas sobem. Então, é por isso que eu, por exemplo, mantenho minha posição e olho para o longo prazo, que é assim que a gente tem ganho. Por mais que possam ter algumas perdas de curto prazo.
A Renner tem vários algoritmos que controlam da distribuição dos produtos, o volume de compra e dados preditivos. Por mais que seja difícil prever, você consegue ter alguma visão dos cenários. Então a gente trabalha uma granularidade que vai ser cada vez maior daqui para frente.
Nosso centro de distribuição é todo automatizado, e trabalha com base de dados, inteligência artificial. As decisões são baseadas em dados e em inteligência artificial. A gente usa para ganho de velocidade, de assertividade, de granularidade de experiência para cliente, de assertividade, de produto para produtividade, time. Eu uso no dia a dia, e adoro!
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