Documentário de Luiz Barsi reabre feridas da Previdência e aponta dedo para privilégios

Filme, disponível no YouTube, reúne economistas de primeira linha para reabrir um debate difícil

O investidor Luiz Barsi Filho fala há cinquenta anos sobre ações pagadoras de dividendos como alternativa para a aposentadoria – ele próprio, bilionário, conta que já não precisa trabalhar há quarenta anos.

Ao anunciar que se envolveria em um documentário, o primeiro de sua vida, não era difícil imaginar qual seria o tema.

O filme está pronto, fala mesmo sobre aposentadoria e estreou nesta segunda-feira (10), no canal do YouTube da AGF, empresa da qual ele e a filha Louise Barsi são sócios.

A novidade é que o documentário surpreende.

A começar pelo tom. ‘INSS – A Bomba Relógio do Brasil’ tem trinta minutos de duração. Nos primeiros quinze, o documentário de Barsi promove um debate sério e, em alguns momentos, até mesmo duro sobre a inviabilidade do sistema da previdência pública brasileira.

Reforma… de novo?

Já é desconfortável, por si só, falar do rombo aparentemente impagável da Previdência Social menos de cinco anos após a aprovação da última reforma no sistema, conduzida de 2016 a 2019 no Congresso.

Ela foi então comemorada por políticos e agentes econômicos ao estabelecer a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, bem como o tempo de contribuição mínimo para garantir o benefício. Embora alguns pessimistas tenham comentado que mudanças demográficas exigiriam novos ajustes ao longo dos anos seguintes.

O documentário de Barsi sugere que esses “anos seguintes” chegaram. E o faz tocando em alguns vespeiros. O maior deles o regime de previdência especial mantido para servidores públicos. Em especial militares e juízes.

Documentário de Barsi aborda privilégios

Quem conhece Luiz Barsi sabe que ele é simpático aos militares. Não chama de golpe, por exemplo, mas de revolução o período de exceção que se estabeleceu no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. Mesmo assim, seu filme destaca que o regime especial a que estão submetidos representa um fator de desequilíbrio dentro de um sistema caro e fadado ao insucesso.

O documentário relembra que, em 2023, o buraco do INSS ficou em R$ 300 bilhões, enquanto que nos regimes especiais o rombo foi de cerca de R$ 240 bilhões. No entanto, enquanto o INSS atendeu 39 milhões de beneficiários, os regimes especiais foram destinados para apenas 7 milhões.

“É uma regra especial para militar, é uma regra especial para juiz, é uma regra especial para deputados, enfim. E assim vai: promotores, procuradores e defensores públicos. Esse é o caso do Brasil. O Brasil tem muitas regras. Eu costumo dizer, expressam a cultura de privilégio do Brasil.”, afirma no filme o economista Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) e pesquisador associado da Fipe.

Aliás, aqui vai um segundo destaque do documentário de Luiz Barsi. Ele conseguiu reunir um time respeitável de economistas, alguns deles de instituições que, por décadas, viraram as costas para o que ele próprio dizia.

Economistas de peso

Um exemplo é Helio Zylberstajn, professor da faculdade de economia, administração e contabilidade (FEA) da USP. Ele ocupa papel central no filme. Sobre os militares e juízes, o acadêmico diz: “Se você olhar em todos os países que querem fazer reforma, é isso que acontece. As pessoas privilegiadas no sistema antigo resistem, confundem e envenenam a discussão. Atrapalham e as reformas nunca conseguem chegar onde elas têm que chegar”.

Além de Tafner e Zylberstajn, o elenco de entrevistados ainda conta Fabio Giambiagi, do Ibre-FGV e o imortal Eduardo Giannetti. O mercado é representado por Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro e atualmente economista-chefe do BTG, e por Ana Carla Abrão, vice-presidente da B3.

País jovem que gasta como velho

Logo no início do filme, Giambiagi traz a problematização sobre a sistema de aposentadorias no país. Segundo ele, o Brasil tem uma população ainda jovem, mas tem um perfil de gasto com previdência que se equipara aos países com mais velhos.

“Há um gráfico que eu costumo apresentar na minhas palestras. Um gráfico que relaciona a proporção do PIB gasto com aposentadorias e a proporção de idosos na população. São 150, 180 países”, afirma Fabio Giambiagi.

“Muito bem, o Brasil é o único país que está no quadrante errado. É o país ainda relativamente jovem que gasta com previdência como países com uma população idosa muito grande. A questão é: até que ponto social e politicamente isso vai ser sustentável indefinidamente?”

Problema fiscal

Economista-chefe do BTG, Mansueto Almeida, que participou da reforma anterior, afirma que o momento de se iniciar o debate sobre uma revisão das regras previdenciárias é agora.

“O Brasil gasta com Previdência mais ou menos 13% do PIB. É um número muito alto. Para a nossa estrutura demográfica, o Brasil deveria gastar em torno de 7% do PIB”, afirma. “A gente controlar o gasto com Previdência nas medidas fiscais, é mais importante para a gente eventualmente chegar ao equilíbrio das contas públicas de forma sustentável nos próximos anos”, explica

Barsi aparece no documentário

“Acho que conseguimos mexer em alguns assuntos difíceis”, afirma Louise Barsi, filha caçula e tida como a sucessora dos negócios do pai investidor, octogenário. Ela lidera a AGF, empresa de educação financeira, que produziu o documentário.

Barsi aparece na metade final do documentário, tentando converter o espectador para sua cartilha de ações boas pagadoras de dividendos. Daí para a frente, o filme assume um tom mais messiânico em torno da renda variável. Um viés que tem seu apelo junto a muitos, embora atualmente restrito pela estatística amplamente favorável à renda fixa.

Afinal, com dividendo ou sem dividendo, é difícil bater o retorno de quase 1% ao mês que hoje é distribuído pelos títulos conservadores atrelados à inflação, as NTN-Bs, que pagam IPCA, acrescido de um prêmio de 6% ao mês.