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Transferir herança em vida: por que a reforma tributária levou o tema para o almoço da família?
Divisão de herança ainda em vida é normalmente um assunto indigesto e que muitas famílias preferem não discutir para não antecipar conflitos.
Devagar, porém, o temor de aumento da mordida fiscal no patrimônio dos herdeiros, como resultado da reforma tributária, vem mudando esse cenário.
Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB), entidade que representa os cartórios, houve 71.252 escrituras públicas de doação ano passado, frente a 62.683 em 2022.
Para profissionais financeiros e legais do setor, essa tendência está acelerando neste ano.
“As pessoas estão mais preocupadas em adiantar a transferência de bens”, conta Michel Siqueira, sócio de planejamento patrimonial e sucessório da Vieira Rezende Advogados. “Virou tema do almoço da família”.
Segundo ele, um item da primeira etapa da reforma, que trata principalmente de impostos sobre o consumo, já causou alarme.
Ele diz respeito ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que incide sobre heranças.
O imposto é estadual e tem alíquotas diferentes em cada região. Em 11 deles, incluindo São Paulo e Minas Gerais, ela é de 4%.
Enquanto isso, em outros 15 estados e no Distrito Federal, o ITCMD tem alíquotas que podem atingir 8%.
Ainda assim, o Brasil é um dos países que menos taxa herança no mundo.
Para efeito de comparação, nos Estados Unidos a mordida fiscal pode chegar a 40% da herança entre impostos estaduais e federais. Na Bélgica, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pode atingir 80%.
Mordida fiscal na herança vai aumentar
Essa diferença, no entanto, está prestes a mudar.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que regulamenta o trecho da reforma tributária aqui, prevê alíquota progressiva, dependendo do valor do bem.
Na prática, ela pode dobrar as alíquotas em relação aos valores praticados hoje.
E não se trata apenas de aumentar o percentual do imposto.
Segundo especialistas, a reforma tributária no final pode ter um efeito arrecadatório maior aqui do que na média internacional.
Isso porque, embora tenham alíquotas maiores, outros países aplicam maiores faixas de isenção. Na prática, isso significa que, quanto menor o patrimônio, menos imposto se paga.
Nos EUA, por exemplo, a alíquota máxima incide apenas sobre uma camada mais rica da população.
Por isso, estima-se que apenas 0,2% dos patrimônios familiares estão sujeitos à tributação nos EUA, por causa das faixas de isenção.
Outros aspectos da reforma tributária também elevam as preocupações de famílias sobre sucessão patrimonial.
Um ponto em particular diz respeito à contabilidade de ativos de empresas de capital fechado.
Para fins fiscais, atualmente usa-se o valor contábil. Com as mudanças, o fisco planeja usar o valor de mercado.
Na prática, os valores de ativos deverão ser atualizados, aumentando-se os valores tributáveis.
E outros elementos normalmente ausentes dos balanços, como geração de caixa esperada, ativos intangíveis, carteiras de clientes, etc, podem ser considerados, também resultando em mais impostos a pagar.
“A transferência desse tipo de herança agora vai ficar muito mais complexa”, disse Siqueira.
Holding familiar, doação em vida, seguros
Embora tratar de divisão de herança antes da hora envolva vencer o tabu cultural, especialistas relatam que mais famílias vêm se informando a respeito.
“A demanda por serviços de sucessão patrimonial em vida cresceu 15% desde o ano passado”, disse o sócio-fundador da fintech Herdei, Daniel Duque. A empresa também faz inventários extrajudiciais.
A recomendação da companhia é que as famílias criem uma holding, uma entidade jurídica, que concentre o patrimônio que será alvo da futura transferência.
Segundo Gustavo Costa, co-fundador e sócio da Herdei, essa estrutura não só facilita a transição, como reduz em até 70% os custos na comparação com um inventário após a morte do titular.
“E isso pode ser feito mesmo por pessoas que tenham apenas um ativo, como um imóvel, por exemplo”, disse.
Mas mesmo na pessoa física já há famílias compondo uma estrutura jurídica de transição de patrimônio.
Assim, os herdeiros recebem a titularidade do patrimônio, mas ganhos gerados por ele, como receita de aluguel, continuam fluindo de forma vitalícia para o dono original do ativo.
Além disso, esse planejamento permite definir antecipadamente a estrutura jurídica para lidar com possíveis conflitos futuros, diz Siqueira, da Vieira Rezende.
Por fim, um caminho alternativo é o uso de apólices de seguro de vida, no qual os herdeiros aparecem como beneficiários.
Essa estrutura não precisa constar da declaração de Imposto de Renda e é isenta de impostos, acrescenta o advogado.
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