Os bônus estão desatualizados na era do conhecimento?

Hoje, mais funcionários de escritório colaboram em equipes para realizar tarefas complexas que exigem cooperação e criatividade

- Ilustração: Marcelo Andreguetti/IF

Se você fosse arriscar um palpite, de quanto diria que foi o aumento do bônus médio de Wall Street no ano passado? 5%? 10%? Não. O aumento foi de 20%, para US$ 257,5 mil, bem acima da taxa de inflação anual de 7% que corrói os ganhos salariais dos trabalhadores comuns e o valor médio mais alto desde a crise financeira de 2008.

A situação não é muito diferente em outros países. No Reino Unido, empresas se preparam para os protestos contra os bônus, que já irritaram investidores em todas as áreas, desde o grupo de vendas pela internet Ocado até o banco Standard Chartered.

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A raiva é fácil de entender. São gratificações, pagas em cima de altos salários e por motivos que frequentemente deixam os investidores perplexos. É difícil imaginar que algo mude. A ideia de pagamento por desempenho está profundamente arraigada. Mas e se esse conceito for falho?
Dois novos estudos sobre remuneração por desempenho no mundo real sugerem que sim, que é falho, em parte porque sistemas de pagamento de bônus estão obsoletos em uma era de trabalho do conhecimento. Os bônus surgiram nas fábricas, no século passado, para estimular pessoas que realizavam tarefas simples e repetitivas a trabalharem mais rápido. Era fácil avaliar quantos objetos cada trabalhador produzia em um dia e pagar uma gratificação correspondente.

Hoje, mais funcionários de escritório colaboram em equipes para realizar tarefas complexas que exigem cooperação e criatividade. Isso torna mais difícil avaliar com exatidão quem atrapalha e quem ajuda. No entanto, os bônus persistem. “É difícil largar essa tradição”, diz o professor Klaus Möller, da Universidade de St. Gallen, na Suíça. “Para isso seria necessário um ato de confiança às cegas.”

Möller é um dos autores de um estudo feito com vendedores do grupo Hilti, de Liechtenstein e que atua com produtos e serviços de construção em 120 países. A empresa queria recomendações sobre seus esquemas de pagamento por desempenho.

No início de 2019, a remuneração de 190 vendedores da Hilti na Europa Oriental foi trocada, de um salário cujo valor era 65% fixo e 35% dependente do cumprimento de metas de desempenho para um salário quase totalmente fixo (pequenas recompensas não monetárias, como vales para jantares com a família, foram dadas às equipes que venceram competições internas por seu desempenho).

Os resultados foram impressionantes: o desempenho desse grupo de países superou o do mercado por um fator de 1,4 em 2019, o dobro da taxa de 2018. A rotatividade de funcionários caiu mais de 4% e a satisfação com os salários cresceu 19%, o dobro do aumento na empresa como um todo. E, o mais importante: os esforços de vendas não diminuíram. O novo sistema tinha vantagens óbvias sobre o antigo, que era complexo e difícil de entender, criando hábitos negativos: a equipe se afobava para fechar vendas, para cumprir metas mensais, em vez de cultivar laços mais valiosos e de longo prazo com
os clientes.

Seja como for, o mesmo não aconteceu em uma grande rede de varejo alemã. A empresa queria saber se um bônus por assiduidade poderia reduzir as faltas ao trabalho. Foi feito um estudo com empregados em 232 lojas. Eles poderiam escolher entre receber dinheiro extra ou ter mais dias de férias se c comparecessem ao trabalho conforme o planejado.

Infelizmente, o bônus de dias de folga extras não teve nenhum efeito sobre as faltas e o incentivo em dinheiro piorou a situação: o número de faltas aumentou cerca de 45%, o equivalente a mais de cinco dias extras de ausência por ano por empregado. “Não era o que esperávamos”, diz Timo Vogelsang, da Escola de Finanças e Administração de Frankfurt, um dos autores do estudo.

O que se verificou foi que pagar as pessoas para irem ao trabalho passava sinais contrários ao desejado. Alguns funcionários acharam que isso significava que as faltas eram generalizadas – se não fosse por isso, por que a empresa pagaria pelo comparecimento? Assim, eles se sentiam menos culpados em faltar.

Outros concluíram que o bônus mostrava que o trabalho que se pedia que fizessem era desagradável e mal pago e também deixaram de aparecer. Para Vogelsang, o bônus de comparecimento que teve resultado oposto ao esperado dá mais peso a outras pesquisas que mostram que gratificações em
dinheiro têm pouco efeito óbvio sobre o desempenho dos trabalhadores, ou podem nem produzir o efeito pretendido.

Ele acredita que os bônus ainda funcionam para alguns tipos de trabalho. “Mas para o trabalhador do conhecimento é menos evidente que eles valham a pena e é muito mais difícil identificar o desempenho.”


(*) Pilita Clark é colunista do “Financial Times”.

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