Regimes de bens: Afinal, como proteger o seu patrimônio?

Quando o relacionamento afetivo e o Direito se encontram, cabe ao planejamento patrimonial segurar as rédeas da situação

Em “Grande Sertão: Veredas”, Riobaldo, narrador do clássico escrito por Guimarães Rosa, afirma que “qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”. Ora, ao longo dos tempos, grandes pensadores se debruçaram sobre o amor. Porém, a despeito das discussões sobre sua natureza e motivações, o fato é que, no dia a dia, nos deparamos a todo o tempo com relacionamentos interpessoais, que produzem efeitos no universo jurídico, gerando impactos, inclusive, patrimoniais.

Diante dessa constatação e cabendo ao Direito regular a vida em sociedade, logo surgiram normas para tratar de tais relações. Isso porque, apesar da subjetividade e intangibilidade do amor, a convivência e os laços criados trazem reflexos concretos e tangíveis na vida dos participantes. Principalmente no que diz respeito à construção de uma vida em comum, com valores, famílias e patrimônios compartilhados.

Regime de bens: “nem tudo são flores”

Por muito tempo, por ocasião do casamento, o patrimônio da mulher passava para o domínio do marido. Apenas com o Código Civil de 1916, foi criado, no Brasil, o regime de bens da forma como conhecemos hoje. O regime de bens consiste em um dos principais mecanismos utilizados para direcionar e organizar o conjunto patrimonial do casal. É ele que determina as regras aplicáveis sobre a divisão do patrimônio em uma eventual separação ou em caso de falecimento.

Este instituto sofreu grandes alterações desde sua criação, sobretudo com a chamada Lei do Divórcio. Essa lesgislação substituiu o regime da comunhão universal de bens pelo da comunhão parcial, quando estamos diante de uma união sem documento pelo qual o casal escolhe outro regime, o que foi mantido no Código Civil de 2002. De toda forma, atualmente, existem outros três regimes de bens pelos quais o casal pode escolher, sendo que o nosso foco no presente artigo será o da separação total (ou convencional) de bens.

Tendo em vista o famoso ditado brasileiro “nem tudo são flores”, muitas pessoas entendem que espinhos podem nascer da mistura entre sentimento e dinheiro. Talvez em razão disso, o regime da separação total de bens chame bastante atenção. Nele, todos os bens, sejam adquiridos antes ou durante o relacionamento, são considerados particulares de cada um dos parceiros e, por esse motivo, não se comunicam com o outro em uma eventual separação.

Herdeiro necessário

O que nem todos sabem é que, mesmo nesse regime, em caso de falecimento, o parceiro sobrevivente será considerado herdeiro necessário. Isso quer dizer que pelo menos metade da herança, chamada de parte legítima, será destinada a ele e aos descendentes (ou ascendentes, se não houver descendentes).

Vimos, assim, que a simples eleição do regime da separação total de bens não impede que o parceiro receba parte da herança. Mas, então, o que fazer? – ou, melhor, vamos começar pelo o que não fazer…

Algumas pessoas optam por renunciar à herança do parceiro no próprio pacto antenupcial ou na escritura pública de união estável. Ocorre que a nossa legislação proíbe que a herança de pessoa viva seja objeto de contrato, ou seja, uma herança não pode ser renunciada se o titular da herança ainda está vivo. Inclusive, partilhas bilionárias e bastante divulgadas na mídia se prolongaram por muito tempo em razão de tal cláusula.

Não bastasse a previsão expressa em lei, os Tribunais passaram a julgar diversos casos sobre o assunto até que coube ao Superior Tribunal de Justiça se posicionar e, em mais de uma oportunidade, decidir pela nulidade da cláusula. E não apenas no Judiciário tal “instrumento” tem sido rechaçado, mas também nos cartórios, sendo que muitos deles tem se recusado a registrar documentos que disponham sobre a renúncia da herança antes do falecimento.

Partindo da premissa da impossibilidade de referida cláusula, seria possível então diminuir a participação do parceiro na herança em vez de excluí-lo completamente da sucessão? Sim, por meio de doação ou de testamento.

Planejamento patrimonial efetivo e seguro

Vamos para um exemplo: imagine uma pessoa casada sob o regime da separação total de bens e que possui um filho. Vamos supor, inicialmente, que essa pessoa não realizou doações em vida nem elaborou um testamento. Nesse caso, quando vier a falecer, o cônjuge e o filho receberão 50% da herança cada um.

Agora, vamos supor que essa pessoa tenha realizado doações em vida ou elaborado um testamento, destinando 50% do patrimônio total ao filho, correspondente à parte de sua disponível, isto é, a parte que ele pode dispor para quem quiser.

Nesse caso, o filho, além dos 25% que lhe cabe por força da lei (correspondente à parte legítima do filho), receberá mais 50% em decorrência de doação ou testamento, a título de parte disponível. Enquanto isso, o cônjuge receberá somente os 25% do patrimônio total que lhe cabe por força da lei (correspondente à parte legítima do cônjuge).

Sendo assim, vimos aqui que é muito importante ter o acompanhamento de especialistas na construção de um planejamento patrimonial efetivo e seguro, de modo a resguardar as vontades do titular. Diversos são os instrumentos, estruturas e veículos existentes, mas todos eles apenas possuem valor e eficácia se forem pensados para os objetivos e propósitos correspondentes ao caso concreto e não estabelecidos de forma genérica, aleatória ou arbitrária.

Além de tudo isso, existe um ponto crucial e que permeia todos os planejamentos patrimoniais: os impactos fiscais, especialmente em relação aos impostos que afetam as pessoas físicas. Mas isso vai ficar para o nosso próximo encontro aqui na Inteligência Financeira.