Ter um carro novo na garagem está se tornando cada vez mais caro. Há quatro anos, 28 salários mínimos eram suficientes para comprar um automóvel, hoje não se adquire um zero quilômetro por menos de 40 salários mínimos.
Isso acontece porque o salário mínimo, com alta de 27% no período, não conseguiu acompanhar o salto três vezes maior no período (83%) do preço do carro mais barato do mercado – hoje, o Renault Kwid, que custa R$ 48,8 mil.
A pandemia ajudou a acentuar bastante a elitização no consumo de automóveis porque as restrições de oferta abriram margem ao repasse de aumentos de todo tipo na estrutura de custo das montadoras: do frete aos materiais usados na produção, passando pela energia, e com tudo maximizado pelo câmbio mais caro.
A guinada das montadoras tem origem anterior à crise sanitária. Nem a indústria, decidida a voltar a ser rentável em vez de brigar por participações de mercado a qualquer preço, nem o consumidor de menor renda estão dispostos a pagar a conta das tecnologias de controle de emissões e segurança que vêm se tornando obrigatórias nos carros fabricados no País.
Populares fora de linha
Assim, as montadoras decidiram se voltar nos últimos cinco anos a um público de maior poder aquisitivo, investindo em modelos maiores – especialmente utilitários esportivos (SUVs) e picapes.
O resultado é que modelos populares estão sendo aposentados – entre eles, o Uno e, futuramente, o Gol -, enquanto os carros que seguem no mercado estão sendo vendidos, na média, por mais de R$ 120 mil. Antes da pandemia, essa conta ficava abaixo dos R$ 100 mil, conforme dados da Bright Consulting.
Custo surreal do automóvel
Além da alta no valor de compra, em sete anos, o custo de manter um veículo na garagem quase dobrou, segundo levantamento do Ibmec. Em alguns casos, pode superar o gasto com a educação dos filhos.
O principal vilão é o combustível, que responde por mais da metade dos custos com manutenção. Mas há outros fatores , como IPVA, seguro, estacionamento e vistoria.
Todos esses itens foram considerados em cálculos feitos pelo professor de contabilidade do Ibmec, Paulo Henrique Pêgas. O aumento nas despesas afetou os donos de carros populares e os de modelos premium. Para as simulações, o especialista considerou o uso médio diário dos carros de 50 quilômetros.
Manter um carro popular usado, como um Gol 2016, por exemplo, consome pouco mais de R$ 14,5 mil por ano ou R$ 1.210 mensais, praticamente o valor de um salário mínimo, após o reajuste deste ano.
Nos automóveis mais caros, o custo mensal pode se aproximar de dois salários mínimos. Caso de um Renault Duster modelo 2022, cujo custo anual é estimado em R$ 27 mil. Com esse montante, é possível pagar um semestre de mensalidade em uma escola particular de elite no Rio de Janeiro para um aluno em ano de vestibular ou comemorar um mês de lua de mel em Londres, com direito a passagem aérea e hospedagem.
Salto de 30% no seguro
A pandemia desorganizou cadeias produtivas em todo o mundo e reduziu a produção das montadoras. Com automóveis zero mais caros e em falta, os usados se valorizaram no último ano, em vez da usual depreciação que começa quando eles saem das concessionárias.
Por exemplo, em 2015, um Gol com seis anos de uso custava pouco mais de R$ 21 mil. Hoje, é vendido por cerca de R$ 36,4 mil, alta de 73%, aponta o levantamento.
Com o aumento nos preços, houve reajuste do IPVA e do seguro, já que são calculados a partir de um percentual do valor dos carros, segundo a tabela Fipe. O reajuste médio do IPVA para 2022 será de 23,9%, bem acima da inflação acumulada em 2021, de 10,06%.
Em São Paulo, o reajuste dos seguros de carros chega a 30%, o maior patamar desde o início do Plano Real, segundo Boris Ber, presidente do Sindicato de Profissionais Autônomos da Corretagem de Seguros de São Paulo.
Pêgas, do Ibmec, explica que o aumento também é reflexo do número crescente de indenizações por perda total devido a catástrofes climáticas, como deslizamentos e tempestades. Mas avalia que o atual cenário é sem precedentes.
“Nunca a falta de carros novos pesou tanto no preço do seguro. Esse percentual de aumento (no seguro) não era visto nos últimos 30 anos”, diz.
Custos de manutenção
Marco Antonio Rocha, professor de Economia da Unicamp, observa que o cenário macroeconômico atual também é desfavorável para custos com manutenção. A desvalorização do câmbio e o impacto da pandemia na indústria reduzem a oferta de peças e encarecem o custo de trocas.
“Como a cadeia automotiva depende muito de importação, agora está sofrendo com o aumento de custos, e isso afeta o custo de autopeças. Quando precisar trocar o amortecedor ou freio, vai encarecer.”
No entanto, o maior custo para os motoristas é mesmo o combustível, que não para de subir. Só em 2021, a gasolina avançou 47,49%, segundo o IBGE. Os preços do etanol (62,23%) e do GNV (38,42%) também saltaram no ano passado. O combustível pesa mais para os donos de carros populares.
Pêgas calcula que a despesa com esse item representará dois terços do gasto que o motorista terá em 2022, se tiver comprado um Gol com seis anos de uso. “A gasolina acaba sendo o principal vilão. Lá em 2015, o litro custava R$ 3,51, em média, e hoje está em R$ 7, o dobro.”
Com informações do Valor Econômico e de O Globo.