Quer investir em futebol? Avalie risco, oportunidades e… cuidado com a propaganda
Futebol brasileiro segue sendo um alvo; oportunidades podem surgir, mas ainda é um ambiente imaturo, complexo, que requer atenção e cautela
Desde que anunciamos o fundo de investimentos em clubes europeus através da consultoria Convocados e da Blue Crow Capital, recebi uma série de contatos para entender a dinâmica do investimento. Então, foram rodadas de captação, use of proceeds, retorno, prazos, mas também vários intermediários querendo negociar SAFs no Brasil, em busca de investidores no futebol.
Aparentemente não entenderam que nossa tese é sobre futebol europeu, e pode ter um pé no Brasil numa terceira fase, mais adiante, se e quando o mercado estiver maduro. Mas mostra o quanto o movimento efetivo de negociação de SAFs ficou pelo caminho. Natural: quanto mais se estuda e se aprofunda, maior a capacidade de entendimento de riscos e oportunidades.
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O que aconteceu com os investimentos no futebol brasileiro
O futebol brasileiro não mudou milagrosamente por conta das SAFs. Veja que na Série A do Brasileirão temos Coritiba e América-MG em condições delicadas na tabela e com grande risco de rebaixamento, assim como Bahia e Vasco. Ao mesmo tempo em que o Botafogo é líder.
Já falamos sobre isso: não dá para fazer grandes avaliações e ter verdades definitivas em tão pouco espaço de tempo. Logo, aleatoriedades do futebol levam a esses resultados.
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Veja também que clubes como o Londrina, que estão no mercado encontram-se em situação delicada na Série B, ou mesmo o América-RN, que acabou de virar SAF num projeto de crescimento, e que foi rebaixado para potencialmente disputar a Série D em 2024.
O risco de investir no futebol brasileiro sempre existirá, o que faz com que grandes promessas de resultado, desempenho e investimentos precisem ser moduladas corretamente. E, novamente, as expectativas precisam estar de acordo com a realidade.
SAF do Náutico e do Fortaleza
Na semana passada vimos dois movimentos de clubes em processo de transformação em SAF: Náutico e Fortaleza. Realidades diferentes, demandas e expectativas diferentes. Mas sempre números relevantes, com investimentos bilionários que, se analisados em detalhe, são bem menos relevantes do que parecem, e indicam capacidade limitada de competitividade.
Investimento no futebol do Náutico: R$ 950 milhões em 10 anos
O Náutico fala em R$ 950 milhões em 10 anos, sendo parte para reforma do estádio dos Aflitos (cerca de R$ 350 milhões). Logo, sobram R$ 600 para o futebol, divididos em 10 anos, significam R$ 60 milhões anuais. Para um clube que deve fazer uns R$ 15/20 milhões anuais de receitas, o aporte adicional leva para algo como R$ 80 milhões.
Se pensarmos que este valor leva o clube para a Série A, a receita futura na competição iria para a casa dos R$ 120 milhões, com base nas condições atuais de mercado.
Esse dinheiro é insuficiente para ser competitivo, exceto se o trabalho de gestão for acima da média, como vem acontecendo com o Cuiabá, por exemplo. Mais exceção que regra, convenhamos.
SAF do Fortaleza não faz sentido
No caso do Fortaleza, a ideia de uma SAF com venda de participação minoritária parece bacana, mas só atingiria incautos. Não faz sentido ser sócio de uma associação, que tem eleições periódicas, e quando acabar o mandato do Marcelo da Paz, corre o risco de ver tudo ruir. A troca de quê? Dividendos? Quanto? Quais dividendos? Valorização e venda de participação sem poder de gestão?
SAF em troca de empréstimos
O objetivo de usar as ferramentas da SAF para investir no futebol e tomar empréstimos também é bastante limitado. A possibilidade de usar ações da SAF como garantia em empréstimo, sem se aprofundar no tema, chega a ser ingênuo. Li que poderiam dar “20%, 30% de participação como garantia”.
Mas quem aceitaria dar um empréstimo com garantia do próprio ativo e ainda em parcela minoritária? Se houve problema de inadimplência gerada pelo ativo, de que me adianta ter 30% e ainda manter o controle nas mãos de quem o geriu mal?
As notícias e interesses ignoram aspectos básicos do mercado financeiro, que é a capacidade de analisar cenários e riscos.
Citei Náutico e Fortaleza, mas não é pelos clubes, e sim pelo conceito. Vale para eles, e vale para qualquer outro que opte por esses caminhos.
Porque na hora de vender, todo mundo tem um excel bacana que triplica as receitas, corta custos pela metade, e entrega uma TIR de 19% pelo menos. Mas é tudo lastreado em suposições, e o futebol brasileiro segue sendo um mar de suposições e expectativas.
Negociações em bloco
A ideia da liga de clubes que viria para organizar o mercado ficou para trás. Agora são as “negociações em bloco”, que prometem valorização do negócio sem ter necessariamente um negócio, e sem entender como o mercado funciona.
Falei recentemente sobre os riscos de mercado e direitos de transmissão na Europa, e aparentemente os stakeholders ainda pensam que vivemos o boom da guerra do streaming de dois anos atrás.
Então, investir no futebol brasileiro segue sendo um alvo. Oportunidades podem surgir aqui e ali, mas ainda é um ambiente imaturo, complexo, que requer atenção e cautela na construção dos casos.
E, essencialmente, estudar minuciosamente os riscos e oportunidades. Parece óbvio, é óbvio, e quando é ignorado, a decepção é grande.