Brasil lidera corrida pelo combustível sustentável de aviação. É hora de investir nas produtoras nacionais? 

O país largou na frente na disputa mundial pelo fornecimento do produto aos Estados Unidos; veja em quais ações você deve investir e quais evitar 

Ministério de Minas e Energia vê etanol para aviação como aposta para o setor sucro-alcooleiro no futuro. Foto: Divulgação/São Martinho
Ministério de Minas e Energia vê etanol para aviação como aposta para o setor sucro-alcooleiro no futuro. Foto: Divulgação/São Martinho

O setor aéreo global tem uma meta ambiciosa: zerar as emissões de carbono até 2050. Mas para isso ele terá de substituir os atuais 390 bilhões de litros de combustível fóssil que usa diariamente por um combustível verde. E é neste cenário que o Brasil comemora um pioneirismo invejável.  

Até o momento o país é um dos únicos fornecedores de etanol para combustível sustentável de aviação no mundo (SAF, na sigla em Inglês). As cias aéreas precisarão de 7,5 bilhões de litros de SAF só no ano que vem, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). 

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Ainda de acordo com a associação, em até 6 anos, cerca de 7% de todo o combustível consumido pela aviação deverá ser SAF.  

“A demanda é muito maior do que a oferta e vai precisar ser atendida por todas as fontes possíveis. Somos apenas uma gota no oceano”, disse à Inteligência Financeira, Fábio Venturelli, CEO da São Martinho

Mas se no mercado externo o Brasil não vê concorrentes, dentro de casa o cenário é outro. Pelo menos sete produtores nacionais já estão certificados para fornecer etanol para SAF aos Estados Unidos, o que deu início a uma corrida pelo protagonismo na terra onde o domínio é do etanol de milho.  

Todos cobiçam atender uma parte da demanda do mesmo cliente, a usina da Lanzajet. Inaugurada em janeiro, no estado americano da Geórgia, ela é a primeira unidade no mundo a fabricar o querosene sustentável de aviação usando etanol.  

Para entrar no jogo, as concorrentes precisaram obter certificações rígidas, como a ISCC Corsia Plus. Sem a chancela, as sucroalcooleiras não podem fornecer matéria-prima para bioquerosene de aeronaves.  

Quem está na corrida do etanol para SAF 

Por aqui, a Raízen foi a primeira a obter os selos em 2021. No fim de abril deste ano, consolidou a liderança na briga ao despachar um navio com 25 milhões de litros de etanol para SAF com destino à Georgia, segundo informações da Datagro.   

Outra concorrente é a paulista Zilor. Com 90% de suas unidades certificadas, ela promete fornecer até 25 milhões de litros de etanol para SAF por ano.  

São Martinho também quer uma fatia desse mercado e informou que produzirá até 13 milhões de litros do produto neste ciclo. Contudo, não confirmou ter contrato com a americana Lanzajet.  

Sem cravar números, BP Bunge, Usina Coruripe, Adecoagro e Copersucar também confirmaram ter aval normativo para entregar etanol para produção do bioqueronese aéreo.  

Por que o Brasil foi pioneiro no mercado de etanol para SAF?  

Os Estados Unidos estão entre os maiores produtores de bioetanol do mundo. Mesmo assim precisou preterir a matéria-prima local e dar espaço ao combustível verde e amarelo. 

O motivo é simples. O etanol brasileiro possui níveis de conformidade com os padrões ambientais superiores aos que o sistema produtor americano apresenta hoje. E isso é crucial para a produção de SAF.  

Fábio Venturelli, da São Martinho, explicou em entrevista à Inteligência Financeira a complexidade por trás da obtenção das certificações. Segundo ele, a certificação considera todo o ciclo de vida no produto e suas fazendas de origem, inclusive o histórico de anos anteriores.  

“Toda a cana para etanol de SAF deve ficar separada da cana não certificada. Tanto na colheita, quanto no armazenamento e no transporte”, detalha. 

“Além disso, na fabricação do etanol de milho os EUA utilizam energia não renovável, o que não acontece no Brasil”.  

Sobre o risco de que concorrentes norte-americanos obtenham certificação e passem a atender a demanda local, Fábio vê uma barreira de entrada alta. O Brasil vai se manter na ponta do setor, pelo menos no curto prazo, aposta ele.

“Os Estados Unidos precisariam de um investimento de bilhões de dólares para produzir essa matéria-prima localmente com o grau de exigência necessário quanto ao carbono”. 

Para o porta-voz da São Martinho, a produção de etanol nos EUA é “um cobertor curto”. Se a safra for direcionada à aviação, vai faltar produto para suprir a demanda com automóveis.  

A “beleza” do SAF 

A aviação é uma das indústrias mais poluentes do mundo, com 390 bilhões de litros de querosene de origem fóssil consumidos por ano. Por isso, as cias aéreas membros da IATA estabeleceram a meta de zerar suas emissões de carbono até 2050. 

O SAF é a principal aposta do setor para atingir essa meta. Diferente do combustível atualmente usado nas aeronaves, ele é feito de fontes renováveis e polui muito menos. 

“Essa é a beleza do SAF feito a partir do etanol. Ele é capaz de reduzir cerca de 80% do volume total de gases de efeito estufa quando comparado ao querosene de aviação atual”, compara Frederico Nobre, líder da área de análise da Warren Investimentos. 

Outra proeza obtida com o combustível verde é que as aeronaves não precisam de adaptação mecânica para utilizá-lo, pois sua composição molecular é similar à do suprimento atual.  

Mas nem tudo são flores. O SAF ainda é um produto caro, o que pode aumentar, no longo prazo, os preços de passagens aéreas, dizem pesquisadores. 

Um percalço extra é o custo de construção de uma usina. Raízen e Copersucar têm planos para produzir SAF a partir de etanol no Brasil, projetos que devem levar anos. Além disso, o incentivo governamental ainda é tímido. 

A concorrência entre Brasil e outros países é baixa, mas não inexistente. Apesar de o SAF feito de etanol de cana-de-açúcar ainda ser o menos caro, países como China, Singapura, México, Noruega e Alemanha também já fabricam o combustível, segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 

O que diz o Ministério de Minas e Energia 

Em nota enviada à Inteligência Financeira, a autarquia informa que atua no Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV). O projeto visa a redução das emissões de gases de efeito estufa nos voos nacionais. 

Segundo a pasta, a meta é reduzir as emissões em 1% até 2027 com aumento gradativo mirando 10% até 2037. 

O MME também afirmou que “a demanda por etanol em veículos leves pode diminuir”, uma vez que o crescimento no número de veículos movidos à eletricidade se mostra constante.  

Portanto, na visão da autarquia, a produção de etanol para SAF funcionaria como uma “uma oportunidade para compensar a eventual queda” nesta demanda em transporte particular. 

É hora de investir nas empresas produtoras de etanol para SAF? 

Na visão de Frederico Nobre, da Warren Investimentos, é cedo para avaliar o impacto do etanol para SAF no desempenho financeiro de suas produtoras nacionais. 

“A expectativa é de que essa indústria comece a ganhar escala nos próximos anos, mas ainda é algo relativamente embrionário em termos de decisão de investimento”, diz. 

“Devemos ver os frutos do SAF no balanço dessas empresas em três ou quatro anos”, acrescenta. 

Assim, para Nobre, o SAF em si não justifica a compra de ações dessas empresas, mas o bom momento das mesmas no mercado, sim.  

“Tem o Projeto de Lei Combustível do Futuro, por exemplo. Esse, sim, é benéfico para setor de açúcar e etanol no curto prazo, pois deve aumentar consideravelmente os volumes de produção”, projeta o analista.  

Nobre cita o PL número 528/2020 que prevê, entre outras medidas, que a mistura de etanol à gasolina passe dos atuais 22% para 27%, podendo chegar a 35%. A proposta tramita no Senado. 

Afinal, em quais investir (ou não)? 

Veja abaixo as análises mais recentes em relação às ações de empresas habilitadas para produzir etanol para SAF: 

  • Raízen (RAIZ4): está entre as 10 ações recomendadas pelo Itaú BBA para compra em maio. O banco vê destaque na join-venture em relação aos seus concorrentes na recuperação de preços de etanol. A visão é endossada pelo Bank of America. 
  • São Martinho (SMTO3): tem recomendação de compra por parte da Warren. “Vemos a empresa descontada no momento. Está recomprando significativa quantidade de ações”, diz Frederico Nebre, analista da casa. A visão da corretora brasileira, contudo, não é acompanhada pelo Bank of America, que atribui recomendação neutra. 
  • Adecoagro (AGRO): o Bank of America vê valuation atrativo com impulsos de lucro no curto prazo, mediante recuperação de culturas, cravando recomendação de compra. 

Os analistas preveem boa safra de cana-de-açúcar no segundo semestre, o que deve beneficiar todos os players. Contudo, não há análises recentes sobre recomendação para ações de: Zilor, BP Bunge, Usina Coruripe, Adecoagro e Copersucar. 

O futuro do SAF

O Brasil largou na frente na corrida do etanol para querosene de aviação e possui vantagens significativas sobre seus concorrentes globais. Mas precisará de incentivos massivos e de longo prazo para se manter surfando essa onda.  

Iniciativas como o programa Combustível do Futuro, do governo federal, parecem incipientes em um mundo com demanda voraz por um combustível verde e que, pelo menos por enquanto, só encontra um verde e amarelo. 

Com edição de Isabella Carvalho.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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