De repente 30: como era o planejamento financeiro antes do Plano Real?
Se hoje temos à disposição vários tipos de investimentos e mais segurança, isso devemos a esse senhor de 30 anos chamado real
Para quem tem menos de 30 anos, o real sempre foi a moeda do país. No meu caso, aos 46 anos, passei por várias moedas e planos econômicos. Quando nasci, em maio de 1978, a moeda brasileira era o cruzeiro. De lá para cá, passei pelo cruzado, em 1986; cruzado novo, em 1989 e a volta do cruzeiro, em 1990. Não demorou muito e, mantendo a tradição de troca de moedas, chegamos ao cruzeiro real, em 1993. Nessa época, com 15 anos, já tinha passado por 5 moedas diferentes. Mas como era investir antes do real?
Quando chegamos em julho de 1994, lembro que as pessoas achavam o Plano Real algo mais do mesmo – e pouco duradouro. Mas, na verdade, o modelo desse plano nasceu em 1984 pelos economistas André Lara Resende e Pérsio Arida e visava replicar o modelo usado em Israel no início da década de 80. O conceito surgiu em 1986, mas não prosperou em função de ajustes que não foram implementados de forma correta.
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Investir durante o Plano Real
Quem passou por tantas trocas de moedas e várias incertezas antes do Plano Real sabe o quanto foi difícil investir. A regra, neste período de incertezas econômicas, limitava os investimentos: afinal, como a inflação corroía o poder de compra de forma diária, consumir para sobreviver era mais importante que investir.
Contextualizando, a hiperinflação brasileira chegou a acumular quase 2.000% no final da década de 1980. Em abril de 1990, chegou a 6.821%. Quem investiria para o futuro num ambiente tão incerto? Antes do Plano Real, as transações eram em dinheiro, principalmente na compra e venda de imóveis. A bolsa então era uma utopia, pois quase ninguém investia nesse mercado.
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E, para ajudar, existiam duas bolsas: a de São Paulo e a do Rio de Janeiro. Para se ter uma ideia dessa dificuldade, quem quisesse comprar ações da Petrobras tinha que optar pela bolsa paulista, enquanto quem desejasse os papéis da Vale tinha de acessar a bolsa carioca. Se alguém achar que comprar uma ação hoje em dia é difícil, naquela época era muito mais.
Quais eram os investimentos comuns na época?
Primeiro, a caderneta de poupança. Num ambiente onde a maior parte da população era desbancarizada (cerca de 60%), ter uma poupança era quase um luxo. Quem a tinha usava toda a criatividade para conseguir se proteger da inflação.
Na poupança os valores atualizam após 30 dias. Porém, como a inflação era diária, as pessoas abriam várias cadernetas de poupanças com dias de vencimentos diferentes para poderem ter liquidez em mais datas do mês, sempre que precisassem dos recursos.
Alguém imagina fazer a gestão financeira desta aplicação com inflação diária e sem a tecnologia atual?
Outro investimento comum naquela época era o “overnight”. Apesar de um nome que mais lembra uma casa noturna, era uma operação muito simples. Você se dirigia até a agência bancária e solicitava ao gerente que investisse nesse produto para não perder o poder de compra no dia seguinte.
O investidor da época poderia nem saber bem o que era isso, mas entendia que, no final do dia, seu capital estaria preservado.
Eram operações semelhantes às que vemos atualmente no Tesouro Direto, mas com um prazo extremamente curto: em muitos casos, de apenas um dia, dadas as incertezas com a economia.
Títulos ao portador
Também existia algo bem tupiniquim: os famosos “títulos ao portador”. Quem tinha esse papel (você leu corretamente) tinha um título físico com direito de resgatar o valor investido acrescido de juros em uma data acordada.
Porém, caso perdesse esse papel, não haveria mais o direito de resgate. Além disso, caso quisesse vender o título antes do vencimento, havia um mercado secundário bem consolidado onde esse papel circulava de mão em mão. Ele ia, muitas vezes, em dinheiro vivo ao vendedor. Como disse anteriormente, o principal foco era não perder esse papel por nada.
E para fechar a cereja do bolo, nós tínhamos o nosso “dólar black”. Isso era informalidade em estado puro para se preservar da inflação, pois esse mercado era de “cambistas”, e não pelos bancos.
Muitas pessoas nessa época recebiam o salário e corriam para os cambistas para comprar dólar. Assim, havia duas cotações de dólar no país: a oficial e a paralela (que saíam nos telejornais da época).
No período pré-Plano Real, investir era algo limitado, tanto em termos de produtos financeiros quanto em disponibilidade de recursos.
O Plano Real proporcionou estabilidade financeira e trouxe a inflação para níveis aceitáveis para uma economia moderna, gerando mais previsibilidade, mais condições para investimentos de longo prazo e favorecendo a entrada de recursos para o país.
Se hoje temos à disposição vários tipos de produtos de investimentos e mais segurança para investir, isso devemos a esse senhor de 30 anos chamado real.
Então, planeje-se, pois o melhor dia para começar é hoje!
*Texto de Vinicius Panizza para o íon; para ler este e outros conteúdos, acesse ou baixe o app agora mesmo.