Inverno sem FIM: por que fundos multimercado não se recuperaram de saques bilionários

Com saque de R$ 326 bilhões em 12 meses, indústria de fundos de investimento multimercado passa por crise; gestores comentam sobre futuro

Fundos multimercado: gestores comentam sobre o que aconteceu com a indústria.  Foto: Brendan McDermid/Reuters
Fundos multimercado: gestores comentam sobre o que aconteceu com a indústria. Foto: Brendan McDermid/Reuters

Concentrada, focada em projeções de longíssimo prazo e, pelo último ano, com problema de saques. A indústria de fundos de investimento multimercado atingiu um vale na crise de confiança entre investidores em setembro e gestores de algumas das principais asset managements da Faria Lima confessam à Inteligência Financeira que não veem saída de curto prazo para trazer cotistas de volta.

Nem a dança das cadeiras entre gestoras, que envolve assets como Opportunity, SPX, Asa e Armor Capital vem dando resultados. Enquanto isso, fundos multimercado sofrem com o sucesso do crédito privado incentivado. Algumas gestoras, acompanhando a onda, remanejaram profissionais para fundos de infraestrutura.

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Fundos multimercado tem crédito privado como vilão em 2024

Em setembro, a indústria de fundos multimercado chegou ao ponto mais baixo do ano em captações contra resgates.

Cerca de R$ 54 bilhões de investimentos foram retirados dos fundos multimercado, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

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Assim, a classe de ativos segue em declínio: a última vez em que FIMs registraram entrada líquida foi em agosto de 2023. Em 12 meses, a classe perdeu R$ 326 bilhões em patrimônio. FIM é como o mercado conhece esse tipo de fundo.

Mas o inverno dos multimercados não deve acabar tão cedo, dizem fontes ouvidas pela reportagem.

Gestores concordam que a concorrência entre multimercado e títulos incentivados vem drenando o patrimônio das assets que não entraram no segmento de debêntures.

Pelo menos por enquanto.

Até em casas que oferecem os dois produtos analistas estão sendo remanejados para cobrir crédito privado.

É o caso da Panamby Capital, conta Gianluca Galdi, analista da gestora. Nela, dois outros analistas que antes participavam de discussões do fundo multimercado macroeconômico foram para o fundo de crédito high grade.

“O próprio fundo multimercado passou a alocar em crédito privado”, diz Galdi. “Ativos de renda fixa devem crescer por mais dois anos, e os fundos de crédito devem continuar captando mais e mais investidores”, explica.

Outro ponto é a rentabilidade.

Para apenas empatar com o retorno de um título isento IPCA+ disponível no mercado, um FIM precisa de um retorno nominal (alfa) de 3,5% sob volatilidade de 3,5%. E, ainda, atingir um índice Sharpe (que mede o retorno do investimento ante o risco) de 1. Essa é a análise de Alfredo Menezes, CEO da Armor Capital.

‘Se um vai mal, 80% vai mal’

Ex-tesoureiro do Bradesco, Menezes trouxe um analista macroeconômico da Opportunity neste ano e chamou em 2023 o investidor David Wolf, um dos fundadores do Banco Cargill no Brasil.

Menezes destaca que a imagem da indústria de fundos multimercado depende dos grandes nomes da Faria Lima para “ir bem”.

“A correlação da indústria é muito alta. Se um fundo vai mal, 80% acompanham o desempenho ruim”, diz o CEO da Armor Capital.

Por quê?

“Quanto maior o fundo, maior a chance de ele performar na média da indústria”, diz Menezes ao explicar que a concentração da classe em poucos players gera estigma negativo em fundos de investimento multimercado.

Menezes afirma que os maiores fundos de investimento em multimercado, como os da grandes casas, mantêm posições semelhantes em trades de moedas, ações e juros, por exemplo. “Os consultores e sócios dos fundos vão de gestora a gestora, mas passam a vida inteira vendo modelos parecidos de longo prazo.”

A visão de longo prazo dos fundos é mais difícil de liquidar caso o investimento se prove errado ao longo do tempo.

Assim, a perda de espaço de fundos multimercado para incentivados também ocorreu na carteira de investidores institucionais, diz Guilherme Bragança, co-head de Relações com Investidores da JGP. A asset é uma das referências da Faria Lima na gestão de fundos e vem dando seus ‘pulos’ para manter investidores.

Demissões e trocas de fundos multimercado estão só no começo

Na JGP, Bragança relata que houve reforço de atuação nos analistas de moedas e economias regionais.

“A última mudança que fizemos foi criar hubs de coberturas de determinados países e regiões”, conta o executivo da JGP. “São times que têm um a dois gestores e contam com apoio de um macroeconomista. E temos um para cada região”, completa.

“É uma tentativa bem-sucedida de replicar nossa expertise local para outras regiões.”

No ano, fundos da JGP tinham rentabilidade abaixo do CDI até o final do primeiro semestre. A partir de junho, o fundo carro-chefe, o JGP Strategy FIC FIM, inverteu o jogo e até setembro acumulava retorno de 14,17% contra 11% do CDI.

A Armor Capital viu uma oportunidade de captar mais dinheiro, mesmo sob a forte onda de saques.

O patrimônio líquido da gestora aumentou de R$ 520 milhões para R$ 1 bilhão em 12 meses.

Mas outras assets não acharam saída para se ajustarem ao inverno dos FIMs.

Na Verde, Luis Stuhlberger, passou a ser responsável pela alocação em ações da gestora depois de um corte de 19% de funcionários.

Três gestores deixaram para trás a Opportunity. Um deles, Marcos Mollica, virou reforço na gestão de portfólio de fundos multimercado na SPX.

Temporada de saques custa caro

Então, um gestor de fundos conhecido na Faria Lima comenta que, até o final do ano, as demissões e dança das cadeiras na indústria devem continuar.

Afinal, a temporada de saques dos fundos multimercado custa caro no balanço anual e gestores convivem, atualmente, com um passivo.

“O gestor está num corner“, diz a fonte. “Isso porque ele sabe que não vai performar nos próximos dois a três meses, e sim tomar mais saques. E ele pensa nisso como um passivo”, diz a fonte.

Dessa maneira, o motivo explica o porquê de mais de um fundo oferecer o mesmo ativo a clientes.

“Quando terminar o ano, vai ser determinado o quanto do resultado será distribuído para cada sócio. E vai ter gente que não vai receber nada”, completa o gestor.

‘É difícil formar traders’

Assim, outro gestor diz que o mercado passa também por uma dificuldade de formar traders em fundos multimercado. Poucas assets têm condições de fazer escola, mas quem melhor que os gestores que têm reputação na praça?

Em multimercado que falta captação, todas as gestoras brigam pelos grandes nomes, na paráfrase do ditado que a fonte ouvida pela Inteligência Financeira cita.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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