Como saber se a dica de um influenciador é, de fato, boa para o seu bolso?

'Desconfie de grandes vantagens', diz a advogada Patricia Peck, especialista em Direito Digital

Você viu um influenciador dando dicas sobre investimentos em uma rede social. Dica quente, boa. Mas como saber o real interesse deste influenciador em te ajudar a ficar mais rico? É aí que entra a advogada Patricia Peck. “É sempre indicado que os investidores desconfiem de qualquer oportunidade que ofereça expectativas de obtenção de vantagens exorbitantes.”

Parece óbvio. Mas uma pesquisa da CVM mostra que metade das pessoas cai em golpes financeiros.

Por isso, sua melhor arma é a desconfiança.

E Patricia sabe do que está falando. Ela é especialista em Direito Digital, Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e cibersegurança.

O currículo dela na área é extenso: faz parte do Comitê Consultivo do Movimento Transparência 100% do Pacto Global da ONU, é pesquisadora convidada do Instituto Max Planck de Hamburgo e Munique e da Universidade de Columbia, em Nova York, nos EUA.

Ainda dá aula de Direito Digital na ESPM, é professora convidada da Universidade de Coimbra em Portugal e da Universidade Central do Chile. E fala sobre Cibersegurança na Escola de Inteligência do Exército Brasileiro.

É autora ou co-autora de 41 livros na área de Direito.

Você acompanha abaixo os principais trechos da entrevista que ela concedeu à Inteligência Financeira:

Patricia Peck é advogada especialista em direito digital

Como o investidor pode se proteger de golpes nas redes sociais?

É importante que o investidor busque se manter informado sobre o mercado, validando as informações recebidas em fontes confiáveis e periódicos de renome.

Nesse sentido, o primeiro passo é pesquisar sobre a instituição ou o influenciador, para apurar o grau de confiabilidade e conhecimento, bem como se as opiniões estão sendo prestadas em conformidade com as normativas aplicáveis ao mercado de valores mobiliários.

É sempre indicado, também, que os investidores desconfiem de qualquer oportunidade que ofereça expectativas de obtenção de vantagens exorbitantes.

Os investidores devem ficar atentos às simulações realizadas, bem como aos dados solicitados para acesso àquele determinado conteúdo.

Como confiar no influenciador?

Todo investidor deve averiguar a conformidade da atuação do influenciador.

Se as análises são realizadas em caráter profissional, o influenciador é considerado analista de valores mobiliários, nos termos da Instrução CVM 598, e fica sujeito ao credenciamento e à observância das regras de conduta especificadas no referido normativo.

Finalmente, e não menos importante, tratando-se de investimentos, especialmente os de grande vulto, é recomendável que o investidor conte sempre com uma casa de análise ou assessor de investimentos de sua confiança.

É possível acionar judicialmente o influenciador por propagar informação falsa?

Sim. O influenciador pode ser responsabilizado, a depender do que for levantado no caso concreto.

Dois aspectos são relevantes nesse cenário.

Primeiro é observar que o influenciador é um importante agente de publicidade e, nesse sentido, deverá observar a regulação aplicável, em especial do Código do CONAR, que tem anexo próprio para disciplina da publicidade dessa categoria de anúncios. O Código traça diretrizes de responsabilidade social ao anunciante, com enfoque ao direito de informação dos investidores, na sua educação e orientação, bem como na acurácia das atividades de projeção ou estimativa de resultados futuros.

Em um segundo ponto, devemos considerar que estamos tratando de um mercado regulado. Na hipótese do influenciador ser caracterizado como analista de valores mobiliários, estará sujeito à regulamentação da CVM e, portanto, à configuração de infração administrativa, nos termos da Instrução CVM 598. Isso se seu conteúdo estiver voltado à criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não equitativas, para tentar auferir vantagem para si ou para terceiros.

É possível acionar o Código de Defesa do Consumidor?

Sim. No âmbito judicial, há ainda a hipótese de acionamento do influenciador com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, ante a relação de consumo estabelecida. Sempre que há a configuração de propaganda enganosa, há crime contra o consumidor, previsto no artigo 67 do CDC.

Isso pode ser considerado um crime contra o sistema financeiro?

A depender do cenário fático, o influenciador ainda pode, sim, responder por crime contra o sistema financeiro nacional, quando induz ou mantém em erro investidor, conforme art. 6° da Lei 7.492/86.

Por isso, cabe ao influenciador se resguardar, publicando avisos legais preventivos, orientativos e educativos.

O investidor que perder dinheiro pode acionar a gestora ou a administradora do fundo?

Este é um cenário mais difícil de se configurar pois há uma premissa de que quem transaciona ativos em fundos de investimento deve entender e conhecer o risco inerente deste perfil de investimento, não sendo o gestor ou administrador objetivamente responsável por eventuais perdas ou por qualquer expectativa de desempenho que o investidor possa ter. Logo, conseguir imputar responsabilização do evento de perda neste tipo de ocorrência à gestora ou administradora de fundo não é algo simples.

Em um ambiente naturalmente volátil, a ferramenta de avaliação do perfil de investidor, ou suitability, é eficaz em parametrizar tanto o grau de risco assumido por cada investidor como o perfil de certas recomendações direcionadas.

Por fim, e a depender da hipótese, caso o investidor entenda que a gestora ou administradora do fundo agiu de forma negligente ou violou suas obrigações ou atribuições estabelecidas em contrato, poderia acionar a gestora ou administradora, o que demandaria uma análise cuidadosa de caso, bem como de provas e evidências da atuação irregular.

Casas de análise e corretoras com influenciadores dificultam saber o que é uma análise e orientação. Regulação elimina este ruído?

Por certo, a multiplicidade de fontes de informação e de interlocutores pode gerar certa confusão no investidor. É difícil saber o limite de atuação e responsabilidades entre os envolvidos.

Por isso, é importante que o agente que está veiculando a informação seja muito claro no momento em que compartilha uma diretriz para o investidor. Se possível, é fundamental publicar um disclaimer (aviso legal) para alertar que, mesmo integrante de uma casa de análise, aquela opinião fornecida é de natureza pessoal – alheia à pessoa jurídica que integra.

Em conformidade com o disposto no art. 21 da Instrução CVM no 598/18, o analista de valores mobiliários pessoa natural deve incluir, de forma clara e destacada, em seus relatórios de análise, as ressalvas de que as recomendações apresentadas refletem única e exclusivamente as suas opiniões pessoais e que foram elaboradas de forma independente, inclusive em relação à pessoa jurídica à qual esteja vinculado.

Mas existe uma lei para isso?

De forma específica, não há regulação que elimine ou trate da devida confusão. Algumas diretrizes, contudo, são traçadas pela CVM no Ofício-Circular n° 13/2020/CVM/SIN.

Em síntese, o que o regulador traz são algumas premissas para a identificação de em quais hipóteses estará evidenciado ou não o exercício do ofício de análise de forma profissional.

Em sendo constatado o caráter profissional, os avisos como “não se trata de recomendação de investimento”, “são opiniões apenas pessoais” não serão bastantes para afastar a responsabilidade do influenciador e, por via de consequência, a do agente a que está vinculado. Por isso, cada vez mais, tem sido importante que a atuação de influenciadores seja regida por contratos claros, que tragam inclusive estas obrigações.

E, desta forma, influenciadores, corretoras e casas de análise deverão estar conformes às regras estabelecidas na Instrução CVM Nº 598/2018 e também na Resolução CVM nº 178, publicada no dia 15 desse mês.

De acordo com essa nova normativa, dentre outras disposições, o assessor de investimento que passe a atuar em nome de um novo intermediário e venha a oferecer produtos e serviços a investidores com quem já possua relacionamento comercial prévio, deve dar ciência a tais investidores de que a oferta de produtos e serviços se dá no âmbito do novo relacionamento entre o assessor de investimento e intermediário.

Qual é o papel da lei?

A lei tenta mitigar este problema, que é também agravado nestes casos em que determinado agente de atividades de suporte, orientação e recomendações de investimento passe a atuar representando novo intermediário, sujeitando o investidor a confusão.

E nas redes sociais, cabe regulação para analistas e influenciadores?

A regulação já existente é aplicável no contexto das redes sociais. A lei deve ser cumprida, independentemente da plataforma em que as pessoas utilizem para divulgar suas análises ou recomendações. Os influenciadores, assim como qualquer outro cidadão, estão sujeitos à lei que disciplina o mercado de valores mobiliários. Há um artigo que considera crime contra o mercado de capitais exercer, ainda que de graça, a atividade de administrador de carteira, de assessor de investimento, de auditor independente, de analista de valores mobiliários, de agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem estar autorizado ou registrado na autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento.

Analista tem que ter um registro?

Sim. É exigido um registro e respeito à uma regulação – ainda que flexibilizada nos ambientes das redes sociais. Também, mesmo que não seja exigido um accountability, é recomendado que isso seja desenvolvido para dar segurança e veracidade aos investidores, especialmente para novos players no mercado, que devem estar mais atentos nesse crescente cenário de influenciadores digitais.

Contratos com regras claras e a informação compartilhada com as devidas cautelas conforme as premissas legais ajudam tanto a proteger o patrimônio como a reputação de todos os envolvidos.

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