O clima esquentou: acionista da Raia Drogasil e presidente da Abras divergem no LinkedIn
Foco da divergência envolve a proposta dos supermercados de venderem medicamentos sem necessidade de prescrição médica
A temperatura subiu nas últimas horas, depois que o governo decidiu avançar com sugestões do varejo de alimentos para reduzir a inflação. O acionista da Raia Drogasil, e da família fundadora da Raia, Eugenio De Zagottis, foi à rede social criticar a proposta da Abras. A entidade representa os supermercados do país. Minutos depois, João Galassi, presidente da associação, tratou de defender a medida sugerida.
Motivo da briga entre Raia Drogasil e Abras
O foco da divergência, raramente pública entre os varejistas, envolve a proposta dos supermercados de venderem medicamentos sem prescrição médica. Esta é uma agenda antiga do setor, e debatida agora junto ao governo — paralelamente a outras sugestões — na tentativa de reduzir a inflação de alimentos.
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Zagottis, da Raia Drogasil, reproduziu o vídeo do médico Drauzio Varella, produzido no fim de dezembro, que conta com apoio da Abrafarma, a associação das farmácias.
A produção do vídeo ocorreu quando o tema da venda de remédios nos supermercados já era debatido num projeto de lei (1774/2019) na Câmara dos Deputados.
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“Os supermercados que desejam já podem comercializar medicamentos, inclusive de prescrição, em suas farmácias próprias, que possuem farmacêuticos e atendem à legislação. Porém, várias redes de supermercados vêm fechando suas farmácias porque não conseguem ser competitivas, sobretudo em preços. Portanto, o argumento de que os supermercados contribuiriam para abaixar a inflação é falacioso e ilusório”, escreveu Zagottis, da Raia Drogasil, no LinkedIn.
O empresário diz que as farmácias possuem custos quase todos fixos (farmacêuticos, gerentes, atendentes, aluguel, energia). E, se a venda de remédios sem receita cair, a perda precisará ser compensada nos medicamentos tarjados. Estes, por sua vez, pesam mais na inflação e no bolso das famílias. Ele diz que esses medicamentos e itens de perfumaria subsidiam os medicamentos de prescrição, que possuem margem menor.
Direito de vender remédios
Diz ainda que os supermercados têm o direito de vender o produto desde que mantenham farmacêuticos presentes em tempo integral nas lojas. E que, em caso de descumprimento de regulação, a Vigilância Sanitária tem que fechar o supermercado, como ocorre com as farmácias.
Assim, escreve que uma das justificativas dos supermercados é de que existe um atraso regulatório no Brasil e há o consumo desses remédios nos EUA. Isso, então, desconsidera o fato de que, lá, isso acontece não para reduzir preços. A ideia seria estimular a venda dos produtos sem receita, em substituição aos medicamentos tarjados, estes totalmente custeados pelo governo, explica.
Supermercado contra-atacou a Raia Drogasil
Pouco depois, Galassi responde, nos comentários, que muitos supermercados já operam farmácias e cumprem os requisitos legais. O que mostrando a capacidade do setor de comercializar de forma responsável.
Esses pontos operam como uma loja fora dos supermercados e hipermercados, e não há dados públicos desse desempenho, pois os balanços não são divulgados.
Ampliação de acesso a medicamentos
Galassi ainda diz que o ponto central da proposta não é aumentar o número de farmácias, mas ampliar o acesso aos medicamentos isentos de prescrição, “com total conformidade regulatória e supervisão farmacêutica, beneficiando ainda mais os consumidores”.
“Vocês estão propondo farmacêutico fisicamente presente em período integral e supervisão da Anvisa/Covisa, com todas as licenças necessárias?”, rebate Zagottis, sem obter resposta.
“João, nada contra os supermercados venderem medicamentos. Vários já o fazem nas suas próprias farmácias, com farmacêuticos EM TEMPO INTEGRAL! Para os demais basta reabrir as centenas de farmácias de supermercados que foram fechadas nos últimos anos por não serem competitivas, em preços”, completou o acionista da RD.
Contratação de farmacêuticos
A questão ali é que a contratação de farmacêuticos em tempo integral, que têm piso salarial definido em lei, elevaria o custo de mão de obra, o que pesa no preço final, por isso, Zagottis levanta o assunto. O piso da categoria em São Paulo é de R$ 4.477,00.
Grandes redes de supermercados, como GPA, fecharam drogarias recentemente, em parte por dificuldades gerais de seus negócios, e necessidade de reduzir endividamento de todo o grupo.
O presidente da Abras, então, responde pedindo que as farmácias atualizem melhor o médico Drauzio Varella sobre o tema em debate no governo.
“Presumo que ele (Varella) a desconheça, com base no conteúdo apresentado em seu vídeo”. Procurado, o médico não se manifestou até o momento.
Na discussão, sobrou inclusive para a fiscalização da Anvisa, a agência de vigilância sanitária, e para os marketplaces, que segundo Zagottis, venderiam Ozempic sem receita.
Ao responder a um comentário de um consultor no “post”, ele disse que, se buscar a palavra Ozempic “em certos marketplaces, dá pra ver o que a falta de compliance e possibilidade de monitoramento pela Anvisa causa. Faça o teste! Porque não será só supermercado que poderá vender”, escreveu.
Efeito nas drogarias
Relatório do Itaú BBA, publicado na quinta-feira (23) projeta que, a venda dos itens no varejo alimentar afetaria, em termos de nível de exposição, 15% das varejistas Raia Drogasil, Page Menos e Panvel, já sinalizando que não se trata de um efeito irrelevante para as cadeias de drogarias, pela força dos canais supermercadistas e de atacado alimentar.
Também na quinta-feira, representantes da indústria de alimentos, supermercados e farmácias estiveram em ligações ou pelos corredores da Câmara, e trataram de expor suas posições a deputados da casa, onde a proposta deve ser votada, caso o governo avance mesmo com a medida.
Governo em apoio às farmácias
Representantes das farmácias, como a Raia Drogasil, estiveram com Alexandre Padilha, ministro das relações institucionais, que teria manifestado apoio ao setor. E ainda pediram reunião com o ministro Rui Costa, da Casa Civil, para tentar reagir à proposta que está já sob discussão.
O temor das farmácias, como a Raia Drogasil, é que o tema evolua em regime de urgência, por meio de algum dos projetos de lei, caso cresça o apoio político à medida.
Pelo lado dos supermercados, o receio é que o governo engavete a proposta, pela pressão política de variadas instâncias do setor de saúde.
Outro ponto, contudo, tem a ver com o efeito real das medidas apresentadas pelas indústrias e varejistas na inflação. Empresários do setor entendem que isso precisa avançar em paralelo com uma redução do dólar, principal componente hoje de pressão nos preços.
E para uma redução maior na cotação da moeda americana, seria preciso dar sinais ao mercado de um compromisso real do governo com a saúde das contas públicas, dizem economistas.
Com informações do Valor Pro