‘Quem mais no mundo está discutindo sua institucionalidade da política monetária?’

Para Jefferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro, Brasil criou problema onde não existia

Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments / Crédito: Divulgação/ASA Investments
Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments / Crédito: Divulgação/ASA Investments

Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) direcionou críticas ao Banco Central e à meta de inflação adotada pela autoridade monetária. Na visão de Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, esses ataques “acabaram trazendo uma instabilidade institucional para a política monetária. Agora, ficamos com duas demandas: de consertar o desenho da política fiscal e a necessidade de reorganizar o debate sobre a política monetária, que não tinha problema nenhum. A gente criou um problema onde não existia”.

O especialista explicou, em entrevista ao JOTA, que o processo de normalização da meta não é de hoje e visa trazer a inflação do país para os patamares ideais. “Estamos tomando decisões estruturais com base em problemas pontuais. O mundo inteiro está sofrendo com o problema da inflação,” afirmou Bittencourt.

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“Quem mais no mundo está discutindo sua institucionalidade da política monetária? Todo mundo está enfrentando o mesmo problema com as armas que sempre teve. A gente resolveu discutir as armas em vez de discutir o problema.”

O fato de o Brasil ter taxas de juros mais altas em comparação a outros países, na visão de Bittencourt, não se deve a uma suposta cultura rentista, mas, sim, a questões estruturais. “As agências de rating carregam até hoje, na nossa classificação de risco, um indicador de que o Brasil deu default na década de 1980”, lembra.

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“Temos aspectos do nosso passado, como esse default, um desequilíbrio da política fiscal que não foi endereçado devidamente, e essas coisas nos levam a ter taxas de juros estruturalmente mais altas.”

Bittencourt considera ser normal que agentes políticos se incomodem com taxas de juros elevadas, mas questiona: “Mas até onde vai esse incômodo? Até o ponto de colocarem em xeque o desenho das instituições e ter que começar a prejudicar o próprio governo na rolagem da dívida?”.

Leia a entrevista com Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro.

O presidente Lula já defendeu o aumento da meta de inflação. Diz ele que a nossa meta, hoje em 3,25%, não permite o país crescer, que está mais afinada com os países desenvolvidos e desafinada com a realidade brasileira. Gostaria de saber se o senhor concorda com essa afirmação e o que o senhor pensa do patamar em que está hoje a meta de inflação brasileira.

O processo de normalização da meta de inflação vem há bastante tempo, desde o governo Temer. Há uma tentativa fazê-la convergir para a meta de países semelhantes ao nosso. Países em desenvolvimento costumam ter uma meta um pouco mais alta.

Desenvolvidos têm metas mais ambiciosas. A de 2023 não é tão diferente da de 2022. No ano passado, foi 3,5%. A meta de 2021 era 3,75%. Em 2021, crescemos mais de 4% e, em 2022, 3%. Não é a meta que está dificultando o crescimento brasileiro. Ao contrário. Ter uma meta mais compatível com países similares traz uma estabilidade, que tende a ser positiva para o crescimento no longo prazo. Inflação mais alta é que prejudica o crescimento.

Buscar uma inflação menor é buscar um crescimento maior e mais estável.

Quando o senhor fala de países similares, o senhor se refere a quais?

Países de renda média, como o nosso. Os Estados Unidos, por exemplo, têm um objetivo de inflação de 2%. Países com as nossas características têm metas de inflação maiores. Há uma discussão do nível e tem uma discussão da dinâmica desse processo.

Estamos fazendo uma discussão que questiona a política monetária por conta da insatisfação com um ano de perspectiva de crescimento mais fraco. A política monetária estava funcionando conforme o livro-texto, e a política fiscal estava precisando de uma rediscussão do seu desenho. Esses ataques acabaram trazendo uma instabilidade institucional para a política monetária.

Agora, ficamos com duas demandas, de consertar o desenho da política fiscal e a necessidade de reorganizar o debate sobre a política monetária, que não tinha problema nenhum. A gente criou um problema onde não existia.

A média da inflação brasileira é consideravelmente maior que a meta. O que explica essa diferença?

Estamos tomando decisões estruturais com base em problemas pontuais. O mundo inteiro está sofrendo com o problema da inflação. O que estamos vendo nos Estados Unidos é algo que não víamos há 40 anos, de modo que o país apertou a política monetária como há muito tempo não fazia. A Europa a mesma coisa.

Vários países passando pelo mesmo problema, o que mostra haver uma sincronia, muito relacionada ao processo de abertura pós-pandemia. Quem mais no mundo está discutindo sua institucionalidade da política monetária?

Todo mundo está enfrentando o mesmo problema com as armas que sempre teve. A gente resolveu discutir as armas em vez de discutir o problema.

Atrito entre políticos e o Banco Central sempre ocorreram. Paulo Guedes chegou a criticar o presidente Campos Neto. Ele que bancou o nome de Campos Neto para o BC. A indicação foi feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas o nome veio de Paulo Guedes. O ministro citava o aperto monetário, e, na ata do Copom, vinha o lembrete de que a política fiscal também não ia bem. Hoje, no Brasil, o que precisa de mais ajuste, a política monetária ou a fiscal?

Com o nosso arcabouço de política monetária, não precisaríamos passar por uma nova discussão. Mas, dado todo esse debate em pouco mais de um mês, tornou-se forçoso debatê-la. Essa discussão é muito mais fácil de ser concluída.

Quando olhávamos para frente, em dezembro do ano passado, víamos que os problemas da expectativa de inflação (objeto da política monetária) era infinitamente menor que os das expectativas de dívida (objeto da política fiscal).

Espero que consigamos acalmar a situação e gastar nossas energias com a institucionalidade da política fiscal, porque o problema da trajetória esperada da dívida, apesar dos esforços no início do ano do ministro Fernando Haddad, continua sendo muito mais preocupante do que o problema da trajetória esperada da inflação.

O presidente Lula sinalizou seu desejo de revisar a autonomia do Banco Central. Qual a sua opinião em relação a isso?

O Banco Central não é independente. Ele não conduz a política monetária com objetivos que estabelece. Seu papel é entregar um nível de inflação que é decidido, em grande medida, pelo governo. No Conselho Monetário Nacional, os indicados pelo presidente da República têm dois assentos, e o Banco Central tem um.

O desenho da autonomia do Banco Central que nós temos é muito bom, no sentido de que dá ao Executivo a prerrogativa de decidir qual é a inflação que ele entende ser a melhor para o país e a perspectiva de colocar as pessoas alinhadas à sua percepção da política monetária no Banco Central. Só que a lei faz com que isso seja gradual.

Resolvemos desperdiçar toda essa suavidade prevista na lei, e gerar ruído faz com que as coisas tenham que ser feitas de uma maneira abrupta.

Quais seriam os impactos de uma eventual medida que retirasse a autonomia do Banco Central?

Não vejo qual seria a outra razão para alguém se dispor a acabar com a autonomia do Banco Central que não influenciar as decisões de política monetária. A consequência disso? Teremos inflação esperada mais alta. A combinação de ruídos sobre a política monetária e a indefinição sobre a política fiscal tem um resultado prático: encarecer a rolagem da dívida. Semanalmente o Tesouro Nacional vai ao mercado, porque precisa tomar dinheiro emprestado.

A gente tem uma perspectiva de, na melhor das hipóteses, ter R$ 100 bilhões de déficit primário neste ano, porque não estamos arrecadando o suficiente para pagar salários, conta de luz, benefícios sociais. Essas coisas vão todas para a decisão do agente econômico que decide financiar esse governo ou não. Isso resulta em taxas mais altas.

Campos Neto é o primeiro a presidir o BC nesta nova era de autonomia, mas o Brasil não é o único a ter um Banco Central autônomo. Tem nos Estados Unidos, no Japão e em outros países também. Como é a relação entre os presidentes das autoridades monetárias internacionais com os líderes do governo?

Agentes políticos, em geral, têm uma posição crítica sobre a questão de crescimento e de nível de taxa de juros. É normal que haja incômodo com taxas de juros elevadas por parte dos agentes políticos em relação ao Banco Central.

Mas até onde vai esse incômodo? Até o ponto de colocarem em xeque o desenho das instituições e ter que começar a prejudicar o próprio governo na rolagem da dívida? A consequência de ficar insistindo no ruído é ruim para a própria gestão. Incômodo há em todos os lugares. A questão é até onde a gente deixa escalar. Parece que a gente está indo muito além do que outros países fazem.

Hoje, a taxa básica de juros (Selic) está em 13,75%. De acordo com o Copom, trata-se de uma política contracionista para reanconragem das expectativas de inflação. Até quando isso deve durar? E gostaria de saber sua opinião sobre uma fala do presidente Lula. Ele disse que existe uma cultura de juros altos no Brasil. Isso é verdade, na visão do senhor, ou se trata mais de uma necessidade do momento brasileiro?

Ficou difícil dizer, porque a gente não sabe mais qual é a meta. O mercado discutia cair a taxa de juros daqui a um mês ou dois. A trajetória da Selic é condicionada pelos próprios ruídos que foram gerados. Agora, o mercado vai começar a ver a queda da taxa Selic no primeiro trimestre do ano que vem.

Não é uma questão cultural de os nossos juros serem altos. Eu posso dar um exemplo simples. Temos uma classificação de risco ainda em grau especulativo e isso nos faz estruturalmente ter uma taxa de juros mais alta do que outros países. Não é o único aspecto. As agências de rating carregam até hoje, na nossa classificação de risco, um indicador de que o Brasil deu default na década de 1980. É uma questão estrutural.

Temos aspectos do nosso passado, como esse default, um desequilíbrio da política fiscal que não foi endereçado devidamente, e essas coisas nos levam a ter taxas de juros estruturalmente mais altas. Spread bancário, tributação, competição no mercado financeiro. Tem vários aspectos. Não é cultura, é estrutura.

Por Arthur Guimarães, repórter do JOTA em São Paulo

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