Recuperação judicial de clubes de futebol: seu time pode recorrer a essa saída para pagar as dívidas?
RJ de clubes de futebol: veja se solução pode ser utilizada para tirar seu time do coração do buraco das dívidas
As Sociedade Anônimas do Futebol (SAFs) viraram a panaceia para resolução dos problemas econômicos dos clubes endividados. Contudo, nem sempre trazem a reviravolta esperada. Vide o Vasco, que teve que entrar na Justiça contra seu administrador depois de virar empresa. Nesse sentido, há soluções contra a insolvência sem que seja necessário aos clubes deixar de ser associações sem fins lucrativos.
Uma delas é a recuperação judicial, que tem sido usada em alguns casos para reabilitação financeira das instituições, sejam aquelas administradas como SAF ou no sistema tradicional, de clubes associativos.
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Ainda assim, é preciso destacar que o uso da recuperação judicial por clubes de futebol não é um consenso entre os órgãos de Justiça.
Nesse sentido, especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira explicam como pode funcionar a recuperação judicial no futebol. Antes, veja alguns clubes em recuperação judicial.
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Clubes em recuperação judicial
No caso das SAF, o Cruzeiro, por exemplo, clube que até pouco tempo era comandado por Ronaldo Fenômeno, entrou em RJ no dia 13 de julho de 2023, um ano depois do pedido. Além disso, o Coritiba, que também é SAF, está em RJ.
Por outro lado, entre os clubes sem fins lucrativos, destaque para a Chapecoense, que recorreu a RJ em 2022.
Além disso, Paraná (PR), Joinville (SC), Santa Cruz (PE), Guarani, Rio Branco de Americana e MAC (SP) são outros clubes tradicionais que recorreram à RJ. Nenhum eles é SAF.
Quem pode pedir a recuperação judicial de clubes de futebol quando não são SAF?
Em regra, como os clubes são associações, todas as medidas de administração ou gestão devem ser tomadas nos termos dos estatutos de cada um dos clubes, por sua diretoria. A afirmação é de José Arnaldo Cione Filho, sócio do LCSC Advogados e ex-membro da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB,
Assim, “optar pela constituição ou não da Sociedade Anônima do Futebol e/ou pedir a recuperação judicial ou extrajudicial” é uma decisão tomada pela sua cúpula.
Recuperação extrajudicial
No caso da recuperação extrajudicial, o exemplo mais emblemático é o do Botafogo. O clube, que virou SAF em março de 2022, teve o pedido de recuperação extrajudicial aprovado em janeiro de 2024.
A recuperação extrajudicial garante ao clube ou a qualquer empresa nesta situação entrar em acordo direto com os credores para pagamento. No caso do Botafogo, a dívida é cerca de R$ 1 bilhão.
O que é a recuperação judicial?
Segundo Daniel Yarshell, sócio do Yarshell Advogados e atuante em Direito processual civil, o pedido de recuperação judicial tem como objetivo a “superação do cenário de crise financeira. Isso visa não comprometer a sobrevivência do negócio e preservar emprego dos trabalhadores e o interesse dos credores.”
“Uma intervenção judicial, (deve acontecer) somente em situações excepcionalíssimas, que se justifiquem”, diz Cione Filho, da LCSC.
Por outro lado, quando a recuperação judicial ou extrajudicial (feita diretamente entre o devedor e seus credores, sem a intervenção da Justiça) não é bem-sucedida, aí é decretada a falência da instituição.
Clubes que faliram
A falência, por outro lado, “é uma medida extrema, aplicada quando a recuperação (judicial ou extrajudicial) não é possível ou não alcançou seus objetivos”, complementa Yarshell.
É o caso, por exemplo, do Guaratinguetá Futebol Ltda, que disputou a divisão principal do futebol paulista e se licenciou de competições oficiais em 2017.
Da mesma maneira, o Malutrom, do interior do Paraná, chegou a ser campeão de um dos blocos de acesso às decisões da Copa João Havelange, que substituiu pontualmente o Campeonato Brasileiro em 2000, fechou as portas depois de mudar de nome algumas vezes.
Então, clubes de futebol podem pedir recuperação judicial quando não são SAF?
Para Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, sócio do Monteiro de Castro Setoguti Advogados, a resposta é sim. Clubes de futebol podem pedir recuperação judicial. “Pela lei (14.193;2021), não tem como defender esse entendimento de que só SAF pode pedir RJ”, diz
“O clube que se organiza sob a forma de associação sem fins econômicos pode requer recuperação judicial ou extrajudicial”, complementa o advogado.
A lei mencionada afirma que o clube, “por exercer atividade econômica, é admitido como parte legítima para requerer a recuperação judicial ou extrajudicial”.
Castro diz ainda que o processo de RJ de clubes que são ou não SAF está submetido à lei geral de recuperações e falências, de 2005.
Regime Centralizado de Execuções pode ser alternativa à RJ
João de Almeida, sócio do Demarest Advogados, informa que a Lei das SAFs autorizou que clubes de futebol utilizassem a RJ para reorganizar suas dívidas como “exceção à regra geral”. Antes, somente empresários e sociedades empresárias poderiam pedir RJ.
“Em princípio, houve alguma discussão se a Lei das SAFs abriria ou não essa possibilidade, mas a redação da lei é bastante clara e os tribunais seguiram esse entendimento permitindo que clubes (associações) entrassem em RJ”, avalia Almeida.
Ele diz ainda que a lei da SAF criou uma alternativa de reorganização de dívidas específica que é o Regime Centralizado de Execuções.
“Esse regime é uma alternativa à RJ, ou seja, deve se optar por uma alternativa ou outra. Este sim difere de outros regimes e é específico para clubes (seja ele associação ou pessoa jurídica)”, acrescenta Almeida.
Entendimento ‘não está pacificado’
Contudo, Bruno Boris, professor do Mackenzie e advogado atuante na área de Direito de empresa, societário e falimentar, ressalta que “não está pacificado” o entendimento sobre recuperação judicial de clubes de futebol.
Além disso, diz que é majoritário o entendimento de que clubes de futebol não podem pedir RJ. “Contudo, em alguns casos, a jurisprudência vem aceitando essa situação”, conta Boris.
Como funciona o pedido de recuperação judicial para clubes de futebol?
O pedido de recuperação é uma prerrogativa do devedor. Ele pode ou não recorrer a isso diante da dificuldade de pagar suas dívidas. A partir daí, o juiz ordena a intimação do Ministério Público e das fazendas públicas federal e de todos os estados, Distrito Federal e municípios em que o devedor tiver estabelecimento.
“A partir do momento em que a recuperação judicial é aceita pelo poder judiciário, há um deslocamento do centro de tomada de decisão, de modo que o clube passa a estar sujeito à fiscalização judicial, o que se faz mediante o apoio de auxiliares, como um administrador judicial”, diz Yarshell.
No caso do Cruzeiro, por exemplo, foram nomeados como administradores os escritórios Acerbi Campagnaro Colnago Cabral Sociedade de Advogados e Credibilità Administração Judicial e Serviços Ltda.
O papel das equipes de administração judicial nomeadas será o de auxiliar a Justiça. Elas identificam “a real extensão das dívidas”. Além disso, atestam “a continuidade da atuação da entidade, supervisionando o cumprimento do plano de recuperação”. A explicação é dos administradores da RJ do Cruzeiro.
Recuperação judicial de clubes é igual à de empresas?
“É o mesmo racional”. A fala é de Almeida, do Demarest. O clube pode se beneficiar de uma suspensão de exigibilidade de suas dívidas para implementar um plano de reorganização de suas dívidas.
“Dessa forma, o clube teria um fôlego para se reorganizar e passar a operar de forma eficiente, preservando sua existência e mantendo empregos e a função social de sua atividade econômica”, diz o especialista.
“Como na RJ de empresas, em que há a possibilidade de criação de uma UPI (unidade produtiva isolada) a ser alienada, os clubes podem criar uma SAF e vender em um processo competitivo”, acrescenta.
Ele finaliza dizendo que a RJ pode viabilizar o ressurgimento de clubes com problemas financeiros severos – muito comum no Brasil, em todas as divisões. Contudo, como em qualquer recuperação judicial, precisa se mostrar realizável. “Precisa haver um plano viável para que possa contar com o apoio de credores”, pontua.
Antes da tragédia
Para que a crise financeira não chegue a esse nível, de ser preciso pedir RJ, medidas relacionadas à cadeia de controle e comando dos clubes de futebol podem e devem ser ativadas.
“Dentre elas, se destaca a existência de mecanismos eficientes de gestão e governança corporativa, diz Yarshell. Além disso, ele cita “medidas financeiras austeras e aderentes à realidade de cada clube” como soluções.
Assim, é preciso que órgãos internos, como conselhos fiscais e deliberativos, exerçam o papel de fiscalizadores da presidência e diretorias.
“Além disso, auditorias internas independentes também podem ser contratadas para mapear e diagnosticar gargalos ou pontos de atenção”, complementa Yarshell.