Visão de longo prazo e ‘mente aberta’ norteiam Itaú Unibanco, dizem Setubal e Moreira Salles

Instituição financeira, que nasceu em 1924 na cidade mineira de Poços de Caldas, é resultado de aquisições e de adaptações à história brasileira

Os copresidentes do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal - Foto: Divulgação/Itaú Unibanco
Os copresidentes do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal - Foto: Divulgação/Itaú Unibanco

O Itaú Unibanco chega aos 100 anos amanhã como o maior banco da América Latina, com R$ 2,9 trilhões de ativos e uma carteira de crédito que ultrapassa R$ 1 trilhão.

A instituição financeira que nasceu em 1924 na cidade mineira de Poços de Caldas é um camaleão, resultado de uma série de aquisições e de adaptações à turbulenta história brasileira. É, também, fruto da capacidade de ajustar seu modelo de negócios às mudanças no mercado.

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Nos últimos anos, o Itaú mergulhou na transformação digital. O processo ganhou fôlego com a migração de seus sistemas para a nuvem, o que lhe confere mais agilidade para desenvolver produtos e reagir ao crescimento das fintechs.

Para os copresidentes do conselho de administração do banco, Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, a instituição já reduziu as lacunas que tinha em relação aos concorrentes digitais, mas precisa avançar mais.

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Em entrevista, os banqueiros afirmam que a visão de longo prazo, a busca de consenso e a “mente aberta” são alguns dos fatores que norteiam o crescimento do Itaú Unibanco. “A organização é viva, vai encarando essa necessidade de mudanças com realismo”, afirma Setubal.

Ao olhar para o Brasil, apontam a questão fiscal como o grande desafio do país — não um problema imediato, mas algo que precisa ser atacado de forma estrutural.

“Vai ter que ver em algum momento onde é que tem que mexer nessa enorme estrutura de custo que é o Brasil”, diz Moreira Salles.

A seguir, os principais trechos:

O Itaú Unibanco está completando 100 anos em um país sem muitas empresas centenárias. A que atribuem a longevidade do banco?

Pedro Moreira Salles: É uma série de coisas. Os acionistas sempre tiveram visão de longo prazo. E ao ter visão de longo prazo você embarca no caminho de construção, não limitado por uma visão que só olha para seis meses ou um ano à frente. Os fundadores, e isso é muito raro, nunca se deixaram limitar pelo controle absoluto das empresas e, com isso, conseguiram formar companhias maiores, mais sólidas. Tem isso muito claro na história do Itaú e do Unibanco. Roberto e eu aprendemos essas lições e também fizemos isso há 16 anos. Visão de longo prazo e, sobretudo, levar em conta antes de qualquer outra coisa o interesse do banco. Isso ajudou a dar um norte, foi absorvido e está dentro da cultura.

Roberto Setubal: Concordo com tudo o que o Pedro falou. A própria origem do Itaú, lá atrás, nunca teve controle, uma pessoa única que controlava o banco, nem uma única família. Havia sempre uma predisposição de crescer, de fazer companhias mais fortes, buscar mais. Outro traço importante foi que a gente sempre buscou ter profissionais competentes. Era um ambiente aberto onde os profissionais tinham oportunidade, e têm, de expressar suas opiniões.

Como equilibrar a cultura e a necessidade de inovação?

Setubal: Somos uma companhia de mente aberta. O mundo vai mudando e você precisa estar antenado a essas mudanças e muito disposto a também mudar. Se não estiver disposto a mudar, não adianta. Sempre esteve no Itaú e no Unibanco essa disposição de abraçar o novo. Fui por 23 anos CEO do banco e tive de me reinventar várias vezes, porque se tivesse a mesma cabeça, o mesmo espírito, as mesmas crenças que tinha em 1994, não teria ficado 23 anos. Não sabemos tudo, como a gente costuma dizer aqui.

Moreira Salles: Essa questão de cultura entrou para o jargão corporativo mais recentemente. Mas na origem o papel dos fundadores foi importante, uma visão de longo prazo, uma visão ética de como fazer negócio, de profissionalizar as empresas. Tanto uma quanto outra (Itaú e Unibanco) tinham traços culturais parecidos. Indo para 2008 (ano da fusão), onde Roberto e eu nos sentamos ‘n’ vezes durante um ano e meio, dois terços das conversas ou mais tinham a ver com cultura. Curiosamente, depois da operação, a gente descobriu que tinha muito mais coisas em comum. De lá para cá, já mexemos nessa cultura, estamos na quarta versão. Você mantém o essencial e incorpora novas coisas para fazer frente a um mundo em constante evolução.

O que é o essencial?

Moreira Salles: É essa visão de tentar atrair as melhores pessoas, dar autonomia, a ética acima de tudo, o foco absoluto no cliente. Essa frase ‘a gente não sabe de tudo’ é muito importante, porque quando você tem muito sucesso, e inegavelmente a gente teve, corre o risco da arrogância, de achar que não precisa ouvir nada nem ninguém. A outra questão é que uma empresa cada vez mais complexa fica mais fragmentada, e como faz as pessoas trabalharem em equipe? A gente tem uma terminologia que é o ‘vamos de turma’. Como se aborda um problema pela ótica do cliente? Não adianta acessar o especialista do produto ou da tecnologia, tem que juntar as pessoas. Isso não estava tão claro na versão anterior da nossa cultura.

Como chegar aos 100 anos e se manter atual?

Setubal: Estamos chegando aos 100 anos muito jovens. O que caracteriza ser jovem é a disposição de mudar. Você começa a envelhecer quando fica restrito a coisas que não quer mudar mais. Ser jovem, no fundo, é a disposição de mudar, de enfrentar o novo, olhar os desafios entendendo que hoje não está preparado para enfrentá-los e que tem de mudar para isso. Somos um banco jovem e preparado para o futuro porque sempre estamos procurando nos atualizar e abrir nossos horizontes.

Moreira Salles: Reconhecer que não sabemos tudo é a expressão concreta disso. Não temos todas as respostas nem é possível ter. A gente lida com isso com muita naturalidade. E é crescente. Era assim há 20 anos? Acho que não. É um sinal dessa transformação. Em 2008, Roberto e eu dissemos que a gente ‘concordava em concordar’. Muita gente perguntou como funciona. Estamos aí, continuamos concordando em concordar, e passamos por muitas etapas. Não quer dizer que a gente concorde ex-ante em tudo, é que um convence o outro e dizemos: ‘vamos por aqui, beleza?’. Esse é o caminho e isso resulta em uma empresa que não está acomodada. Ela é grande, mas não é inerte, ela se movimenta. Isso tem a ver com esse espírito de renovação.

Com R$ 2,9 trilhões em ativos, sendo mais de R$ 1 trilhão em carteira de crédito, o Itaú Unibanco é um transatlântico. Como manter a agilidade?

Moreira Salles: É um desafio. O banco é um transatlântico dado seu tamanho. Mas é questão de ir se adaptando às exigências que a concorrência impõe, que a sociedade impõe. Tem que ir soltando uns botes aqui e acolá, testar e ver se funciona. É muito mais fácil mudar a rota de uma lancha que de um transatlântico, mas o transatlântico cruza os mares. A gente entende as forças e as fragilidades do modelo e lida com isso. É saber identificar e executar bem. Esse é um traço também da cultura: uma vez decidido, é por aí que vamos.

Setubal: Primeiro você tem que ter consciência de que é um transatlântico, não uma lancha. Se quiser ser uma lancha sendo um transatlântico, não vai dar certo. Segundo, tem aquele ditado que diz que não há bons ventos se você não sabe para onde quer ir. O que a gente tem que ter muito claro é aonde quer chegar. Talvez a velocidade que a gente quer não seja possível, mas saber aonde quer chegar é fundamental. A gente está cruzando os mares, uma lancha não cruza os mares, tem outras vantagens.

Há cerca de cinco anos o Itaú admitiu que tinha defasagens para fechar em relação aos novos entrantes, e mais recentemente tem dito que entrou no ‘modo ataque’…

Setubal: A gente não completou os gaps ainda. Reduzimos, mas ainda temos gaps. É um processo que estamos falando, talvez de dez anos no todo. Se começamos há cinco anos e ainda não chegamos lá, temos alguns anos. Não vamos conseguir em um, dois anos, mas vamos fazer ao longo do tempo.

Aonde querem chegar?

Setubal: O mundo mudou, as novas tecnologias possibilitaram modelos de negócio impossíveis dez anos atrás. Não precisa mais de agência, enquanto há dez anos era uma grande vantagem competitiva. Hoje, tem modelos de crédito que quase dispensam o conhecimento do gerente sobre o cliente. Para se manter competitivo, tem que usar essa tecnologia. Para usá-la no seu potencial máximo, precisa redesenhar a organização interna. Deixa de ter uma organização hierárquica para ter uma onde os squads, as comunidades, têm presença muito maior, o que ajuda a dar agilidade. São mudanças relevantes. Quem não se adapta acaba saindo. A organização é viva, vai encarando essa necessidade de mudanças com realismo.

Moreira Salles: A gente quer continuar na liderança e sabe que o modelo precisa ser repensado. Se a agência se torna menos importante, por outro lado pode ser uma força se souber usar. Você tem de ter a honestidade intelectual de entender que certas coisas que eram um bônus podem se tornar um ônus. E entender como transforma isso para continuar te dando uma vantagem comparativa. Tem que ter as pessoas pensando, com curiosidade de propósito, fazendo os questionamentos que têm de ser feitos, sem defesas territoriais. Temos todas as respostas? Não, mas temos a coragem de perguntar. E tentar entender qual é a melhor solução. Esse exercício é recorrente aqui. As pessoas cada vez menos têm argumentos que são claramente defesa de território. Isso é sinal de vitalidade.

Setubal: Essa evolução permanente é muito relevante. Os desafios que temos estão mais localizados no mercado de pessoa física. Quando olha outros mercados, pessoa jurídica, corporate, a gente está mais posicionado em boas condições de competir. Essa diversidade nos dá a base de resultados para investir em segmentos em que a gente precisa mudar muito. A quantidade de produtos que o Itaú tem, mesmo para pessoa física, é muito superior aos que estão entrando agora no mercado. A base de clientes, a lealdade, é outro ativo do banco. Mas precisamos correr, mudar, porque senão perdemos também essas vantagens.

Moreira Salles: O maior gargalo de uma empresa como a nossa, e do setor de serviços em geral, é a rigidez da tecnologia. De repente tem formas mais flexíveis e ágeis, e você tem que mexer nesse core, no chamado sistema legado, o que é muito difícil e leva tempo. A gente já está a dois terços do caminho. Isso vai permitir ter uma agilidade comparável à de outros, que nasceram depois, sem as limitações que uma estrutura construída ao longo de dez décadas acaba impondo. Estamos em uma boa trajetória.

O Itaú é líder há muitos anos. Há risco de ficar acomodado?

Setubal: Sempre tem esse risco. A gente trabalha muito para não ter. Procuramos olhar o que os concorrentes têm de melhor. Não somos os melhores em tudo. Estamos sempre buscando mais, subindo a barra. É uma observação permanente do mercado. Não se acomodar passa por estar aberto a mudar, olhar a concorrência com lupa. A concorrência também olha a gente com lupa. Todo mundo está evoluindo, fazendo o que tem de fazer, buscando diferenciais competitivos. Nessas coisas, o conselho tem papel muito importante. E aí voltamos à visão de longo prazo.

Itaú e Unibanco sempre fizeram aquisições para fechar lacunas. No caso da XP, não conseguiram comprar o controle. Os senhores acham que já tiraram a diferença no mercado de investimentos?

Moreira Salles: A existência da XP, sendo acionistas ou não, nos fez nos mover. Vimos que ali tinha algo diferente, do ponto de vista de modelo, e fomos aprendendo, nos adaptando. Hoje, quando a gente olha o que tinha de transferência (de recursos de clientes) de uma empresa para outra, foi absolutamente controlado. Estamos oferecendo alguma coisa, outro modelo de distribuição, que lá atrás não existia. A gente ia ter de acabar fazendo de qualquer maneira. (Comprar o controle da XP) era uma forma de cortar caminho. Mesmo não sendo possível, teve muito aprendizado de ter capital alocado lá, e do ponto de vista de investimento foi um sucesso.

Setubal: O importante é a disposição de olhar a concorrência e onde estamos falhos, onde podemos melhorar. É sempre essa disposição de estar atentos às tendências de mercado. Essa é nossa fortaleza.

Qual foi o momento mais difícil desses 100 anos?

Setubal: A época dos planos econômicos foi bastante difícil. Mudou o modelo de negócio. Até então, a hiperinflação tornava o dinheiro que passava pelo banco a coisa de maior valor, chegava a ter até juros de 3% ao dia. Isso fez com que o Brasil tivesse o mais avançado sistema de pagamento do mundo. Quando veio o Plano Real, virou outro negócio, tem que dar mais crédito, porque é o que vai fazer a receita do banco. De repente a necessidade dos clientes muda, nossos objetivos mudam.

Moreira Salles: Foram cinco planos malsucedidos até chegar ao Real. Deu tempo de a gente se adaptar. Quando veio o Cruzado, fragilizou todo mundo. Depois vieram Plano Bresser, Verão, Collor. Cada um desses era um abalo sísmico no sistema. Alguns (bancos) foram ficando pelo caminho. Houve um grande processo de consolidação. Foram momentos muito difíceis em um país que estava completamente desarranjado do ponto de vista da sua economia, e os bancos são meio consequência disso. Quando a captação era o que valia, o empréstimo não tinha lugar. Essa sucessão de planos começa em 1986 e termina em 1994, oito anos em que muita coisa foi acontecendo e botando desafios enormes no caminho.

E aí vem a fusão de Itaú e Unibanco em 2008, no auge da crise financeira global…

Moreira Salles: Nossas conversas começaram em 2007. O estopim foi o fato de o Santander ter comprado o ABN, e com isso tinha pela primeira vez um banco estrangeiro com a possibilidade de ser maior que os bancos locais, e com custo de capital muito mais baixo. O mundo poderia ficar muito difícil e foi nesse contexto que a gente começou a conversar. Já tínhamos tentado dez anos antes, não tinha dado certo, em 1998. A gente recomeçou a conversa provocado por isso, mas tentando também olhar para fora e dizer: ‘bom, se a gente conseguir ter uma organização de uma dimensão tal no Brasil que não se torne alguma coisa fragilizada, face a um novo animal que estava surgindo, também pode, depois, começar a olhar para fora’. Em 2008, ficou claro, somando tudo isso mais essa crise que estava rodando o mundo e não se sabia bem onde ia parar, então a gente resolveu anunciar.

Setubal: As conversas vinham girando muito em cima de cultura. É a disposição de fazer a transação onde a gente ia partilhar o controle, para fazer uma empresa maior, mais forte, mais competitiva.

Moreira Salles: A gente fala do passado recente e tende a achar que o longínquo era fácil. Mas em 100 anos você passa pela crise de 1929, pelas Guerras Mundiais, mudança de padrão monetário, golpe militar no Brasil. Passa por um processo de urbanização desenfreada. Hiperinflação, vários planos econômicos. Essa organização sofreu todos os temporais. Os desafios estavam lá também, estão aqui agora e estarão para os que vierem depois da gente. A questão é como mantém a empresa alerta, ágil e questionadora para poder reagir ao que você não sabe. Não acredito em plano de dez anos, porque não sei o que vai acontecer até lá. No fundo tem que ter o público interno tentando identificar o cenário, entender o que está acontecendo.

Setubal: Tem outros elementos fundamentais para enfrentar momentos desafiadores, como ter uma empresa bem capitalizada. Você pode questionar: ‘será que o Itaú não está muito capitalizado?’. Sob certos aspectos sim, para a normalidade. Mas a gente sabe que o mundo não é normal, sempre tem coisas que surpreendem. Então precisa estar bem fortalecido para enfrentar esse cenários.

A fusão e mesmo a cultura do Itaú Unibanco são muito calcadas nas figuras dos senhores. Como está o planejamento sucessório?

Setubal: A gente está sempre preocupado em ter uma empresa competitiva, preparada para o futuro. Colocamos o interesse dos acionistas subordinado aos da empresa. Esses são elementos importantes no processo decisório, de sucessão. Minha sucessão ainda está três, quatro anos à frente. Não é um tema sobre o qual a gente tem conversado muito. O Milton (Maluhy) está com 48 anos, também não é um problema. Estamos com tempo. E as coisas mudam. Você pode ter uma ideia hoje, mas daqui a dois, três anos pode estar diferente. Quando escolhemos o Milton para ser CEO, a gente percebia que o mundo estava em grande mudança, o sistema financeiro, o ambiente de negócio. Escolhemos o mais jovem daqueles que estavam em condições de virem a ser presidentes do banco. Talvez o Milton não fosse o mais merecedor considerando a contribuição histórica para o banco, mas estava mais preparado para o futuro. É muito isso, escolher a pessoa certa. E acho que acertamos na escolha, é um executivo extremamente disposto a mudar as coisas, conhece o banco profundamente.

Moreira Salles: As famílias conduzem suas discussões internamente. Nem todo mundo tem habilidade para as mesmas coisas, há vocações diferentes e você tem que ir encontrando o caminho para ter uma visão de longo prazo para a organização. Temos regras de acesso claras, bem definidas, exatamente para o banco sempre fazer a melhor seleção dos profissionais e não por outras questões. Do mesmo jeito que a gente (Pedro e Roberto) aprendeu com os fundadores a questão do controle partilhado, os que virão depois também aprenderam que é importante criar esses laços, ter visão conjunta e saber escolher as pessoas certas. Não tem grande preocupação com isso, na medida em que estamos dispostos a falar a respeito.

Ao longo de 100 anos o Itaú foi testemunha e também ator da história do Brasil. O que veem como o grande desafio do país?

Setubal: A questão fiscal. O Brasil tem feito reformas importantes na direção certa, a economia vem crescendo até mais do que crescia, exatamente em função de as reformas tornarem o país mais eficiente. O fiscal é importante a médio e longo prazo. Não é que no ano que vem precisa estar equacionado, mas precisa ter uma visão de que vai ser resolvido. Essa é a maior insegurança do mercado, porque a gente já vem com esse problema há tempos, dá aquela sensação de que está patinando. Na medida em que consiga ter uma visão de longo prazo para a questão fiscal, isso dá um potencial de crescimento ainda maior para o Brasil, com taxas de juros menores, inflação mais baixa com mais facilidade.

Moreira Salles: Concordo. Até parece uma explicação tecnocrática, mas foi o que vimos no Copom (Comitê de Política Monetária). Você está tendo de subir o juro porque o fiscal está frouxo. O Brasil fica nesse stop and go. Se não tiver um fiscal que caminhe para ajudar o monetário, ele acaba sendo a única alternativa para segurar a inflação. É sempre um pouco voo de galinha. Cresce um pouco, como agora, mas muito por estímulo fiscal. O mundo todo aprendeu no pós-pandemia que transferência direta termina em consumo. Então, precatório, 13º do INSS, BPC (Benefício de Prestação Continuada), expansão de aposentadorias acabam virando consumo. Aí tem uma preocupação com fiscal, que está subindo três pontos ao ano (a relação dívida/PIB). No ano passado foi 74%, neste vai fechar em 77%, ano que vem, nessa toada, fica em 80%. Não é que vai acontecer alguma coisa ano que vem ou no outro. Mas com um ajuste fiscal só pela receita… vai ter que olhar em algum momento onde é que tem que mexer nessa enorme estrutura de custo que é o Brasil. Chega uma hora em que a realidade se impõe.

Setubal: O Brasil já é o país que provavelmente tem a maior relação impostos/PIB para o nível de renda dele. E há uma resistência gigantesca, no Congresso, na sociedade, de aumentar a arrecadação. O Estado precisa se conter dentro daquilo que é o tamanho da arrecadação, não pode ir além, porque se torna insustentável. Já tem uma carga fiscal tão elevada, então tem de ajustar na despesa.

O Itaú tem dito que não vale a pena continuar investindo fora do Brasil, pois ao trazer o lucro para cá ele é tributado com uma alíquota muito elevada…

Moreira Salles: Competir com ativos fora do Brasil é muito difícil, porque é uma alíquota líquida de 45% aqui, e em outros lugares, de 20%, 22%, 25%.

Setubal: No Chile a alíquota é de 25%, e aqui é de 45%. Essa diferença pago no Brasil. No fundo estou pagando 45% sobre meu resultado no Chile, enquanto os locais lá pagam 25%. É muito difícil competir.

Mas a gente tem visto fintechs se expandirem para fora do Brasil. Por quê?

Setubal: Elas não consolidam seus resultados no Brasil, consolidam fora. Muitos têm holdings controladoras fora do Brasil.

O Itaú não poderia criar uma holding lá fora?

Setubal: É muito complexo, mas vamos ver. Se essa situação aí perdurar, pode ser um caminho.

O Itaú é gigante no Brasil e há limitações para expansão internacional. Para onde crescer então?

Setubal: Esse é o grande desafio. Essa questão às vezes nos faz pensar em criar estruturas tributárias mais eficientes para que a gente possa ir para fora. Especialmente porque o Brasil cresce pouco. Se crescesse 3%, 4%, 5% ao ano, como seria o ideal para resolver o problema da pobreza, seria ótimo estar só no Brasil. Teríamos capacidade de crescer, manter o banco cada vez maior. Porque nós, pelo tamanho do banco na economia, somos sócios do Brasil. Se o Brasil não cresce, a gente também não cresce.

Moreira Salles: As coisas são meio pendulares. Parte da lógica da nossa conversa para a fusão em 2008 era criar uma liderança no Brasil e poder olhar para fora. E o movimento lá fora foi ao contrário depois de 2008, os bancos que eram globais foram diminuindo as suas presenças. No nosso negócio a escala é local, não global. Agora, se resolver o problema do imposto, abre novas formas de poder ir para fora sem ser o modelo tradicional de ir atrás de um incumbente local com rede de agência. Tem formas, mas você precisa ser competitivo para poder fazer isso direito. Então essas conversas podem renascer à luz de novas circunstâncias, novos modelos de negócio, atividades mais específicas do que bancos universais, por exemplo.

Aquisições significativas no Brasil estão descartadas?

Setubal: Aquisições significativas o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) já impede.

Moreira Salles: A Avenue veio preencher uma das lacunas de que falamos. É uma operação muito eficiente e que traz um valor agregado para o cliente. Isso dá para fazer, mas não muda tanto a agulha.

Setubal: São coisas que nos ajudam a ser competitivos nos vários segmentos, mas são marginais. São importantes no longo prazo, vamos fazendo uma coisa aqui e outra ali, fortalecendo o franchise.

Como imaginam que será o setor financeiro em 20, 30 anos?

Moreira Salles: Difícil, posso chutar aqui (risos).

Setubal: Nem me arrisco a chutar. As mudanças são permanecentes, é difícil prever. Poderia prever se nada mudasse. Mas como a gente sabe que o mundo muda muito, a gente tem que estar preparado para as incertezas e as mudanças.

Moreira Salles: O que posso dizer é que vai haver a necessidade de instituições, qualquer que seja a cara que tenham, que captem dinheiro da população, protejam esse dinheiro, e gerem possibilidade de crédito para as pessoas consumirem ou investirem. No fundo, o papel do banco vai existir sempre. O formato físico pode ser diferente. Não acredito em uma pulverização, uma especialização absoluta que prescinda de ter bancos que atendam do pequeno poupador à grande corporação. Agora, vai ter uma configuração geográfica, no sentido de dentro do país ou fora, diferente do que hoje. E pode ter algum desses ativos, como algum desses que você citou. Sou cético em relação a um desses aí…

Qual? Cripto?

Moreira Salles: (Risos). Mas o papel dos bancos vai continuar. Estamos aí desde os Médici. Não inventaram outro modelo. Ele muda sua configuração, mas esse papel é fundamental em uma economia.

Setubal: Na essência, os bancos continuarão existindo pela necessidade que a sociedade tem de ter bancos. Mas não quer dizer que o banco vai operar exatamente como hoje, vai ser muito diferente.

Entrevista concedida à Álvaro Campos e Talita Moreira, do Valor Econômico

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