Investidores tentam abrir nova arbitragem contra Americanas

Segundo procedimento coletivo poderá ser formado por estrangeiros

Advogado Marcelo Escobar: 'Tudo leva a crer que houve fraude' — Foto: Divulgação
Advogado Marcelo Escobar: 'Tudo leva a crer que houve fraude' — Foto: Divulgação

Um grupo com cerca de 30 investidores estrangeiros acionou uma banca brasileira para iniciar arbitragem contra as Americanas. Querem indenização pelos prejuízos causados pelas “inconsistências contábeis” no balanço da varejista. Será o segundo procedimento movido, em bloco, por acionistas minoritários.

O primeiro envolve o Instituto Ibero-Americano Empresa. A entidade, que reúne investidores e atua no mercado de capitais, apresentou requerimento para a abertura de procedimento arbitral na Câmara da B3, a CAM, no dia 19, e pretende atuar em conjunto com acionistas. Pede R$ 500 milhões de indenização. Seria uma compensação pela perda do valor das ações.

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A alegação é de que os investidores foram induzidos a erro. Confiaram em informações oficiais da empresa, adquiram as ações, e depois, com a revelação do rombo de R$ 20 bilhões no balanço, o preço caiu e eles, consequentemente, perderam dinheiro. Se ganharem a causa, o montante será divido entre os acionistas participantes da arbitragem.

Há risco, ainda, de haver um terceiro caso. Uma entidade de classe estuda iniciar arbitragem em nome de acionistas minoritários – aos moldes da ação civil pública que existe na Justiça. Nesse caso, a decisão, se favorável, beneficiaria todos os investidores da empresa.

Esse movimento dos minoritários da Americanas superaqueceu os debates em torno das demandas coletivas na arbitragem. O tema é novo. Foi inaugurado com a Petrobras, em meio às denúncias de corrupção que vieram à tona com a Operação Lava-Jato, nos anos de 2016 e 2017, e ainda tem muitas pontas soltas. Não há regramento específico e as empresas de capital aberto vêm se mostrando bastante resistentes.

“Mas é preciso esclarecer que estamos falando de tipos de arbitragem diferentes. Uma se chama multipartes. É movida por um conjunto de acionistas da empresa. A outra é a arbitragem coletiva, quando uma entidade entra em nome dos acionistas”, diz Marcelo Escobar, do escritório Escobar Advogados.

Escobar e o advogado Cláudio Finkelsteins foram procurados pelo grupo de cerca de 30 investidores estrangeiros que quer a arbitragem contra as Americanas. É possível ainda que dois brasileiros, um fundo de investimentos e um banco, se juntem a esse grupo.

Os advogados estão estudando o caso e reunindo documentação. “Tudo leva a crer que houve fraude. Não pode um balanço ser publicado e de repente vir a informação de que faltaram R$ 20 bilhões ou R$ 40 bilhões. Mas estamos discutindo ainda. Clientes da magnitude como os que estamos tratando querem que essa arbitragem seja frutífera”, frisa Escobar.

Ele e Finkelsteins também atuam juntos em um dos casos envolvendo a Petrobras. A estatal é parte em pelo menos duas arbitragens que têm como participante um número enorme de acionistas. Em uma delas são quase 1,5 mil.

A outra, representada pelos dois advogados, foi movida por um grupo de cerca de cem investidores estrangeiros que busca indenização de aproximadamente R$ 2 bilhões. Essas duas arbitragens são do tipo multipartes.

Já a arbitragem coletiva foi movida pela Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin). Essa entidade atua como substituta processual de todos os investidores que negociaram ações da Petrobras na B3 entre janeiro de 2010 e julho de 2018.

Acionistas minoritários começaram a se organizar, aqui no Brasil, depois das ações coletivas que foram movidas contra a Petrobras nos Estados Unidos – as chamadas class action.

Por lá, no entanto, a tramitação ocorre na Justiça. Nos EUA, as empresas de capital aberto não usam cláusula arbitral e, por esse motivo, nem companhias nem acionistas são submetidos à arbitragem.

É diferente do sistema brasileiro. Aqui, todas as empresas de nível 2 e as relacionadas no novo mercado são obrigadas a resolver os seus conflitos na câmara de arbitragem da B3.

“A situação é muito delicada. Imagine o pequeno investidor. Ele não pode recorrer à Justiça comum e não consegue entrar individualmente com uma arbitragem porque os custos são altíssimos”, afirma Eduardo Silva, presidente do Instituto Ibero-Americano Empresa. Para ele, as demandas coletivas, na arbitragem, garantem o amplo acesso à Justiça que está previsto na Constituição.

O que se tem visto, na prática, no entanto, é que esse caminho pode ser longo e bastante tortuoso. Os procedimentos envolvendo a Petrobras, por exemplo, iniciaram em 2016 e 2017 e ainda estão em andamento. Esse tempo todo destoa da celeridade que se costuma ter na arbitragem.

O tempo médio de duração dos procedimentos arbitrais administrados pela câmara da B3 é de 22 meses – do requerimento até a sentença. São menos de dois anos, enquanto os casos envolvendo a Petrobras estão indo para seis e sete anos.

A arbitragem multipartes e a coletiva funcionam de forma diferente e o mercado reage de maneira distinta a cada uma delas. Não há resistência, por exemplo, quanto ao cabimento da multipartes. As empresas, em geral, entendem que os seus acionistas podem mover um procedimento de forma conjunta.

O que pega, nesse modelo, é a discussão em si. As empresas afirmam que a legislação brasileira não prevê a possibilidade de acionistas demandarem indenização diretamente à companhia. A Lei das Sociedades Anônimas permite apenas responsabilizar administradores e controladores.

“O pagamento, nesse caso, seria em benefício da companhia. Porque se permitir que os acionistas promovam ação e ainda tenham indenização, a companhia perde duas vezes. Uma quando houve o problema, ela passou a valer menos, e depois por ter que arcar com a indenização”, diz uma fonte que acompanha de perto a discussão.

Em relação à arbitragem coletiva, no entanto, as discussões estão em estágio anterior. As empresas do mercado de capitais não a reconhecem. Dizem que não existe previsão em lei nem no regulamento da câmara arbitral e que as cláusulas compromissórias não tratam sobre isso. “A premissa da arbitragem é a concordância e as empresas não anuíram dessa forma”, diz um advogado que atua a favor de empresas.

Além do caso envolvendo a Petrobras, existem somente outros dois, aqui no país, nesse formato. Ambos os procedimentos foram movidos pela mesma entidade: Instituto Brasileiro de Ativismo Societário e Governança (Ibrasg).

Um deles foi iniciado no ano de 2019 contra a Vale. A entidade alega que os investidores sofreram prejuízos com o acidente em Brumadinho (MG).

O outro foi protocolado em 2020 contra o IRB Brasil Resseguros. O Ibrasg atua como substituto processual de todos os investidores que adquiram ações entre 2 de fevereiro e 9 de março daquele ano. Aponta prejuízos em decorrência da forte desvalorização dos papéis, que teria sido provocada por irregularidades nas demonstrações financeiras e societárias.

Esses dois casos ainda estão em andamento. O da Vale, apesar do tempo transcorrido, não teve ainda sequer a assinatura do termo de arbitragem, que permite o início do procedimento.

Todos essas arbitragens tramitam sob sigilo na câmara da B3. Os três casos de arbitragem coletiva tem atuação do escritório de advocacia Modesto Carvalhosa, que não quis se manifestar na reportagem.

O Valor também procurou a Americanas, que não deu retorno. O IRB preferiu não comentar o assunto. Petrobras e Vale enviaram notas.

Petrobras diz apenas que “reitera que continua a se defender vigorosamente, em respeito a seus acionistas, em todas as arbitragens de que é parte”. Já a Vale afirma que “tem exercido de modo diligente e adequado todos os seus deveres e direitos, sempre em atenção à legislação aplicável, às boas regras de governança e ética e no melhor interesse da companhia, dos seus acionistas e da sociedade”.

Por Joice Bacelo

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