Fed endurece tom sobre retirada de estímulos e derruba bolsas
Investidor volta a antecipar início da alta de juros nos EUA após declarações de Powell
O presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, Jerome Powell, endureceu o tom e indicou que, em dezembro, o colegiado deve discutir uma aceleração no processo de redução das compras de ativos. O surgimento da variante ômicron do coronavírus havia feito o mercado cogitar, nos últimos dias, um tom mais cauteloso do Fed. No entanto, logo após as declarações de Powell ontem, os preços dos ativos voltaram a se ajustar. O mercado passou a antecipar, novamente, o início da alta de juros nos Estados Unidos, o que gerou queda firme das bolsas.
Em Wall Street, o índice Dow Jones cedeu 1,86%, para 34.483 pontos, e o S&P 500 recuou 1,90%, a 4.567 pontos. Já o índice Nasdaq encerrou o pregão de ontem em queda de 1,55%, com 15.537 pontos. No Brasil, nas mínimas do dia o Ibovespa atingiu os 100.075 pontos – mas se recuperou um pouco, para fechar aos 101.915 pontos, queda de 0,87%.
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O tom negativo dos mercados acionários globais vem na esteira de apostas mais firmes em uma alta antecipada das taxas de juros nos EUA. Os futuros dos Fed funds apontavam, no fim da tarde de ontem, que a chance de uma alta de juros já em maio subiu de 34,3% na segunda-feira para 43%, de acordo com dados do CME Group. Em relação ao ano de 2022 como um todo, o mercado precifica 78,5% de possibilidade de pelo menos duas altas nos juros americano. Já a chance de ao menos três elevações nas taxas está em 48,5%.
Antes do surgimento da variante ômicron, que se deu durante o feriado do Dia de Ação de Graças nos EUA, alguns dirigentes do Fed já haviam se mostrado favoráveis a uma discussão, em dezembro, sobre uma redução mais rápida das compras de ativos pela autoridade monetária (o chamado “tapering”). Entre eles, o vice-presidente do BC, Richard Clarida, diretor Christopher Waller e a presidente da distrital de San Francisco, Mary Daly. Na sexta-feira, contudo, o susto com o surgimento da ômicron fez boa parte do mercado cogitar um tom mais cauteloso do Fed.
Porém, ao ser questionado no Comitê Bancário do Senado dos EUA ontem sobre as compras de ativos do banco central, Powell adotou um discurso mais duro. “É apropriado, eu acho, que discutamos em nossa próxima reunião, que será em algumas semanas, se será apropriado encerrar nossas compras alguns meses antes.”
Apesar do risco representado pela variante, Powell manteve o discurso mais duro adotado por seus colegas em meio à inflação corrente em níveis bastante elevados nos EUA e com expectativas de inflação de médio prazo também em alta. Após as surpresas nos dados recentes de inflação, o mercado tem começado a apostar em números mais altos no médio e e longo prazo. A expectativa de inflação de mercado de cinco anos chegou a ficar acima de 3% neste mês, e ontem estava em 2,8%.
Na visão do economista-chefe para EUA do J.P. Morgan, Michael Feroli, Powell confirmou o tom mais duro que os dirigentes do Fed já tinham adotado antes do surgimento da ômicron. “Ele parecia estar usando anotações, sugerindo que não era um comentário improvisado. Para ter certeza, ele observou que eles também terão mais dados de emprego e inflação, bem como uma noção melhor da nova variante antes de tomar qualquer decisão”, observa Feroli.
Para o economista do J.P. Morgan, porém, a consistência da mensagem do banco central americano “sugere que será necessária uma piora na situação da saúde pública nas próximas duas semanas para evitar que o Fed decida acelerar o ritmo de tapering”.
A equipe de economistas do Goldman Sachs, liderada por Jan Hatzius, também observa que, mesmo com um discurso inicial “equilibrado”, o tom do depoimento de Powell no Senado foi mais duro (ou “hawkish”, no jargão do mercado). Eles enfatizam tanto a discussão do dirigente sobre uma aceleração do “tapering” quanto o destaque dado por Powell à estabilidade de preços.
“Os comentários do presidente Powell sinalizam que a liderança do Fed está aberta a acelerar o ‘tapering’, e continuamos esperando que o Fed dobre o ritmo de redução em dezembro, seguido por um primeiro aumento de taxas de juros em junho”, dizem os economistas do Goldman Sachs.
Enquanto Powell prestava depoimento no Senado, não foi somente o mercado de ações a reagir com força. A terça-feira marcou uma nova disparada da taxa do título do Tesouro americano (T-note) de dois anos, que subiu para 0,567%, em alta de 7,9 pontos-base (0,079 ponto percentual). Por outro lado, o rendimento da T-note de dez anos recuou para 1,450%, no momento em que o mercado ainda tem dúvida sobre o impacto da ômicron na economia global.
Pesou no sentimento dos agentes, logo no início do dia, a expectativa do CEO da Moderna, Stephane Bancel, de que as vacinas existentes devem ser menos eficazes no combate à ômicron do que em relação a cepas anteriores do coronavírus. As declarações de Bancel foram dadas ao “Financial Times”.
De acordo com Lynn Franco, diretora sênior de indicadores econômicos do Conference Board, a confiança do consumidor americano, que já está em queda, pode enfrentar ventos contrários nos próximos meses diante da alta de preços e de um potencial ressurgimento do número de casos de covid-19, o que estaria associado à variante ômicron. Divulgado ontem, o índice de confiança do consumidor dos EUA caiu de 111,6 pontos em outubro para 109,5 em novembro.
“As expectativas sobre as perspectivas de crescimento de curto prazo aumentaram, mas as perspectivas de emprego e renda diminuíram. As preocupações com o aumento dos preços – e, em menor grau, com a variante delta – foram os principais responsáveis pelo ligeiro declínio na confiança”, observa Franco.
No mercado global de câmbio, o dólar se fortaleceu, mas o movimento não teve fôlego para se sustentar até o fim do dia. O índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana contra uma cesta de outras seis divisas fortes, chegou a subir a 96,64 pontos na máxima, embora, no fim da tarde, tenha voltado a operar abaixo da marca simbólica dos 96 pontos.
Já no mercado doméstico, o dólar encerrou os negócios com ganhos de 0,48%, a R$ 5,6372, também influenciado pelo tom mais duro de Powell. A moeda americana, porém, chegou a subir em ritmo bem mais forte no pregão de ontem e, na máxima do dia, atingiu R$ 5,6688.
Por aqui, os investidores acompanharam a tramitação da PEC dos Precatórios no Senado. Após o texto ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por 16 votos a 10, o governo conseguiu um acordo para que o texto fosse levado a plenário com agilidade.
A perspectiva de diminuição das incertezas fiscais fez o dólar abandonar as máximas do dia, enquanto os juros futuros se ajustaram em forte queda. No fechamento do dia, a taxa do DI para janeiro de 2025 caía de 11,59% para 11,40%, enquanto a do DI para janeiro de 2027 recuava de 11,55% para 11,31%.
“A gente espera a aprovação da PEC para poder virar a página em relação aos temas fiscais. Ainda existe algum prêmio de risco a ser retirado dos ativos domésticos”, afirma um profissional do mercado que prefere não se identificar.
Se o alívio com a PEC foi maior no câmbio e nos juros, o Ibovespa também se afastou das mínimas, mas ainda com impactos relevantes do Fed. “Se observar o índice como um todo, muita notícia ruim já está precificada. O que não está nos preços ainda é um aperto maior da política monetária nos EUA”, afirma o diretor-executivo da BGC Liquidez, Erminio Lucci. Para ele, dificilmente haverá um fluxo grande para a bolsa antes de o cenário eleitoral ficar mais claro. “O nível atual de atratividade da renda fixa contra o risco de bolsa também limita a recuperação do índice”, diz.