Empresas renegociam condições de pagamento de debêntures

Emissores de debêntures buscam credores para rever contratos

Eugênia Souza, da Vórtx: “Tivemos uma explosão de indexadores, o que fez com que as dívidas ficassem mais caras” — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Eugênia Souza, da Vórtx: “Tivemos uma explosão de indexadores, o que fez com que as dívidas ficassem mais caras” — Foto: Silvia Zamboni/Valor

O número de empresas que precisaram se sentar à mesa com credores está em alta diante do aumento das taxas de juros e da inflação. Sinal disso é que as assembleias de debenturistas tornaram-se mais frequentes nos últimos meses. Em boa parte dos casos, as reuniões entre emissores e credores serviram para a renegociação de cronograma de pagamentos e garantias. Também há exemplos de descumprimento dos chamados “covenants’, as cláusulas restritivas previstas nos contratos.

Considerando apenas as companhias abertas, o número de convocações para assembleias de debenturistas mais do que triplicou. De janeiro a julho, foram feitas 71, enquanto no mesmo período do ano passado houve 22, segundo levantamento feito pelo Valor a partir de documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O cenário se repete no universo das companhias de capital fechado, segundo agentes fiduciários ouvidos pela reportagem. Essas entidades, cuja atividade é regulamentada pela CVM, atuam como intermediadores na relação entre debenturistas e emissores.

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“Em 2020 tivemos aquele choque na economia com a pandemia. Agora, estamos vendo as consequências bem claras, com as empresas precisando remodelar suas dívidas, pedindo aos credores uma adequação à nova realidade”, diz Karolina Vangelotti, diretora da Pentágono. De janeiro a julho, a Pentágono esteve em 656 assembleias. O número corresponde a quase 80% das realizadas em 2020 todo. No ano passado, foram 1.097 no total.

Na Vórtx, que também atua como agente fiduciário, o número de assembleias relacionadas à dívida corporativa aumentou 40% no primeiro semestre, para cerca de cem.

Um dos pedidos mais comuns dos tomadores de crédito é a aprovação de mudanças no fluxo de pagamento ou nas taxas, diz Eugênia Souza, sócia e diretora da área de dívida corporativa da Vórtx. “Tivemos uma explosão de indexadores, o que fez com que as dívidas ficassem mais caras. Ao olhar o fluxo de caixa, as empresas resolveram negociar, por exemplo, para fazer pagamentos semestrais, no lugar de desembolsos mensais.”

CVC e Metalfrio Solutions são alguns exemplos de companhias que conseguiram no primeiro semestre uma alteração nas datas de amortização e de pagamento de remuneração dos debenturistas.

Pedidos de substituição de garantias também tornaram-se mais frequentes nas assembleias. É comum, por exemplo, que no caso de emissões de subsidiárias, a dívida seja garantida por uma fiança da empresa controladora. Com uma eventual diminuição da capacidade da holding de cobrir as dívidas de todas as controladas, devido à diminuição do recebimento de dividendos, passou a ser necessária a troca da fiança por outras garantias reais.

O temor de uma diminuição na capacidade de gerar lucro tem levado companhias a se adiantar a um eventual descumprimento de indicadores financeiros. “Elas entendem que não vão ter um Ebitda como o projetado anteriormente e preferem pedir uma troca de covenant”, diz Souza. “Quando o emissor tem boa fé, ele prefere negociar ao invés de esperar e ver uma antecipação de vencimento.”

Das assembleias com participação da Vórtx, no primeiro semestre, relacionadas à dívidas corporativas, quase 20% foram para declaração de vencimento antecipado, ou seja, foram casos de empresas que descumpriram os termos acordados e que, por isso, tiveram que pagar o que deviam antes do planejado.

Como as companhias não costumam fazer uma única emissão e sabem que eventualmente vão acessar o mercado de dívida novamente, ter um vencimento antecipado pode afetar a imagem de bom pagador. “A empresa quer voltar ao mercado bem aparentado, então tem gente que se antecipa e faz a reestruturação antes de não conseguir cumprir o combinado”, afirma Antonio Amaro, diretor de serviços fiduciários da Oliveira Trust.

A ISA Cteep, por exemplo, pediu em março aos debenturistas o perdão prévio, considerando a possibilidade de não conseguir atingir o índice de endividamento combinado no momento da emissão da dívida. Como justificativa, a empresa de energia disse que estava avaliando potenciais aquisições de ativos e que a receita havia sido afetada pela pandemia da covid-19. Esses fatores poderiam ter impacto nas demonstrações financeiras e tornar inviável ou impossível o atingimento da meta, afirmou a companhia em documentos.

Do ponto de vista do investidor, o cenário de incerteza econômica impôs um olhar mais criterioso sobre o cumprimento do que foi acordado com a empresa no momento da emissão. “Quando está tudo na maré mansa, o investidor está tranquilo. Quando o pagamento está todo mês na conta, ele costuma relevar ou perdoar caso a empresa atrase um relatório, por exemplo. Em um cenário de crise, todo o acompanhamento passa a ser mais rigoroso. Ele quer prazos pontualmente cumpridos e começa a chamar mais assembleias”, afirma Souza, da Vórtx.

Pela Lei das S.A., as assembleias podem ser convocadas tanto por iniciativa dos emissores, quanto dos agentes fiduciários, pela CVM ou por investidores, caso eles representem no mínimo 10% da dívida em circulação. O agente fiduciário tem a obrigação de comparecer à assembleia e prestar aos debenturistas as informações que lhe forem solicitadas, conforme a lei.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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