Ecossistema de serviços financeiros cresce com Pix e ‘open finance’
Especialistas veem potencial em áreas menos exploradas, como entre os elos da indústria
Em meio a uma série de inovações, o avanço de pautas regulatórias como o Pix e o “open finance” pode potencializar a oferta de serviços financeiros por empresas de diversos segmentos, como do varejo e da indústria, visando gerar novas receitas, reduzir custos e estreitar os laços com os diversos elos da cadeia. Para especialistas, diversas soluções ainda podem ser desenvolvidas pensando nos clientes finais, mas há um espaço muito maior quando considerada a oferta de produtos para as outras pessoas jurídicas que compõem esse ecossistema.
Não é de hoje que empresas, especialmente do varejo, se movimentam para oferecer produtos específicos aos seus clientes, como crédito e contas digitais. As inovações em curso, no entanto, podem reduzir significativamente o custo envolvido nessas operações e, assim, intensificar as transformações pelas quais já passa o setor. Grandes bancos, bandeiras e credenciadoras estão entre os potenciais afetados pelas mudanças, mas, na visão de quem atua no mercado, é a capacidade de adaptação que vai definir quem sairá ganhando ou perdendo nesse processo.
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Na indústria, um exemplo de expansão das atividades vem da Ambev, com a plataforma de soluções financeiras Donus. “Maquininha” de cartão, conta digital e empréstimos estão entre os produtos oferecidos a bares, restaurantes e outros negócios parceiros. “Temos como propósito tornar a vida financeira do pequeno e médio empreendedor mais justa e próspera e alavancar o ecossistema da Ambev”, afirma, em nota, o CEO da Donus, Mauro Bizatto.
O executivo destaca que, mesmo antes do Pix, a empresa lançou uma opção para clientes pagarem seus fornecedores e empresas de forma eletrônica. Outro diferencial, acrescenta, é a extensão de prazo para pagamento de pedidos de produtos. De acordo com ele, a Donus deve acelerar a criação de produtos relacionados ao Pix e expandir toda a relação de pagamentos B2B que ainda é “não muito eficiente e pouco automatizada no mercado”.
Já o Magazine Luiza conta com uma vertical dedicada a entregas de soluções financeiras que oferece produtos como maquininha, conta digital para pessoa jurídica e processadora de cartões e conta digital, além de serviços bancários para parceiros. “São soluções para os clientes do ecossistema Magalu e outras empresas clientes”, conta o diretor de fintech da varejista, Fabio Murakami, também em nota.
De acordo com ele, há “espaço para expansão em todas as vertentes”. Murakami diz que o Pix “já é uma realidade na dinâmica de negócios” da empresa e que, no final deste semestre, deve haver uma “maior efervescência do uso e novos negócios” a partir da evolução do open banking.
Toda empresa naturalmente está no centro de um ecossistema de negócios, explica o consultor Boanerges Ramos Freire, da Boanerges & Cia. Ela tem uma parte “para trás”, dos fornecedores, por exemplo, e uma parte “para frente”, que pode incluir distribuidores, varejistas e consumidores finais, além de funcionários. “A partir disso, ela tem o potencial de se tornar âncora de ecossistema de serviços financeiros”, afirma. Nesse sistema, a empresa “central” agrega um conjunto de serviços financeiros e de apoio, que podem envolver soluções próprias ou de parceiros estratégicos.
Embora diversas empresas já tenham olhado com atenção para essa frente – além de Ambev e Magalu, Carrefour, Mercado Livre e Grupo Martins são só algumas das que já agregaram uma gama de serviços financeiros a suas atividades -, Freire acredita que as iniciativas existentes ainda são limitadas e exploram “apenas um pedaço” do potencial. “Algumas olham só para frente na cadeia. Poucas olham para trás e quase nenhuma olha para os funcionários e suas necessidades.”
Na última década, mudanças relevantes no mercado possibilitaram o aumento da competição e a ampliação da oferta de serviços financeiros, especialmente a lei 12.865, de 2013, que dispôs sobre os arranjos de pagamentos. A diferença é que agora está ficando mais fácil levar os projetos adiante, explica Carlos Netto, CEO da Matera, empresa de desenvolvimento de tecnologia para serviços financeiros.
“O custo baixou muito. Não é mais um bicho de sete cabeças”, afirma Netto. Para ele, o open banking não deve surtir efeitos significativos no curto prazo. O Pix, por sua vez, entra como um “habilitador” no processo, ajudando a reduzir custos.
Líder da área de pagamentos para empresas do Mercado Pago, banco digital criado pelo Mercado Livre, Daniel Davanço acredita que a partir das inovações regulatórias será possível ampliar a oferta de produtos que melhorem os resultados dos vendedores e a experiência dos compradores. O Mercado Pago abarca hoje 20,5 milhões de pagadores únicos, atendidos por produtos como conta e carteira digital, e 9,3 milhões de vendedores ativos, para os quais estão disponíveis opções como maquininha, link de pagamentos e QR Code.
“Essa oferta de serviços tem também o objetivo de conquistar a principalidade do usuário. Não que ele não tenha outra conta, em banco tradicional ou outro banco digital, mas a gente busca oferecer toda uma gama de serviços, de acordo com aquilo que ele necessita”, afirma.
Líder da área de inovação em pagamentos do Mercado Pago, Felipe Soria diz que, embora os efeitos do Pix sejam mais imediatos, neste ano já devem começar a surgir ganhos mais palpáveis do open banking, seja por meio do compartilhamento de informações ou da iniciação de pagamentos. Sobre o pagamento instantâneo, ele afirma ainda que neste trimestre será ampliada a experiência de “buy now, pay later” (BNPL, ou compre agora, pague depois), já oferecida pela empresa. “Aquele cliente que está pagando eventualmente em um estabelecimento que não está credenciado pelo Mercado Pago como Pix vai poder pagar também com o BNPL via Pix.”
Freire acredita que há uma demanda reprimida no universo B2B por novas soluções, mais diversificadas e atualizadas tecnologicamente. Nesse segmento, continuou, a oferta de serviços está atrasada “de uma a duas décadas” em relação ao que já é oferecido no mundo da pessoa física, onde há muito tempo a competição é alta e as margens, baixas. Ele frisou ainda que o potencial de pagamentos originados nas empresas é mais do que o dobro do universo da pessoa física, na casa de R$ 11 trilhões.
As mudanças pelas quais passa o mercado facilitam o preenchimento dessas lacunas, defende. “No passado, a empresa tinha que se transformar em um banco, uma financeira. Hoje, não é mais preciso. É possível contratar serviços, parceiros, e com o open finance vai ficar mais flexível ainda”, afirma. Netto, da Matera, destaca que a oferta de serviços financeiros pode melhorar os resultados de toda a cadeia. “A força da indústria não é só a dela. Se eu ajudo os meus parceiros a serem mais eficientes, a cadeia toda fica mais eficiente.”
Em meio a inovações regulatórias e maior concorrência, a visão é de que “perde quem ficar parado e ganha quem se mexer”. Nesse contexto, há espaço para bancos, bandeiras e credenciadoras se reposicionarem no mercado e se firmarem como indutores dessas inovações, dizem os especialistas.
Para João Manoel de Lima Junior, professor da FGV Direito Rio e coordenador do Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (NEASF), existe espaço para parcerias. “Provavelmente será adotado algum modelo de cooperação competitiva (“co-opetition”) entre as instituições financeiras e os demais agentes atuantes no open banking, no qual eles competem pela disponibilização de crédito e soluções financeiras para os clientes enquanto cooperam no desenvolvimento de soluções tecnológicas para a prestação de serviços financeiros.”