Dominância fiscal: entendendo o caso brasileiro
Para diminuir a inflação, é a condução da política fiscal que precisa ser ajustada, não a política monetária
Dominância fiscal descreve uma situação em que as ações do Banco Central (BC) para controlar a inflação tornam-se limitadas ou ineficazes porque a política fiscal gera pressões significativas na economia.
O tema tem sua semente no influente artigo “Some Unpleasant Monetarist Arithmetic” (1981), de Thomas Sargent e Neil Wallace. O artigo demonstra que, quando o governo promove uma trajetória crescente de dívida, o banco central pode monetizar essa dívida, gerando inflação. Isto ocorre, mesmo que inicialmente haja uma política monetária restritiva para conter a inflação.
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Uma hipótese crucial para obter este resultado é que a trajetória crescente da dívida não depende da política monetária, presente ou futura. Implicitamente, supõe-se que há um problema de coordenação entre as autoridades monetária e fiscal, e que a primeira não é capaz de “disciplinar” a segunda.
Propostas para restringir as ações de política monetária, como o padrão ouro ou o câmbio fixo e, mais recentemente, o regime de metas de inflação e a autonomia operacional do Banco Central, podem ser tentativas de evitar que a autoridade fiscal exerça esse poder de liderança sobre a política monetária.
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Mais juros, mais inflação?
Michael Woodford, no artigo “Control of the public debt: a requirement for price stability?” (1996), mostra que, mesmo que o BC siga comprometido com o combate à inflação, sem desviar de tal objetivo, a política fiscal pode ser inflacionária. Isso ocorre quando o aumento da dívida é percebido como incremento à riqueza. Não valendo, portanto, a chamada “Equivalência Ricardiana”. Este efeito riqueza é inflacionário e pode, em tese, ser agravado por uma alta da taxa de juros.
Em um contexto de câmbio flexível, Olivier Blanchard, no artigo “Fiscal dominance and inflation targeting: lessons from Brazil” (2004), mostra que, quando o aumento da taxa de juros eleva a probabilidade de não pagamento da dívida pública (no caso de níveis elevados de dívida, por exemplo), impactando o prêmio de risco, ocorrem fluxos de saída de recursos que levam a uma depreciação cambial. Essa depreciação, por sua vez, leva a uma inflação maior. Nessas condições, portanto, uma taxa de juros mais elevada pode também, em tese, ser inflacionária.
Estes resultados mostram que, quando o regime fiscal é percebido como insustentável, o sistema de metas de inflação e a autonomia da autoridade monetária podem ser condições insuficientes para estabilizar a inflação. Mesmo com um BC comprometido com sua meta.
Como avaliar o risco de dominância fiscal?
Assim, pela discussão acima, há dois conjuntos de informação importantes para avaliar o risco de dominância fiscal.
O primeiro, no espírito do trabalho de Sargent e Wallace, captura os sinais de uma política monetária passiva em relação à política fiscal. Isto é, sinais de que o BC pode estar agindo de forma a monetizar a dívida, em detrimento de seu objetivo de estabilizar a inflação.
O segundo conjunto, então, captura diferentes ângulos do risco de insustentabilidade fiscal: (1) trajetórias de variáveis fiscais como dívida pública/PIB, gasto público/PIB, déficit primário/PIB, no espírito do trabalho de Woodford, e (2) correlação entre juros e câmbio, prêmio de risco, inclinação da curva de juros, composição/duration da dívida, no espírito do trabalho de Blanchard.
Quais são os sinais de dominância fiscal no Brasil atual?
Embora a taxa de inflação no Brasil se encontre acima da meta e esteja em curso um processo de desancoragem crescente das expectativas de inflação, não há sinais de hesitação do BC em atuar para controlar a inflação em torno de seu objetivo.
O Copom e seus membros vêm inclusive destacando os riscos que desequilíbrios fiscais representam para a economia. Em particular para as expectativas de inflação, e a importância de coordenar as políticas fiscal e monetária. Sob qualquer ótica, portanto, a autonomia operacional do BC segue preservada de fato.
Se por um lado não há sinais de passividade da autoridade monetária diante da inflação elevada, por outro, as evoluções recentes de todas as variáveis fiscais mencionadas acima têm ido na direção de maior risco de dominância fiscal. Em particular, a expectativa mediana do mercado é que a dívida/PIB atinja 85,4% em 2026, vindo de 71,7% em 2022.
Outra evidência importante é que a taxa de câmbio seguiu desvalorizando. Isso mesmo depois do BC anunciar recentemente a intenção de elevar a taxa básica de juros de 11,25% para pelo menos 14,25% a.a. (com títulos negociados embutindo alta ainda maior). Tal desvalorização ocorreu em paralelo a uma piora de métricas de prêmio de risco, indicando a natureza fiscal deste novo impulso inflacionário.
A hora e a vez da política fiscal
É, em geral, difícil caracterizar uma situação inequívoca de dominância fiscal. Mas o rumo recente das variáveis fiscais, bem como a elevação do prêmio de risco e a desvalorização do câmbio (apesar da alta de juros), indicam riscos crescentes no Brasil.
Nesse quadro, para diminuir o risco de descontrole inflacionário, é a condução da política fiscal que precisa de ajuste, com urgência, e não a condução da política monetária.